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quarta-feira, 11 de maio de 2016

Evangelho Jo 17,20-26

Conclusão dos comentários ao Evangelho Jo 17,20-26
A evangelização fruto da união com Deus
21c “...a fim de que o mundo creia que Tu Me enviaste”.
É condição fundamental para o êxito do apóstolo: quanto mais estiver ligado a Deus tanto mais eficaz será sua palavra para convencer e atrair os outros à Fé. O evangelizador que não possui tal união fala no vazio e, ainda que seja brilhante orador, sua ação será estéril, pois não pode dar fruto quem não permanece em Nosso Senhor (cf. Jo 15, 4). Em sentido oposto, se por nossas manifestações exteriores — quer por meio de imponderáveis na fisionomia e no olhar, quer no porte, na forma de nos expressarmos e, inclusive, nos menores gestos e atitudes — transparecer que Deus está em nós, não só como Criador, mas como Redentor, como Pai e como Amigo, nosso apostolado tornar-se-á sobremaneira profícuo.
Um curioso fenômeno da vida social, chamado de “personalização dos cargos”7 pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, é bastante expressivo nesse sentido. Em geral, a profissão à qual o homem se dedica marca a fundo sua personalidade e seu modo de ser. Um juiz, por exemplo, terá uma acentuada circunspeção; um professor, facilidade de expressão e clareza de ideias; um engenheiro, senso empreendedor e capacidade de planejamento; e assim por diante. Analogamente, tão vincados devem ser em nós os traços da condição de batizados e da vida da graça, que em toda e qualquer circunstância essa luz brilhe diante dos homens (cf. Mt 5, 16), levando-os a crer em Nosso Senhor Jesus Cristo. A partir do momento em que o mundo vê não um templo ou um livro escrito, mas elementos vivos, nos quais transparece a inabitação da Santíssima Trindade, está constituído um elemento essencial para isto.
A glória de pertencer a Cristo
22ª “Eu dei-lhes a glória que Tu me deste...”

Jesus, Filho de Deus por natureza, nos faz, pela graça, pertencer à família divina por adoção. Tornamo-nos, assim, irmãos d’Ele e co-herdeiros de sua glória (cf. Rm 8, 17). Embora só na eternidade tal herança nos seja concedida em toda a plenitude, já na vida presente podemos desfrutá-la, como explica o padre Royo Marín: “Desde esse dia [de nosso Batismo], temos o Céu em nós, pois nossa alma vive de Cristo e está penetrada pela luz e esplendor de nosso chefe glorioso no Céu. São Paulo nos faz apalpar esta verdade quando diz: ‘aos que justificou, também os glorificou’ (Rm 8, 30)”.8
Qual é o objetivo de Nosso Senhor ao conceder esta glória aos batizados? Novamente a unidade!
22b “...para que eles sejam um, como Nós somos um...”
Podemos analisar a segunda referência do Divino Mestre à necessidade de que “sejamos um” pelo prisma da Igreja enquanto Corpo Místico, na qual somos membros deste Corpo e Cristo é nossa Cabeça.
Com efeito, não há no mundo material algo mais adequado para nos fazer compreender a arraigada coesão entre as várias partes de um todo quanto o corpo humano, criado por Deus para simbolizar com precisão a altíssima realidade da Igreja. Quando um inseto nos pica, por exemplo, é instintiva a reação para proteger ou aliviar o local atingido, seja este de importância secundária ou primordial no organismo. Quer tenha sido na ponta do dedo menor, quer em uma das pálpebras, a picada nos incomoda, pois nosso corpo é uma unidade, e o que acontece numa parte repercute nas outras. Sobre isso escreve São Paulo em sua primeira carta aos Coríntios: “Se um membro sofre, todos os membros padecem com ele; e se um membro é tratado com carinho, todos os outros se congratulam por ele” (I Cor 12, 26). Também nós devemos nos amar uns aos outros enquanto filhos da Igreja, sentindo que em cada um está comprometido o nosso ideal.
Nossa unidade proclama a Fé
23 “...Eu neles e Tu em Mim para que assim eles cheguem à unidade perfeita e o mundo reconheça que Tu Me enviaste e os amaste, como Me amaste a Mim”.
