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quinta-feira, 12 de maio de 2016

Comentário à sequência da Solenidade de Pentecostes

Comentário à sequência  de Pentecostes
- Espírito de Deus, enviai dos céus um raio de luz!
- Vinde, Pai dos pobres, dai aos corações vossos sete dons.
- Consolo que acalma, hóspede da alma, doce alívio, vinde!
- No labor descanso, na aflição remanso, no calor aragem.
- Enchei, luz bendita, chama que crepita, o íntimo de nós!
- Sem a luz que acode, nada o homem pode, nenhum bem há nele.
- Ao sujo lavai, ao seco regai, curai o doente.
- Dobrai o que é duro, guiai no escuro, o frio aquecei.
- Dai à vossa Igreja, que espera e deseja, vossos sete dons.
- Dai em prêmio ao forte uma santa morte, alegria eterna. Amém.
Conduzidos pelo fogo do Espírito Divino
No transcurso do tempo, sem dúvida, já tivemos ocasião de comparecer a um funeral ou presenciarmos algum violento  acidente de automóvel com vítimas fatais. Em cada uma dessas oportunidades experimentamos uma profunda impressão, ao contemplar o corpo de um defunto, imóvel, sem reação nenhuma, irremediavelmente desprovido de vitalidade.
Com efeito, a vida humana é constituída pela presença da alma animando o corpo. Este perde sua harmonia quando aquela se separa. Dado que possuímos membros muito diferentes, com peculiaridades e atribuições variadas — os braços são diversos da cabeça, as pernas dos braços, e até mesmo é distinto o papel de cada dedo da mesma mão —, é indispensável um fator de unidade que exerça uma ação ordenadora sobre todo o organismo. Tal é o papel da alma. Sem a sua presença desde o primeiro instante de nossa Concepção seríamos um conglomerado de órgãos e elementos sem coesão, incapazes de agir em conjunto.
O Espírito Santo, alma da Igreja
Essa característica da natureza humana não é senão uma pálida imagem de outra realidade incomparavelmente mais alta: ‘o que a alma do homem é para o corpo, é o Espírito Santo para o Corpo de Cristo, que é a Igreja”.1 É a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade quem a anima, de maneira que — por um absurdo irrealizável — se Ela se retirasse, ficaria a Igreja inerte como um cadáver. Cristo é a Cabeça, nós somos os membros e o Espírito Santo é a alma vivificante  que, por sua atuação, conserva a unidade deste Corpo Místico.
Se nos detivermos um pouco para analisar a sociedade humana, perceberemos que, em geral, seu dinamismo e movimentação lhe são concedidos de fora para dentro. Quem deseja, por exemplo, fundar uma instituição, procura para fazer parte dela, em primeiro lugar, pessoas dispostas e que possam garantir-lhe força e perenidade. A Igreja, pelo contrário, possui uma vida que nasce em si mesma, insuflada pelo Divino Espírito Santo. Ele está presente na Igreja, inahitando seus membros e permanecendo neles pela graça santificante.
Esta presença é sentida pelas almas, ainda que de modo imponderável, como se passou com o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, desde menino. Refletindo sobre a unidade que transparecia na diversidade da Igreja, pensava ele: “Por cima de tudo isto há Alguém, que é mais do que tudo! E uma coisa curiosa. A Igreja não parece uma instituição. mas uma pessoa que se comunica através de mil aspectos. Ela tem movimentos, grandezas, santidades e perfeições, como se fosse uma alma imensa que se exprime em todas as igrejas católicas do mundo, todas as imagens, toda a Liturgia. todos os acordes de órgão e todos os toques de sino. Essa alma chorou com os réquiens e alegrou-se com os bimbalhares dos Sábados de Aleluia e das noites de Natal. Ela chora comigo, se alegra comigo. Como eu gosto dessa alma!”.2 Em sua jovem idade não podia ele definir tal alma naquele então, Como o fez mais tarde: ‘A alma da Igreja Católica é o Espírito Santo. É Ele quem está presente em todas as manifestações da Igreja. Ele é quem sugeriu aos homens da igreja, ao longo dos séculos, que selecionassem tudo segundo uma determinada forma. Ele é quem fez nascer na Igreja todas as coisas que são o reflexo d’Ele mesmo”.3
Universalidade conferida pelo Espírito
Uma é a Igreja Católica dentro da múltipla riqueza de seus aspectos, como escreveu São Cipriano: “A semelhança dos raios do Sol que são muitos mas uma só é a luz, também muitos são os ramos da árvore e um só é o tronco, firmemente enraizado no solo; e quando de uma só nascente fluem muitos riachos, mesmo que pela abundância da água que dela emana pareça ser uma multiplicidade que se está difundindo, permanece a unidade na origem. [...] Assim também a Igreja, inundada pela luz do Senhor esparge seus raios por todo o mundo e, no entanto, uma só é a luz que difunde por toda a parte, sem dividir a unidade do corpo; estende seus ramos com grande generosidade por toda a Terra; envia seus rios para fluir com largueza por toda a parte. E, sem embargo, uma só é a cabeça, uma só sua origem e uma só sua mãe, rica pelos frutos de sua fecundidade. De seu seio nascemos, de Seu leite nos alimentamos e por seu espírito somos vivificados”.4
Por ação divina, filhos das mais diversas nações e com as mais variadas culturas participam em amor recíproco de uma única e mesma Fé, sob os cuidados de um só pastor. Quando Nosso Senhor Jesus Cristo declarou “Pedro, tu és pedra e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16, 18), estava prometendo à sua Igreja a perenidade dessa vitalidade, que jamais haveria de abandoná-la. Por esta razão é a Igreja indestrutível, e aqueles que julgam poder derrotá-la se iludem com o impossível. Mais ainda, Ela é inteiramente triunfante em todas as circunstâncias.
