Conclusão dos comentários ao Evangelho Jo 17,20-26
A evangelização fruto da união com Deus
21c “...a fim de que o mundo creia que Tu Me enviaste”.
É condição fundamental
para o êxito do apóstolo: quanto mais estiver ligado a Deus tanto mais eficaz
será sua palavra para convencer e atrair os outros à Fé. O evangelizador que
não possui tal união fala no vazio e, ainda que seja brilhante orador, sua ação
será estéril, pois não pode dar fruto quem não permanece em Nosso Senhor (cf.
Jo 15, 4). Em sentido oposto, se por nossas manifestações exteriores — quer por
meio de imponderáveis na fisionomia e no olhar, quer no porte, na forma de nos
expressarmos e, inclusive, nos menores gestos e atitudes — transparecer que
Deus está em nós, não só como Criador, mas como Redentor, como Pai e como
Amigo, nosso apostolado tornar-se-á sobremaneira profícuo.
Um curioso fenômeno da vida
social, chamado de “personalização dos cargos”7 pelo Prof. Plinio Corrêa de
Oliveira, é bastante expressivo nesse sentido. Em geral, a profissão à qual o
homem se dedica marca a fundo sua personalidade e seu modo de ser. Um juiz, por
exemplo, terá uma acentuada circunspeção; um professor, facilidade de expressão
e clareza de ideias; um engenheiro, senso empreendedor e capacidade de
planejamento; e assim por diante. Analogamente, tão vincados devem ser em nós
os traços da condição de batizados e da vida da graça, que em toda e qualquer circunstância
essa luz brilhe diante dos homens (cf. Mt 5, 16), levando-os a crer em Nosso
Senhor Jesus Cristo. A partir do momento em que o mundo vê não um templo ou um
livro escrito, mas elementos vivos, nos quais transparece a inabitação da
Santíssima Trindade, está constituído um elemento essencial para isto.
A glória de pertencer a Cristo
22ª “Eu dei-lhes a glória que Tu me deste...”
Jesus, Filho de Deus por
natureza, nos faz, pela graça, pertencer à família divina por adoção.
Tornamo-nos, assim, irmãos d’Ele e co-herdeiros de sua glória (cf. Rm 8, 17).
Embora só na eternidade tal herança nos seja concedida em toda a plenitude, já
na vida presente podemos desfrutá-la, como explica o padre Royo Marín: “Desde
esse dia [de nosso Batismo], temos o Céu em nós, pois nossa alma vive de Cristo
e está penetrada pela luz e esplendor de nosso chefe glorioso no Céu. São Paulo
nos faz apalpar esta verdade quando diz: ‘aos que justificou, também os glorificou’
(Rm 8, 30)”.8
Qual é o objetivo de
Nosso Senhor ao conceder esta glória aos batizados? Novamente a unidade!
22b “...para que eles sejam um, como Nós somos um...”
Podemos analisar a
segunda referência do Divino Mestre à necessidade de que “sejamos um” pelo
prisma da Igreja enquanto Corpo Místico, na qual somos membros deste Corpo e
Cristo é nossa Cabeça.
Com efeito, não há no mundo
material algo mais adequado para nos fazer compreender a arraigada coesão entre
as várias partes de um todo quanto o corpo humano, criado por Deus para simbolizar
com precisão a altíssima realidade da Igreja. Quando um inseto nos pica, por
exemplo, é instintiva a reação para proteger ou aliviar o local atingido, seja
este de importância secundária ou primordial no organismo. Quer tenha sido na
ponta do dedo menor, quer em uma das pálpebras, a picada nos incomoda, pois nosso
corpo é uma unidade, e o que acontece numa parte repercute nas outras. Sobre
isso escreve São Paulo em sua primeira carta aos Coríntios: “Se um membro
sofre, todos os membros padecem com ele; e se um membro é tratado com carinho,
todos os outros se congratulam por ele” (I Cor 12, 26). Também nós devemos nos
amar uns aos outros enquanto filhos da Igreja, sentindo que em cada um está
comprometido o nosso ideal.
Nossa unidade proclama a Fé
23 “...Eu neles e Tu em Mim para que assim eles cheguem à unidade
perfeita e o mundo reconheça que Tu Me enviaste e os amaste, como Me amaste a
Mim”.
