Comentários ao Evangelho Domingo da Páscoa
na Ressurreição do Senhor – Ano A
1 No primeiro dia da semana, Maria Madalena
foi ao túmulo de Jesus, bem de madrugada, quando ainda estava escuro, e viu que
a pedra tinha sido retirada do túmulo. 2
Então ela saiu correndo e foi encontrar
Simão Pedro e o outro discípulo, aquele que Jesus amava, e lhes disse: “Tiraram
o Senhor do túmulo, e não sabemos onde O colocaram”. 3 Saíram, então, Pedro e o
outro discípulo e foram ao túmulo. 4 Os dois corriam juntos, mas o outro
discípulo correu mais depressa que Pedro e chegou primeiro ao túmulo. 5 Olhando
para dentro, viu as faixas de linho no chão, mas não entrou.
6 Chegou depois Simão Pedro, que vinha
correndo atrás, e entrou no túmulo. Viu as faixas de linho deitadas no chão 7 e
o pano que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não posto com as faixas, mas
enrolado num lugar à parte. 8 Então entrou também o outro discípulo, que tinha
chegado primeiro ao túmulo. Ele viu, e acreditou. 9 De fato, eles ainda não
tinham compreendido a Escritura, segundo a qual Ele devia ressuscitar dos
mortos (Jo 20, 1-9).
Uma mulher precedeu os evangelistas
Para comunicar aos Apóstolos a primeira e fundamental verdade do
Evangelho, Deus não escolheu um Anjo e nem sequer um homem. Foi Maria Madalena
o arauto da Boa-nova da Ressurreição do Senhor.
I – Vitória de
Cristo sobre a morte
“Eis
o meu Filho muito amado, em quem pus toda a minha afeição…” (Mt 17, 5). Seria
suficiente esse amor infinito do Pai pelo Seu Unigênito para que operasse Sua
ressurreição, porém, ademais concorreu para tal o brilho da justiça divina,
conforme São Tomás de Aquino: “A esta pertence exaltar os que se humilham por
causa de Deus, conforme diz Lucas (1, 52): “Destronou os poderosos e exaltou os
humildes”. E já que Cristo, por seu amor e obediência a Deus, se humilhou até a
morte de cruz, era preciso que Ele fosse exaltado por Deus até a ressurreição
gloriosa” 1.
Tomados
de adoração, uma vez mais foi-nos possível acompanhar liturgicamente ao longo
da Semana da Paixão, o quanto a morte teve uma aparente vitória no Calvário.
Todos que por ali passavam podiam constatar a “derrota” de Quem tanto poder
havia manifestado não só nas incontáveis curas por Ele operadas, como também em
Seu caminhar sobre as águas ou nas duas vezes que multiplicou os pães.
Os
mares e os ventos Lhe obedeciam, e até mesmo os demônios eram, por sua
determinação, desalojados e expulsos. Aquele mesmo que tantos milagres
prodigalizara havia sido crucificado entre dois ladrões e, diante de Seus
extremos sofrimentos, “os que passavam O injuriavam, sacudiam a cabeça e
diziam: ‘Tu, que destróis o Templo e o reconstróis em três dias, salva-te a ti
mesmo! Se és o Filho de Deus, desce da cruz!’ Os príncipes dos sacerdotes, os
escribas e os anciãos também zombavam dEle: ‘Ele salvou a outros e não pode
salvar-se a si mesmo! Se é rei de Israel, desça agora da cruz e nós creremos
nEle! Confiou em Deus, Deus o livre agora, se o ama, porque Ele disse: Eu sou o
Filho de Deus!'” (Mt 27, 39-43).
Porém,
a maneira pela qual fora removida a pedra do sepulcro e o desaparecimento dos
guardas, eram de si, uma prova sensível do quanto havia sido derrotada a morte,
conforme o próprio São Paulo comenta: “A morte foi tragada pela vitória. Onde
está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?” (1 Cor 15,
55). Os fatos subsequentes tornaram ainda mais patente a triunfante
Ressurreição de Cristo e por isso os prefácios da Páscoa cantam sucessivamente:
“Morrendo, destruiu a morte, e, ressurgindo, deu-nos a vida” (I). “Nossa morte
foi redimida pela sua e na sua ressurreição ressurgiu a vida para todos” (II).
