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sexta-feira, 6 de maio de 2016

Evangelho Jo 17,20-26

Comentários ao Evangelho Jo 17,20-26
Ao concluir seu discurso sacerdotal na Última Ceia, Nosso Senhor roga ao Pai por toda a Igreja, manifestando nessa oração os divinos extremos de sua obra de amor pelos homens.
Naquele tempo, Jesus ergueu os olhos ao céu e rezou, dizendo: 20“Pai santo, eu não te rogo somente por eles, mas também por aqueles que vão crer em mim pela sua palavra; 21para que todos sejam um como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, e para que eles estejam em nós, a fim de que o mundo creia que tu me enviaste.
22Eu dei-lhes a glória que tu me deste, para que eles sejam um, como nós somos um: 23 eu neles e tu em mim, para que assim eles cheguem à unidade perfeita e o mundo reconheça que tu me enviaste e os amaste, como me amaste a mim. 24Pai, aqueles que me deste, quero que estejam comigo onde eu estiver, para que eles contemplem a minha glória, glória que tu me deste porque me amaste antes da fundação do universo. 25Pai justo, o mundo não te conheceu, mas eu te conheci, e estes também conheceram que tu me enviaste.
26Eu lhes fiz conhecer o teu nome, e o tornarei conhecido ainda mais, para que o amor com que me amaste esteja neles, e eu mesmo esteja neles”.
I - O MAIOR FATOR DE UNIÃO ENTRE OS HOMENS
Poucas páginas da hagiografia encerram tanta unção quanto aquelas que narram cenas do convívio de santos contemporâneos uns dos outros. Entre esses relatos destaca-se um célebre episódio ocorrido no Convento de Santa Sabina, em Roma, quando ali se encontraram São Domingos de Gusmão, São Francisco de Assis e o pregador carmelita Santo Angelo Hierosolimita. Tomados de profunda e recíproca admiração, os três se ajoelharam frente a frente e assim passaram toda a noite, em oração e conversando sobre as grandezas de Deus.1 Tal atitude de mútua veneração e benquerença pode ser considerada como uma manifestação do circuito sobrenatural estabelecido entre eles, “uma comunicação de alma em que cada um via inteiramente a alma do outro, a obra de Deus na alma do outro, e amava a Deus na pessoa do outro”,2 comenta o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira.

Qual a causa de tão prodigiosa harmonia entre varões tão diferentes entre si, tanto no tocante à personalidade quanto à vocação? Além de pertencerem à Igreja, na qual, “embora sejamos muitos, formamos um só Corpo em Cristo” (Rm 12, 5), viviam eles a mesma vida sobrenatural, pela graça, e eram membros de uma só família: a divina. Corroborando os traços de consonância estava o amor a um mesmo ideal, pois, os três buscavam a glória de Deus e a implantação de seu Reino na Terra.
A análise desse fato nos leva a considerar uma verdade constatada com frequência na vida em sociedade. A união efetiva e estável entre os homens só é possível em função de princípios elevados e sobrenaturais, e exige o abandono do egoísmo. Quando várias pessoas se encontram diante de assunto em que Deus não esteja presente, o máximo a se conseguir delas é um acordo passageiro, o qual durará até o momento em que a força do egoísmo se manifestar, levando uma — ou várias — a procurar suas vantagens individuais, menosprezando o conjunto. Isso quando não há traição.
Não é outra a causa das discórdias por vezes sucedidas até entre irmãos na Fé. Se o ideal de perfeição se obnubila no horizonte interior de alguns, por apego aos benefícios pessoais, começam a surgir as desavenças. Para sufocar essas raízes de divisão e se obter o completo imbricamento de uns com os outros, basta reavivar o entusiasmo pela meta à qual se entregaram. Em vista disso, pode-se dizer que nada une tanto os homens quanto a santidade, como ilustra a cena narrada no início destas linhas. Vivendo na entrega completa ao objetivo da glória de Deus, todos os santos creem na mesma verdade, aspiram a um mesmo fim, amam um mesmo Senhor.
Tais pressupostos nos auxiliarão a entender com maior penetração o Evangelho de São João 17, 20-26, o qual recolhe as palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo ao término da Santa Ceia. A colossal veneração, submissão e certeza de impetração com que Ele Se dirige ao Pai faz deste trecho uma das mais comoventes narrações evangélicas, da qual se poderia dizer que é própria a enternecer as pedras.
II - É POSSÍVEL A UNIDADE COM O PRÓPRIO DEUS?
São João registra, com a precisão de um teólogo, o discurso sacerdotal de Nosso Senhor, cuja conclusão é contemplada na Liturgia de hoje. Para analisar esta passagem a partir de uma perspectiva mais ampla, cabe uma menção à convivência diária do Discípulo Amado com a Santíssima Virgem, que lhe foi dada como Mãe pelo próprio Cristo no alto da Cruz (cf. Jo 19, 26-27). Por cerca de quinze anos cuidou ele de Nossa Senhora — ou melhor, Nossa Senhora cuidou dele —, podendo dirigir-se a Ela com a intimidade de um filho para Lhe fazer qualquer pergunta sobre os ensinamentos e a vida de Jesus. E, é evidente, nenhuma questão apresentada poderia constituir dificuldade para quem é a Sede da Sabedoria.
Além disso, antes de ouvir as palavras do Evangelho de hoje, São João havia reclinado a cabeça sobre o peito de Jesus, no início da Ceia, e escutado as sagradas pulsações de seu adorável Coração (cf. Jo 13, 25). 0 efeito de tais prerrogativas transparece de forma especial nos versículos comentados a seguir, cuja riqueza doutrinária, se fosse analisada em toda a sua profundidade, preencheria anos de estudo teológico.
Em primeiro lugar, fixemos a atenção na breve frase introdutória:
Naquele tempo, Jesus ergueu os olhos ao céu e rezou, dizendo...

Quanta maravilha expressam estas palavras! Aquele que é o próprio Deus ergue os olhos para rezar! Dir-se-ia ser um gesto dispensável, e até supérfluo, pois a alma santíssima de Jesus fora criada na visão beatífica. No entanto, quis Ele assim proceder, dentre outras razões, para nos convencer da importância da exteriorização de nossa fé, aspecto sobre o qual versarão alguns pontos desta prece.

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