Pela terceira vez Jesus pede a unidade, qualificando-a agora como perfeita. A missão de todo batizado é dar testemunho para que o mundo reconheça a Nosso Senhor Jesus Cristo. Ora, a união entre nós com “um só coração e uma só alma” (At 4, 32) é o meio mais eficaz para atingir esse objetivo, pois por ela proclamamos a Fé mais do que com uma brilhante pregação. É essa unidade perfeita da Igreja “um milagre moral permanente”,9 diante do qual o mundo reconhece ser verdadeira a Fé que professamos em Nosso Senhor Jesus Cristo, como Ele próprio o afirma nesse versículo. E foi em razão disso que Ele “constituiu e sustenta indefectivelmente sobre a Terra, como organismo visível, a sua Igreja santa”.’° A Igreja não pode, por tanto, ser uma sociedade cujos membros estão dispersos a ponto de ela não ser percebida. Ela precisa estar viva na santidade das almas para ser vista pelos homens, e na diversidade de raças, vocações e espiritualidades brilhe “a unidade de fé, de culto, de esperança, de caridade e de hierarquia”.11
Conhecer o Pai... mais e mais por toda a eternidade
24 “Pai, aqueles que Me deste, quero que estejam comigo onde Eu estiver, para que eles contemplem a minha glória, glória que Tu Me deste porque Me amaste antes da fundação do universo”.
A oração se desenvolve num crescendo de beleza e versa agora sobre a felicidade eterna. Como o bem é de si mesmo difusivo, e Nosso Senhor é a Bondade em essência, Ele quer que seus discípulos estejam junto a Si na bem-aventurança e, como recompensa da fé que os uniu na Terra, vejam a sua glória face a face, isto é, O vejam e O amem com a própria luz de Deus, guardadas as proporções de nossa condição de criaturas. São os esplendores da Igreja Triunfante, cujos membros, em uníssono, cantam louvores a Cristo, seu Fundador, e contemplam “a plenitude de graça, de glória, de caridade da sua alma santa, os tesouros do seu Coração, E...] o valor da sua Paixão, da menor gota do seu Sangue, o valor sem medida de cada Missa, o fruto das absolvições; contemplam igualmente a glória que emana da Alma do Salvador sobre o seu Corpo após a Ressurreição e como, após a Ascensão, Ele se encontra no vértice superior de toda a criação material e espiritual”.12 E essa contemplação amorosa da glória d’Ele, existente desde toda a eternidade, ocasião incomparável para aumentar sempre mais a glória dada ao Pai ad extra.
E manifestando um ardente desejo de comunicar aos homens as grandezas do Pai, Jesus conclui sua oração:
25 “Pai justo, o mundo não Te conheceu, mas Eu Te conheci, e estes também conheceram que Tu Me enviaste. 26 Eu lhes fiz conhecer o teu nome, e o tornarei conhecido ainda maís, para que o amor com que Me amaste esteja neles, e Eu mesmo esteja neles”.
Pouco antes, na conversa durante a Ceia, tivera lugar a intervenção de Filipe pedindo ao Mestre que lhes mostrasse o Pai. A resposta de Jesus “Filipe, quem me viu, viu também o Pai” (Jo 14, 9) — nos permite calcular o quanto, ao longo de três anosde intenso convívio, os Apóstolos haviam progredido no conhecimento de Nosso Senhor e do Pai, mediante a Fé que Ele lhes transmitira, para que a difundissem pelo mundo inteiro, perpetuando-a na História.