“Imolado, já não morre; e, morto, vive eternamente” (III). “E, destruindo a
morte, garantiu-nos a vida em plenitude” (IV).
Constituem
essas frases uma sequência de afirmações que proclamam a vitória de Cristo não
só sobre Sua própria morte, como também sobre a nossa. Ele é a cabeça do Corpo
Místico e, tendo ressuscitado, trará necessariamente a nossa respectiva
ressurreição, pois esta nos é garantida pela presença dEle no Céu, apesar de
estarmos, por ora, submetidos ao império da morte. De maneira paradoxal, aquele
sepulcro violentamente aberto a partir de seu interior, deu à morte um
significado oposto, passou ela a ser o símbolo da entrada na vida, pois Cristo
quis “destruir pela sua morte aquele que tinha o império da morte, isto é, o
demônio”, e assim libertar os que “estavam em escravidão toda a vida” (Hb 2,
14).
São
Paulo tem sua alma transbordante de alegria em face da realidade da
Ressurreição de Cristo e nela encontramos nosso triunfo sobre a morte, tal qual
ele próprio nos diz: “E assim como todos morreram em Adão, assim também todos
serão vivificados em Cristo” (1 Cor 15, 22); “…ressuscitou dentre os mortos,
como primícias dos que morreram! Com efeito, se por um homem veio a morte, por
um homem vem a ressurreição dos mortos” (1 Cor 15, 20-21).
Na
Ressurreição vemos, ademais, realizada por Jesus, a profecia que Ele mesmo
fizera pouco antes de Sua Paixão: “Agora é o juízo deste mundo; agora será
lançado fora o príncipe deste mundo” (Jo 12, 31). De fato, propriamente dito, o
cumprimento dessa profecia se iniciou durante os quarenta dias de retiro no
deserto, e teve continuidade passo a passo ao longo de Sua vida pública ao
expulsar os demônios que pelo caminho encontrava, chegando ao ápice em Sua
Paixão: “Despojou os Principados e Potestades, e fez deles um objeto de
escárnio público, levando-os no seu cortejo triunfal” (Cl 2, 15).
Posteriormente,
não só o demônio, mas o próprio mundo foi derrotado: inúmeros pagãos passaram a
se converter e muitos entregaram a própria vida para defender a cruz, animados
pelas luzes da ressurreição do Salvador. Em função dela, passaram a ser
acolhidos no Corpo Místico todos os batizados que, revitalizados pela graça e
sem deixarem de estar incluídos no mundo, tornaram perpétuo o triunfo de
Cristo: “Tende confiança! Eu venci o mundo” (Jo 16, 33). Trata-se, portanto, de
uma vitória ininterrupta, mantendo seu rútilo fulgor tal qual no dia de Sua
ressurreição, sem uma fímbria sequer de diminuição. Com a redenção, Cristo
lacrou as portas do seio de Abraão depois de ter libertado, de seu interior, as
almas que ali aguardavam a entrada no gozo da glória eterna.
“Hæc est dies quam fecit Dominus. Exultemus et lætemur in ea!”
“Este
é o dia que o Senhor fez para nós: alegremo-nos e nele exultemos” (Sl 117, 24)!
Essas são algumas considerações que nos facilitam compreender o porquê de ser a
Páscoa da Ressurreição a festa das festas, a solenidade das solenidades, pois o
mistério nela presente é dos mais importantes para a história da Cristandade,
tal como afirma São Paulo: “Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e
também é vã a vossa fé” (1 Cor 15, 14).
Por
este motivo, nos primórdios da Igreja, esse período era considerado o mais
importante do ano inteiro. Os fiéis se apinhavam na Basílica de São João de
Latrão para assistir às cerimônias e muito comum era, entre eles, o cumprimento
com a fórmula do “Aleluia!”. Hoje em dia, com o progressivo desbotamento das
majestosas comemorações que marcaram os séculos, infelizmente deteriorou- se o
sabor da grande importância das solenidades pascais.