Pela terceira vez Jesus
pede a unidade, qualificando-a agora como perfeita. A missão de todo batizado é
dar testemunho para que o mundo reconheça a Nosso Senhor Jesus Cristo. Ora, a
união entre nós com “um só coração e uma só alma” (At 4, 32) é o meio mais
eficaz para atingir esse objetivo, pois por ela proclamamos a Fé mais do que
com uma brilhante pregação. É essa unidade perfeita da Igreja “um milagre moral permanente”,9
diante do qual o mundo reconhece ser verdadeira a Fé que professamos em Nosso
Senhor Jesus Cristo, como Ele próprio o afirma nesse versículo. E foi em razão
disso que Ele “constituiu e sustenta indefectivelmente sobre a Terra, como organismo
visível, a sua Igreja santa”.’° A Igreja não pode, por tanto, ser uma sociedade
cujos membros estão dispersos a ponto de ela não ser percebida. Ela precisa
estar viva na santidade das almas para ser vista pelos homens, e na diversidade
de raças, vocações e espiritualidades brilhe “a unidade de fé, de culto, de esperança,
de caridade e de hierarquia”.11
Conhecer o Pai... mais e mais por toda a eternidade
24 “Pai, aqueles que Me deste, quero que estejam comigo onde Eu estiver,
para que eles contemplem a minha glória, glória que Tu Me deste porque Me
amaste antes da fundação do universo”.
A oração se desenvolve num
crescendo de beleza e versa agora sobre a felicidade eterna. Como o bem é de si
mesmo difusivo, e Nosso Senhor é a Bondade em essência, Ele quer que seus
discípulos estejam junto a Si na bem-aventurança e, como recompensa da fé que
os uniu na Terra, vejam a sua glória face a face, isto é, O vejam e O amem com
a própria luz de Deus, guardadas as proporções de nossa condição de criaturas.
São os esplendores da Igreja Triunfante, cujos membros, em uníssono, cantam
louvores a Cristo, seu Fundador, e contemplam “a plenitude de graça, de glória,
de caridade da sua alma santa, os tesouros do seu Coração, E...] o valor da sua
Paixão, da menor gota do seu Sangue, o valor sem medida de cada Missa, o fruto
das absolvições; contemplam igualmente a glória que emana da Alma do Salvador
sobre o seu Corpo após a Ressurreição e como, após a Ascensão, Ele se encontra
no vértice superior de toda a criação material e espiritual”.12 E essa
contemplação amorosa da glória d’Ele, existente desde toda a eternidade,
ocasião incomparável para aumentar sempre mais a glória dada ao Pai ad extra.
E manifestando um ardente
desejo de comunicar aos homens as grandezas do Pai, Jesus conclui sua oração:
25 “Pai justo, o mundo não Te conheceu, mas Eu Te conheci, e estes também
conheceram que Tu Me enviaste. 26 Eu lhes fiz conhecer o teu nome, e o tornarei
conhecido ainda maís, para que o amor com que Me amaste esteja neles, e Eu
mesmo esteja neles”.
Pouco antes, na conversa
durante a Ceia, tivera lugar a intervenção de Filipe pedindo ao Mestre que lhes
mostrasse o Pai. A resposta de Jesus “Filipe, quem me viu, viu também o Pai” (Jo
14, 9) — nos permite calcular o quanto, ao longo de três anosde intenso
convívio, os Apóstolos haviam progredido no conhecimento de Nosso Senhor e do
Pai, mediante a Fé que Ele lhes transmitira, para que a difundissem pelo mundo
inteiro, perpetuando-a na História.
No entanto, nunca será
suficiente o conhecimento de tais palavras, por mais que nelas se aprofunde,
pois seu objeto é o Infinito. Daí podermos interpretar sob dois aspectos as
palavras “e o tornarei conhecido ainda mais”. Um é o progresso que, no decorrer
dos séculos, a Igreja Militante faz com relação à compreensão das verdades por
Cristo reveladas. Outro diz respeito à visão beatífica concedida aos Bem-aventurados,
pela qual, durante a eternidade inteira, conhecem a Deus no seu todo, mas nunca
totalmente.’ Nessa contemplação amorosa de aspectos e profundidades divinas
sempre novas, todos os eleitos são consumados na unidade com o Pai e o Filho no
Espírito Santo, como nos foi revelado por Nosso Senhor ao dizer que o Paráclito
estará neles — “o amor com que Me amaste” —, bem como Ele próprio, Cristo
Jesus. E, portanto, a Trindade que “habita neles como num tabernáculo vivo,
como num templo de glória, dotado de conhecimento e de amor. [...] A caridade
torna-os, em certa medida, semelhantes ao Espírito Santo; a visão assemelha-os
ao Verbo, que, por sua vez, os torna semelhantes ao Pai, do qual é imagem.