Uma semente tíbia e medrosa que frutifica com fulgor
Exemplo arquetípico dessa indestrutibilidade foi a transformação operada nos Apóstolos, em Pentecostes. Enquanto semente da Igreja, constituíam eles um corpo, todavia sem vida, conforme nos demonstram os acontecimentos que antecederam a cena contemplada pela primeira leitura desta Solenidade. Os Evangelhos narram como, terminada a Sagrada Ceia, Nosso Senhor saiu com seus discípulos até o Horto das Oliveiras, entre cânticos festivos. Sentindo próxima a hora terrível da Paixão, foi orar ao Pai em meio à tristeza e aflição, acompanhado apenas pelos três Apóstolos que gozavam de sua maior intimidade. Mas estes, vencidos pelo sono, mereceram receber dos lábios do Divino Mestre a repreensão: “Não pudestes vigiar uma hora comigo?” (ML 26, 40). Mais tarde, ao verem-No preso, todos fugiram tomados pelo medo (cf. Mt 26, 56; Mc 14, 50), e São Pedro, seguindo O só de longe, negou-O três vezes (cf. Mi 26, 69-75; Mc 14, 67-72; Lc 22, 55-62; Jo 18, 25-27), por respeito humano.
Depois do sepultamento de Jesus, os discípulos permaneceram reunidos a portas fechadas, receosos de uma perseguição se desencadear contra eles (cf. Jo 20, 19). Quando, por fim, Nosso Senhor lhes apareceu ressuscitado, espantaram-se e duvidavam se não seria um fantasma, a ponto de Ele pedir alimento para mostrar-lhe a realidade de seu Corpo. Não obstante, mesmo havendo testemunhado a vitória de Cristo sobre a morte, os Apóstolos estavam mais preocupados com a restauração do reino temporal de Israel — como nos demonstra o diálogo prévio à Ascensão de Jesus — do que com a doutrina que o Divino Ressuscitado ainda lhes queria comunicar.
Em sentido diametralmente oposto, depois de Pentecostes saíram eles cheios de fervor pregando às multidões, sem temor algum de serem presos ou perseguidos. “Com a vinda do Espírito Santo” — afirma São João Crisóstomo — “já estavam transformados e eram superiores a tudo o que fosse corpóreo. Ali mesmo a assistência do Espírito Santo converte em ouro o que era barro. [...] E é admirável que os Apóstolos saem a combater como que desnudos frente a adversários armados, contra príncipes detentores da autoridade sobre eles; aqueles que não tinham eloquência e eram ignorantes enfrentam impostores, charlatães e uma multidão de sofistas, retóricos e filósofos peripatéticos corrompidos da Academia”.5
Foi a partir da efusão do Espirilo Divino que a Igreja começou a se mover e se expandir. Foi Ele quem fez florescer as maravilhas e as riquezas que os séculos presenciaram, quem inspirou a coragem e o heroísmo dos mártires e a pregação do Evangelho pelo mundo inteiro, e é Ele quem rejuvenesce constantemente a Esposa de Cristo, multiplicando os frutos de santidade por toda a face da Terra, em todos os tempos.
II —O ESPÍRITO SANTO EM NÓS
Quantas vezes somos movidos por surtos de entusiasmo, de bons  desejos e propósitos, e não sabermos explicar de onde eles provêm. Em outras ocasiões, pelo contrário, sentimo-nos ácidos ou desanimados e, de repente — sem nenhuma ação de nossa parte —, invade-nos uma profunda consolação. Em ambas as circunstâncias, tais impulsos interiores procedem do Espirito Santo, que age sobre nossas almas como outrora sobre os Apóstolos, predispondo-nos à prática do bem e tornando-nos capazes, pelo poder de sua força transformadora, até mesmo de atingir a heroicidade.