A
alegria que será a nota dominante dessa celebração far-se-á presente nos
cânticos, nos paramentos, no incenso e na própria liturgia. Se bem sejam todos
os Domingos do ano dedicados ao Senhor, desde as mais antigas eras a Igreja
celebrou com especial júbilo este da Ressurreição; e tal é seu gáudio que
sempre o fez prolongar por cinqüenta dias consecutivos, conforme comentava
Tertuliano: “Somai todas as solenidades dos gentios, e não chegareis aos nossos
cinqüenta dias da Páscoa” 3.
Ademais,
podemos afirmar ser a Ressurreição a festa de nossa esperança, pelo fato de
nela encontrarmos não só o extraordinário triunfo de Cristo, como também o nosso
próprio, pois se Ele ressurgiu dos mortos, o mesmo se passará conosco. E é em
vista desse futuro triunfo nosso que desde já nos é feito o convite para
abandonarmos os apegos a este mundo, sem olhar para trás, fixando nossa atenção
nos absolutos celestes, conforme nos aconselha o Apóstolo com estas palavras
selecionadas para a liturgia deste Domingo, em sua segunda leitura: “Se,
portanto, ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas lá do alto, onde Cristo
está sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas lá de cima, e não às da
terra. Porque estais mortos e a vossa vida está escondida com Cristo, em Deus.
Quando Cristo, vossa vida, aparecer, então também vós aparecereis com Ele na
glória” (Col 3, 1-4).
O
depósito de fé que nos foi deixado por Jesus e pelos apóstolos sobre este
fundamental acontecimento escatológico é corroborado por estas palavras de São
Tomás de Aquino: “Ao ver ressuscitar Cristo, que é nossa cabeça, esperamos que
também ressuscitaremos nós. Assim é como se diz: ‘Se de Cristo se prega que
ressuscitou dos mortos, como entre vós dizem alguns que não há ressurreição dos
mortos?’ (1 Cor, 15, 12)” 4. E aí está mais uma maravilha a promover a
exultação de nosso instinto de conservação. Esse instinto terá sua plena
realização no fim dos tempos, proporcionando- nos verdadeira e eterna
felicidade, garantida pelo próprio Cristo Ressurrecto.
II – “Deus O
ressuscitou ao terceiro dia, permitindo que aparecess e a nós…”
Maria Madalena: a que mais
ferventemente amava o Senhor
1 No primeiro dia da semana, Maria Madalena
foi ao túmulo de Jesus, bem de madrugada, quando ainda estava escuro, e viu que
a pedra tinha sido retirada do túmulo.
Para
o amor, nada é impossível, disse Santa Teresinha do Menino Jesus. Maria
Madalena vivia inebriada de amor a Jesus e por isso não podia conter-se de
desejo de adorar e perfumar Seu sagrado corpo. Despertou- se de madrugada e
servindo-se da luminosidade prateada do luar, dirigiu- se ao Santo Sepulcro:
“Não cabe dúvida de que Maria Madalena era a que mais ferventemente amava o
Senhor entre todas as mulheres que O haviam amado; assim, não é sem motivo que
São João faz menção somente a ela, sem nomear as outras que com ela foram, como
asseguram os outros Evangelistas” 6.
São
João, além de ter escrito este relato bem depois dos outros Evangelistas, deve
ser o mais objetivo ao afirmar que o Sol não havia raiado ainda. A esse
respeito, vários são os comentários como, por exemplo, o de São Gregório: “Com
razão se diz: ‘Sendo ainda escuro’, porque, com efeito, Maria buscava no
sepulcro o Criador do universo, que ela amava, e, não O tendo encontrado,
imaginou que O haviam roubado; e por conseguinte encontrou trevas quando chegou
ao sepulcro” 7.
Belo
exemplo para nós. Madalena buscava o adorável corpo de Jesus jazido no
sepulcro, a nós foi concedida a imensa graça de recebê-Lo vivo e em Seu estado
de glória. Será que nós possuímos a mesma e empenhada solicitude e devoção em
buscar Jesus na Eucaristia, logo ao acordarmos?
São
Mateus narra com mais detalhes os antecedentes dessa chegada de Madalena ao
túmulo do Senhor, fazendo menção ao terremoto devido à descida de um anjo, no
fulgor de um relâmpago, para remover a pedra, e ao consequente desmaio dos
guardas, de puro terror (cf. Mt 28, 2-4).