Neste sentido eles entram no ciclo da Trindade Santa que habita neles e,
mais
ainda, eles habitam nela, no cimo do Ser, do Pensamento, e do Amor”.14
III - A UNIÃO DOS CRISTÃOS É UMA FORÇA INVENCÍVEL
Analisando o conturbado
panorama dos dias presentes à luz deste Evangelho, logo nos vem à mente, pela
força do contraste, a tremenda divisão existente no mal que, avançando
vitorioso na aparência, procura em vão obscurecer o fulgor da virtude, da
verdade e da fé que emanam da Igreja. Os maus não formam unidade, e quando se
congregam visam destruir o Bem, no combate contra os bons. Entretanto, ainda
que cheguem a tirar a vida de muitos cristãos, jamais conseguirão matar o ideal
por eles defendido, pois se trata do próprio Deus. Foi o que expressou com
galhardia Gabriel García Moreno, um Presidente da República do Equador, pouco
antes de dar o último suspiro, após ter sido apunhalado por ódio à Fé: “Dios no
muere! 5 — Deus não morre!”.
Alicerçada na promessa
de imortalidade feita a ela por seu Divino Fundador, a Igreja é indestrutível e
a coesão dos católicos em torno da obediência ao Santo Padre é uma força
superior à dos maiores potentados da Terra, porque é a força da graça vinda de
Cristo, para quem nada é impossível.
Imbuídos da certeza de
tal invencibilidade, abracemos com ufania o ideal de nosso Batismo, e na
constante contemplação e amor a ele se estabelecerá entre todos nós, católicos,
a unidade efetiva que proclama ao mundo a grandeza de Nosso Senhor Jesus
Cristo. Vivamos em união com Ele e com sua Mãe Santíssima, evitando o pecado e
entregando-nos à virtude, na admiração por tudo quanto é belo, bom e
verdadeiro. Será assim, buscando em primeiro lugar o Reino de Deus e sua
justiça, que todo o resto nos será dado por acréscimo.
1)
Cf. LEOINDELICATO, 0CM, Egídio. Jardim Carmelitano, história chronológica egeográfica.
Lisboa: Sylviana, 1741, t.II, p.220-221.
2)
CORREA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência. São Paulo, 27 out. 1972.
3)
SANTO AGOSTINHO. De Trinitate. LI, c.9, n.19. In:
Obras. Madrid: BAC, 1956, vV, p.147.
4)
SANTA TERESA DE LISIEUX. Carta 65, a Celina. In: Obras Completas. Paço de
Arcos: Carmelo, 1996, p.371.
5)
Cf. SAO TOMAS DE AQUINO. Suma Teológica. I-II, q.113, a.9, ad 2.
6)
PHILIPON, OP, Marie-Michel. Los dones dei Espfritu Santo. Barcelona: Balmes,
1966, p.120.
7)
CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência. São Paulo, 1 maio 1966.
8)
ROYO MARÍN, OP, Antonio. Jesucristo y la vida cristiana. Madrid: BAC, 1961, p.602.
9)
GARRIGOU-LAGRANGE, OP, Réginald. El Salvador y su amor por nosotros. Madrid:
Rialp, 1977, p.346.
10)
CONCILIO VATICANO II.Lumen gentium, n.8.
11)
GARRIGOU-LAGRANGE, op. cit., p.346.
12)
GARRIGOU-LAGRANGE, OP, Réginald. O homem e a eternidade. Lisboa: Aster, 1959,
p.284-285.
13)
Cf. SAO TOMAS DE AQUINO, op. cit., I, q.12, a.7, ad 3.
14)
GARRIGOU-LAGRANGE O homem e a eternidade, op. cit., p.284.
15)
GALVEZ, Manuel. Vida de Don Gabriel García Moreno. 2.ed. Buenos Aires:
Difusión, 1942, p.387.
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