No Espírito Santo nos tornamos divinos
São conhecidas as palavras de Tertuliano: “O testimonium animæ naturaliter christianœ! 6 - Ó testemunho das almas, naturalmente cristãs!”, as quais exprimem uma grande verdade, uma vez que cada alma foi criada em função de Nosso Senhor Jesus Cristo. Contudo, antes de receberem elas as águas regeneradoras do Batismo, sem possuírem a vicia divina, brotam de sua natureza manchada pela culpa original o egoísmo, o exclusivo cuidado consigo mesmo e uma preocupação desmedida por seus interesses, de onde defluem as amargas experiências que nos proporciona o trato humano, no decorrer de nossos anos.
E necessário ao homem, portanto, “renascer da água e do Espírito” (Jo 3, 5). Pleno de fé, esperança e caridade, adquire uma profunda compreensão dos panoramas sobrenaturais, oque se reflete depois no empenho em fazer o bem e em se entregar, se for preciso, a um verdadeiro holocausto em favor dos outros. Tal é a vida da graça, mantida, desenvolvida e, robustecida pela ação do Espírito Paráclito. Nesse sentido, diz Santo Agostinho: “o Deus-Amor é o Espírito Santo. Quando este Espirito, Deus de Deus, se dá ao homem, inflama-o de amor a Deus e ao próximo, pois Ele é amor”.7
Como se verifica essa participação na vida divina? No Homem Deus, modelo supremo de toda a criação, o Verbo serve de suporte — do grego – hipóstasis — para a união da natureza humana com a divina. Algo de semelhante e misterioso se opera em nosso interior, pela ação da graça santificante recebida no Batismo: mantendo as proporções, o papel que desempenha a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade em Jesus é exercido em nós pela Terceira Pessoa, fazendo-nos partícipes da vida menada de Deus e pertencentes ao Corpo Místico de Cristo.
Adotados como filhos de Deus
Podemos então afirmar que pelo Batismo passamos a fazer parte da família divina. Enquanto Nosso Senhor Jesus Cristo, no que diz respeito à sua origem,  é o Unigênito de Deus, gerado pelo Pai desde toda a eternidade, nós, embora não tendo sido engendrados na Trindade, pela graça nos tornamos filhos de Deus por adoção.
Para facilitar a compreensão de tão alta verdade, analisemos, por exemplo, a diferença que há entre ser adotado por alguém de condição modesta ou por uma pessoa abastada. Sem dúvida, se fosse dado a escolher, a grande maioria das pessoas optaria pela segunda possibilidade, pois significaria um aumento de projeção social e uma herança muito superior. Ora, infinitamente mais do que conquistar qualquer dignidade ou possuir bens materiais é ser recebido por Deus como filho. Essa adoção sobrenatural não se efetua à maneira da humana, registrada em um cartório: enquanto os pais não podem dar sua vida biológica aos filhos adotivos, Deus, pelo contrário, nos confere uma participação física e formal em sua própria vida.
De modo diverso do que acontece com o vestuário, que varia de acordo com os gostos e as ocupações de cada um, mudando a aparência exterior da pessoa sem, entretanto, alterar o organismo, a graça qualifica o interior, revestindo nossa alma e configurando-nos com Cristo, conforme as palavras do Apóstolo: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim” (Gal 2, 20).
Célebre é a imagem utilizada pelos teólogos para explicar esta doutrina: o ferro quando é colocado nas altas temperaturas da forja torna-se brasa incandescente e passa a ter as características do fogo, embora continue sendo ferro. Assim é a alma pervadida pela graça santificante: sem deixar de ser humana, fica divinizada.
Uma natureza insuficiente para governar um organismo divino
Para estar à altura de tamanha dádiva precisamos agir como o próprio Deus. Como atingir meta tão elevada? No Batismo, junto com a graça santificante. Deus infunde na alma as virtudes, que constituem o elemento dinâmico e operativo de todo o organismo sobrenatural. Porém, apesar de serem as virtudes movidas cm nós pelo Espírito Santo, que a todo instante está sustentando-nos, inspirando-nos e ajudando-nos mediante graças atuais. o uso dessas mesmas virtudes cabe a nós e depende de nossa iniciativa e vontade, o que pode representar um perigo, concebidos como somos no pecado original.

Seremos, então, como um menino a quem dessem para pilotar um potente avião de passageiros. A mais avançada das tecnologias de nada serviria em mãos tão pouco peritas quanto as de uma criança… Mais uma vez se revela insubstituível o papel exclusivo do Espírito Santo, refletido na Belíssima Sequência apresentada pela Liturgia para o dia de hoje.

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