Arauto da boa
nova da Ressurreição
2 Então ela saiu correndo e foi encontrar
Simão Pedro e o outro discípulo, aquele que Jesus amava, e lhes disse: “Tiraram
o Senhor do túmulo, e não sabemos onde O colocaram”.
“Pedro e João representam a autoridade e o
amor, a força do governo e da caridade. Madalena vai a Pedro e João, na
angústia que dela se havia apoderado à vista do sepulcro aberto, para buscar
direção e sustento. É uma mulher amantíssima do Senhor, mas se reconhece
incapaz de julgar e decidir nesse assunto gravíssimo que seus próprios olhos
lhe trouxeram ao espírito. Por isso busca a luz do conselho e o amparo da
caridade. Em nossas dúvidas, sobretudo no que diz respeito aos assuntos da fé,
recorramos aos ofícios daqueles que dela são os custódios natos, e que por sua
hierarquia serão nossos guias, e com amorosa solicitude sustentarão nosso
espírito” 8.
Por
uma determinação divina, a pregação do evangelho desde seu nascedouro compete
aos homens. Entretanto, a História registra algumas poucas, mas comovedoras,
exceções como essa contida no presente versículo. Trata-se da primeira e
fundamental verdade do evangelho; para comunicá-la aos apóstolos, Deus não
escolhe um anjo e nem sequer um homem. É a Madalena que será o arauto da boa
nova da ressurreição do Senhor. Logo em seguida, repetir-se-á essa
evangelização através de outras santas mulheres.
Com
muita propriedade afirma Santo Agostinho: “Ama et quod vis fac” (Ama, e faze o
que quiseres). Nesse ato de “imprudência”, ao irem ao sepulcro do Senhor –
ainda de madrugada, sem se preocupar com os guardas, nem com a laje a ser
removida, não considerando que se trata de uma ação contra a lei civil e
contra, até, a própria lei natural – essas mulheres estão cumprindo um outro
preceito: um mandamento do amor, ou seja, na prática realizam já as palavras
deixadas por Cristo. Nelas, tudo se perdoa pelo fato de agirem por puro amor. O
amor próprio está ausente das almas delas. Ao deparar Deus com o verdadeiro
amor a Jesus Cristo, Seu Unigênito, Ele próprio toma sobre Si o encargo de
limpar as manchas tão comuns às ações executadas pela natureza humana decaída,
transformando- as de imperfeitas e imprudentes em obras de santa e meritória
ousadia.
Por
isso, São João, ao narrar este acontecimento, “não privou a mulher desta
glória, nem achou indecoroso que [os dois apóstolos] recebessem por intermédio
dela a primeira notícia. Por sua palavra, vão eles com muita solicitude para
reconhecer o sepulcro” 9.
Madalena
pronuncia sua informação fazendo uso do verbo no plural: “… e não sabemos …”,
fato este demonstrativo do quanto a descrição se harmoniza com as dos outros
evangelistas, pois São João procura completar o relato feito por eles.
Madalena, portanto, estava acompanhada pelas outras santas mulheres.
Chegada de São Pedro
e São João
3 Saíram, então, Pedro e o outro discípulo e foram ao túmulo.
Os
dois apóstolos vêem-se na contingência de certificar-se de um acontecimento tão
dramático e inusitado. Segundo São Gregório, Pedro e João simbolizam, sob o
ponto de vista místico, a Santa Igreja e a Sinagoga respectivamente.
4 Os dois corriam juntos, mas o outro
discípulo correu mais depressa que Pedro e chegou primeiro ao túmulo.
Com
seu ardor sem medidas, Madalena contagiou os apóstolos, e eles, se associando
nos mesmos sentimentos de amor, temor e esperança, partem cheios de ânimo.
Ambos corriam, mas “o outro discípulo” chegou com antecedência.
5 Olhando para dentro, viu as faixas de
linho no chão, mas não entrou.