No entanto, nunca será suficiente o conhecimento de tais palavras, por mais que nelas se aprofunde, pois seu objeto é o Infinito. Daí podermos interpretar sob dois aspectos as palavras “e o tornarei conhecido ainda mais”. Um é o progresso que, no decorrer dos séculos, a Igreja Militante faz com relação à compreensão das verdades por Cristo reveladas. Outro diz respeito à visão beatífica concedida aos Bem-aventurados, pela qual, durante a eternidade inteira, conhecem a Deus no seu todo, mas nunca totalmente.’ Nessa contemplação amorosa de aspectos e profundidades divinas sempre novas, todos os eleitos são consumados na unidade com o Pai e o Filho no Espírito Santo, como nos foi revelado por Nosso Senhor ao dizer que o Paráclito estará neles — “o amor com que Me amaste” —, bem como Ele próprio, Cristo Jesus. E, portanto, a Trindade que “habita neles como num tabernáculo vivo, como num templo de glória, dotado de conhecimento e de amor. [...] A caridade torna-os, em certa medida, semelhantes ao Espírito Santo; a visão assemelha-os ao Verbo, que, por sua vez, os torna semelhantes ao Pai, do qual é imagem. Neste sentido eles entram no ciclo da Trindade Santa que habita neles e, mais ainda, eles habitam nela, no cimo do Ser, do Pensamento, e do Amor”.14
III - A UNIÃO DOS CRISTÃOS É UMA FORÇA INVENCÍVEL
Analisando o conturbado panorama dos dias presentes à luz deste Evangelho, logo nos vem à mente, pela força do contraste, a tremenda divisão existente no mal que, avançando vitorioso na aparência, procura em vão obscurecer o fulgor da virtude, da verdade e da fé que emanam da Igreja. Os maus não formam unidade, e quando se congregam visam destruir o Bem, no combate contra os bons. Entretanto, ainda que cheguem a tirar a vida de muitos cristãos, jamais conseguirão matar o ideal por eles defendido, pois se trata do próprio Deus. Foi o que expressou com galhardia Gabriel García Moreno, um Presidente da República do Equador, pouco antes de dar o último suspiro, após ter sido apunhalado por ódio à Fé: “Dios no muere! 5 — Deus não morre!”.
Alicerçada na promessa de imortalidade feita a ela por seu Divino Fundador, a Igreja é indestrutível e a coesão dos católicos em torno da obediência ao Santo Padre é uma força superior à dos maiores potentados da Terra, porque é a força da graça vinda de Cristo, para quem nada é impossível.
Imbuídos da certeza de tal invencibilidade, abracemos com ufania o ideal de nosso Batismo, e na constante contemplação e amor a ele se estabelecerá entre todos nós, católicos, a unidade efetiva que proclama ao mundo a grandeza de Nosso Senhor Jesus Cristo. Vivamos em união com Ele e com sua Mãe Santíssima, evitando o pecado e entregando-nos à virtude, na admiração por tudo quanto é belo, bom e verdadeiro. Será assim, buscando em primeiro lugar o Reino de Deus e sua justiça, que todo o resto nos será dado por acréscimo.
1) Cf. LEOINDELICATO, 0CM, Egídio. Jardim Carmelitano, história chronológica egeográfica. Lisboa: Sylviana, 1741, t.II, p.220-221.
2) CORREA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência. São Paulo, 27 out. 1972.
3) SANTO AGOSTINHO. De Trinitate. LI, c.9, n.19. In: Obras. Madrid: BAC, 1956, vV, p.147.
4) SANTA TERESA DE LISIEUX. Carta 65, a Celina. In: Obras Completas. Paço de Arcos: Carmelo, 1996, p.371.
5) Cf. SAO TOMAS DE AQUINO. Suma Teológica. I-II, q.113, a.9, ad 2.
6) PHILIPON, OP, Marie-Michel. Los dones dei Espfritu Santo. Barcelona: Balmes, 1966, p.120.
7) CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência. São Paulo, 1 maio 1966.
8) ROYO MARÍN, OP, Antonio. Jesucristo y la vida cristiana. Madrid: BAC, 1961, p.602.
9) GARRIGOU-LAGRANGE, OP, Réginald. El Salvador y su amor por nosotros. Madrid: Rialp, 1977, p.346.
10) CONCILIO VATICANO II.Lumen gentium, n.8.
11) GARRIGOU-LAGRANGE, op. cit., p.346.
12) GARRIGOU-LAGRANGE, OP, Réginald. O homem e a eternidade. Lisboa: Aster, 1959, p.284-285.
13) Cf. SAO TOMAS DE AQUINO, op. cit., I, q.12, a.7, ad 3.
14) GARRIGOU-LAGRANGE O homem e a eternidade, op. cit., p.284.
15) GALVEZ, Manuel. Vida de Don Gabriel García Moreno. 2.ed. Buenos Aires: Difusión, 1942, p.387.


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