Continuação dos comentários ao Evangelho Jo 17,20-26
Jesus reza por todos os filhos da Igreja
20 “Pai santo, Eu não Te rogo somente por eles, mas também por aqueles
que vão crer em Mim pela sua palavra...”
Em breve cessaria a permanência
visível de Nosso Senhor entre os homens, e aos Apóstolos seria confiada a
missão de transmitir ao mundo tudo quanto haviam comprovado nos três anos de
convívio com Ele, como descreve também São João em uma de suas epístolas: “O
que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos
olhos, o que temos contemplado e as nossas mãos têm apalpado no
tocante ao Verbo da vida [...1 nós vos anunciamos, para que também vós tenhais
comunhão conosco” (I Jo 1, 1.3). Por eles, destinados a serem os fundamentos da
Igreja, o Filho pedira ao Pai, com extremado amor na segunda parte da oração, a
qual antecede os versículos acima.
Agora, porém, não roga “somente
por eles”. Pela pregação dos Apóstolos a Igreja iria se desdobrar e crescer
como uma árvore, deitando suas ramagens por toda a Terra ao longo do tempo, até
o fim do mundo. Cristo bem sabia que o caminho dos Doze era semelhante ao d’Ele,
isto é, seriam martirizados para ocuparem a morada que lhes tinha preparado no
Céu. Ora, a imensa coorte que os sucederia necessitava de uma oração de seu
Fundador. Por sua ciência divina, conhecia todos os que creriam n’Ele e
seguiriam seus passos, desde os primeiros cristãos até os últimos fiéis da
História, e os incluiu, um a um, em seu pedido. Podemos, então, ter a certeza
de havermos sido, também nós, de maneira individual, objeto da súplica de
Jesus.
Importa observar aqui não
ter Ele rezado de modo condicional, como o faria pouco depois no Horto das
Oliveiras: “Meu Pai, se é possível...” (Mt 26, 39). Mas é um pedido absoluto,
portanto infalível, pois parte dos lábios do próprio Homem-Deus. Nossa fé e
perseverança são fruto dessa oração. Reciprocamente, temos nós a obrigação moral
de aplicar de forma adequada para nosso caso cada um dos desejos manifestados
pelo Filho ao Padre Eterno, segundo analisaremos a seguir.
“Que todos sejam um”
21 “...para que todos sejam um como Tu, Pai, estás em Mim e Eu em Ti...”
As três Pessoas Divinas
são inseparáveis entre Si “por causa da unidade desta Trindade, pois uma é a
essência e deidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo”,3 ensina Santo
Agostinho.
Logo, na unidade do Pai
com o Filho, à qual Jesus Se refere, está também o Espírito Santo. E é este o
sublime padrão da coesão desejada por Nosso Senhor para todos os filhos da
Igreja: “que todos sejam um”, assim como são um o Pai, o Filho e o Espírito
Santo. Muito mais do que a união é a unidade, pois “na união ainda há dois, na
unidade não há senão um”,4 ressalta Santa Teresinha.
Como podemos chegar a
essa perfeição? Fazendo desabrochar o insuperável elemento de união que é a
vida da graça, infundida à maneira de semente na alma de todo batizado.
Quem cuida de fazê-la
desenvolver renuncia ao pecado, principal causa de desunião entre os homens; e
na observância dos
Mandamentos “permanece
em Deus, e Deus nele” (I Jo 3, 24).
Participaçõo na própria vida de Deus
2b “...e para que eles estejam em Nós...”
No momento do Batismo
Deus introduz na alma humana uma qualidade extraordinária, superior a toda a
ordem da criação:5 a graça santificante, que nos eleva à condição de filhos de
Deus, fazendo-nos participar da própria vida divina. Todavia, esta graça é
estática, incapaz de agir por si. Se agisse sozinha, eia deixaria a alma na
situação análoga à de uma pessoa tetraplégica que, embora esteja viva, não pode
se mover devido à paralisia dos membros. Para a alma produzir atos
sobrenaturais, precisa de “membros” que aperfeiçoem suas potências —
inteligência, vontade e sensibilidade —, movendo-as segundo a vida divina. E o
que Deus nos concede ao infundir na alma, junto com a graça santificante, as
virtudes, as quais são comandadas pela razão iluminada pela fé.
Contudo, da mesma forma
que uma criança seria incapaz de executar uma partitura em um magnífico órgão
de tubos sem um mestre para auxiliá-la, a natureza humana não tem condições de
governar esse elevadissimo organismo sobrenatural e conduzi-lo a seu pleno
desenvolvimento. Para tal é imprescindível uma ação direta de Deus. Por isso,
as virtudes infusas vêm acompanhadas dos dons do Espírito Santo, com os quais o
próprio Deus dedilha o órgão da alma em graça. Sob a ação divina, a vida espiritual
é uma contínua familiaridade com a Santíssima Trindade. “O homem goza da posse
da Trindade, assim como o Pai, o Filho e o Espírito Santo descansam um no outro
no seio de sua Unidade indivisível. [...] E, já na Terra, a união mais íntima
com Deus”,6 comenta o padre Philipon. Eis os insondáveis extremos de seu amor
por nós!
Refletindo sobre a maravilhosa
ação da graça, desponta em nosso interior uma inevitável pergunta: se estamos
unidos a Deus deste modo e é Ele próprio quem nos governa, por que às vezes
agimos mal? A resposta é simples. Todas as vezes que prescindimos de Deus e
queremos nos guiar a nós mesmos, caímos no erro. Aplica-se aqui novamente o
exemplo da criança: se ela teimar em tocar o órgão sozinha, forçoso será o
desastre... Na vida espiritual será a desgraça do pecado. Para evitá-lo basta ser
dócil à moção de Deus, deixando-se conduzir por Ele sem Lhe opor qualquer
resistência.
Inúmeros são os frutos
dessa fidelidade à graça, não só em ordem à nossa santificação, mas também à
salvação do próximo. Um deles é indicado por Jesus ao prosseguir sua oração.
A evangelização fruto da união com Deus
21c “...a fim de que o mundo creia que Tu Me enviaste”.
Continua no próximo post
Nenhum comentário:
Postar um comentário