É
digno de nota o quanto são correlatas e coesas as virtudes que tão claramente
deixa transparecer esse episódio. Seria explicável que, diante de tão grande
acontecimento, São João penetrasse, ato contínuo à sua chegada, no interior do
túmulo para analisar a situação. A curiosidade deveria ser incontrolável. Isso
não aconteceu. Por espírito de obediência, respeito e veneração, mantevese à
porta e de seus umbrais, observou à distância a disposição das coisas. A
virgindade conservada por virtude leva quem a possui a amar a hierarquia, a
disciplina e a ordem. Nesta ocorrência, encontramos o dilúculo de uma
alcandorada aurora da submissão de toda a Cristandade à mais alta autoridade
erigida por Cristo, na terra: o Santo Padre, o Papa.
6 Chegou depois Simão Pedro, que vinha correndo
atrás, e entrou no túmulo. Viu as faixas de linho deitadas no chão 7 e o pano
que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não posto com as faixas, mas enrolado
num lugar à parte.
Essas
faixas eram o lençol e as faixas utilizadas para envolver o sagrado corpo do
Salvador depois de retirado da cruz. O sudário cobria Sua cabeça e mais
especialmente a face, que nele certamente ficou impressa. Tudo leva a crer que
os anjos devem ter manifestado particular devoção a esse lençol que passaria
para a História com o nome de Santo Sudário, daí terem-no dobrado com cuidado,
colocando-o à parte.
São
muito curiosas e dignas de serem apreciadas as considerações feitas por São
Gregório Magno sobre o relato de São João contido nestes versículos:
“Esta
descrição tão detalhada do Evangelista não carece de mistério. São João, o mais
jovem dos dois, representa a sinagoga judaica, e Pedro, o mais velho, a Igreja
universal. Embora a sinagoga dos judeus seja anterior no culto divino, a
multidão dos gentios precede no uso do século a sinagoga dos judeus. Correram
ambas juntamente, porque desde seu nascimento até seu ocaso, se bem que em
sentidos diferentes, correm juntas. A sinagoga chegou primeiro ao monumento,
mas não entrou; porque, apesar de haver entendido os mandatos da Lei sobre as
profecias da Encarnação e Paixão e morte do Senhor, não quis crer. Chegou
depois Simão Pedro e entrou no sepulcro, porque a Igreja das nações, que seguiu
a última, acreditou em Cristo morto em sua humanidade e vivo em sua divindade.
O sudário, pois, da cabeça do Senhor, não foi encontrado com os lençóis, porque
Deus é a cabeça de Cristo, e os mistérios de sua divindade são incompreensíveis
à fraqueza de nossa inteligência e superiores às faculdades da natureza humana.
Diz-se que o sudário foi encontrado não só separado, mas envolto, porque o
lenço que serve de envoltura à cabeça divina demonstra sua grandeza, que não
tem princípio nem fim. Esta é, pois, a razão pela qual foi encontrado isolado
em outro lugar, porque Deus não se encontra entre as almas que estão divididas,
e só merecem receber sua graça as que não vivem separadas pelo escândalo das
seitas. Mas como o lenço que cobre a cabeça dos operários serve para enxugar o
suor, pode-se entender com o nome de sudário a obra de Deus que, mesmo
permanecendo tranqüilo e imutável em Si mesmo, manifesta que sofre e trabalha
na dura perversidade dos homens. O sudário que estivera sobre sua cabeça, e foi
encontrado à parte, demonstra que a Paixão de nosso Redentor é muito diferente
da nossa, porque Ele a padeceu sem culpa, e nós por nossos pecados; Ele Se
entregou a ela voluntariamente, e nós a sofremos contra nossa vontade. Depois
de ter entrado Pedro, entrou João, porque no fim do mundo a Judéia entrará
também na fé do Salvador” 10.
Provas da
Ressurreição
Pelo
que se via, Madalena tinha sido objetiva em sua espetacular mensagem. Porém,
teria ela razão em levantar a hipótese de um roubo do sagrado corpo do Senhor?
Qual seria, neste caso, o objetivo dos ladrões? Como teriam dominado os
guardas? Quem haveria executado tal crime? E se realmente isto se passara, por
que tirar os lençóis, as ataduras e o sudário? Ademais, qual o motivo de dobrar
cuidadosamente esses tecidos? A constatação desses pormenores todos seria
suficiente para eles concluírem a maravilhosa Ressurreição do Senhor, tal qual
Ele mesmo a profetizara, ou seja, no terceiro dia.
São
João Crisóstomo não duvida em sublinhar: “Isto era prova de ressurreição,
porque se alguém o tivesse levado não teria desnudado seu corpo; e se o
houvessem roubado, os ladrões não teriam o cuidado de tirar e envolver o
sudário, colocando-o em um lugar diferente dos lenços, mas teriam levado o
corpo como se encontrava. São João já dissera que, ao sepultá-lo, o haviam
ungido com mirra, a qual cola os lenços ao corpo; e não creias nos que dizem
que foi roubado, pois o ladrão não seria tão insensato ocupando- se tanto de
coisa tão inútil” 11.
Apesar
de hoje vermos com tanta evidência a lógica dessas minúcias todas, na ocasião,
as testemunhas não fizeram a menor reflexão e nem sequer se lembraram das
profecias feitas pelo Divino Mestre a esse propósito.
Essa
foi a reação da natureza humana antes de Pentecostes…
8 Então entrou também o outro discípulo,
que tinha chegado primeiro ao túmulo. Ele viu, e acreditou.
Divergem
os autores quanto à interpretação do objeto da crença de João. Alguns julgam
ter ele considerado suficientes as provas para crer na ressurreição do Senhor.
Assim o faz, por exemplo, Teófilo ao comentar: “Admira em Pedro a prontidão da
vida ativa, e em João a contemplação humilde e prática das coisas divinas. Com
freqüência, os contemplativos chegam pela humildade ao conhecimento das coisas
divinas; mas os ativos, guiados por sua fervorosa assiduidade, chegam primeiro
ao ápice deste conhecimento” 12.
Porém,
outros são do parecer de que João acreditou no que lhes dissera a Madalena, ou
seja, que o Sagrado Corpo de Jesus havia sido roubado, e nada mais. A ida ao
sepulcro teria sido útil em extremo para confirmá-los nessa idéia, o que
certamente lhe confirmou também nas apreensões.
9 De fato, eles ainda não tinham
compreendido a Escritura, segundo a qual Ele devia ressuscitar dos mortos.
Para
tirarmos todo o proveito deste versículo, ouçamos os comentários de D. Isidro
Gomá y Tomás: “A Sagrada Escritura é como uma carta de Deus dirigida aos homens;
mas estes não podem interpretá-la por si sós: precisam ser conduzidos pela
Igreja, que é a intérprete nata e autorizada das divinas Escrituras, e tem para
isso a luz e a assistência do Espírito Santo. Por isso, diz Lucas (24, 45), que
Jesus, antes de subir aos Céus, ‘abriu a inteligência de Seus apóstolos para
que compreendessem as Escrituras’. Não tenhamos, pois, a presunção de ler estas
deleitáveis cartas de Deus sem o sentido de Deus e sem a união com os que têm a
autoridade de Deus para interpretá-las. Seria condenar-nos à ignorância, quiçá
a erros grosseiros sobre seu conteúdo. Este é o segredo das quedas daqueles que
interpretam as Escrituras fora da Igreja Católica” 1
III – A
primeiríssima aparição
Os
evangelhos silenciam sobre a primeiríssima e mais importante aparição de Jesus
logo após Sua ressurreição, talvez pela discrição habitual em tantas outras
passagens. Não seria demais imaginar que, na Sua ilimitada humildade, a
Santíssima Virgem tivesse dado aos evangelistas instruções bem precisas a esse
respeito.
Há
um princípio geral em Mariologia que reserva à Mãe de Deus o privilégio de ter
Ela recebido no mais alto grau todos os dons e benefícios conferidos aos santos
e que Lhe sejam convenientes. Ora, não teria sentido o Salvador aparecer aos
apóstolos, discípulos e santas mulheres, sem ter dado a primazia à Santíssima
Virgem.
Bem
podemos conceber a grandeza daquele encontro entre a Mãe e o Filho
ressuscitado… Que Ela interceda por nossa ressurreição em estado glorioso.
O
inédito sobre os Evangelhos vol I
Nenhum comentário:
Postar um comentário