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sábado, 22 de abril de 2017

Evangelho III Domingo da Páscoa - Ano A

Comentários ao Evangelho III Domingo da Páscoa - Ano A
13 Naquele mesmo dia, o primeiro da semana, dois dos discípulos de Jesus iam para um povoado, chamado Emaús, distante onze quilômetros de Jerusalém. 14 Conversavam sobre todas as coisas que tinham acontecido. 15 Enquanto conversavam e discutiam, o próprio Jesus Se aproximou e começou a caminhar com eles. 16 Os discípulos, porém, estavam como que cegos, e não O reconheceram. 17 Então Jesus perguntou: “O que ides conversando pelo caminho?” Eles pararam, com o rosto triste, 18 e um deles, chamado Cléofas, Lhe disse: “Tu és o único peregrino em Jerusalém que não sabe o que lá aconteceu nestes últimos dias?” 19 Ele perguntou: “O que foi?” Os discípulos responderam: “O que aconteceu com Jesus, o Nazareno, que foi um Profeta poderoso em obras e em palavras, diante de Deus e diante de todo o povo. 20 Nossos sumos sacerdotes e nossos chefes O entregaram para ser condenado à morte e O crucificaram. 21 Nós esperávamos que Ele fosse libertar Israel, mas, apesar de tudo isso, já faz três dias que todas estas coisas aconteceram! 22 É verdade que algumas mulheres do nosso grupo nos deram um susto. Elas foram de madrugada ao túmulo 23 e não encontraram o Corpo d’Ele. Então voltaram, dizendo que tinham visto Anjos e que estes afirmaram que Jesus está vivo. 24 Alguns dos nossos foram ao túmulo e encontraram as coisas como as mulheres tinham dito. A Ele, porém, ninguém O viu”. 25 Então Jesus lhes disse: “Como sois sem inteligência e lentos para crer em tudo o que os profetas falaram! 26 Será que Cristo não devia sofrer tudo isso para entrar na sua glória?” 27 E, começando por Moisés e passando pelos profetas, explicava aos discípulos todas as passagens da Escritura que falavam a respeito d’Ele. 28 Quando chegaram perto do povoado para onde iam, Jesus fez de conta que ia mais adiante. 29 Eles, porém, insistiram com Jesus, dizendo: “Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando!” Jesus entrou para ficar com eles. 30 Quando se sentou à mesa com eles, tomou o pão, abençoou-o, partiu-o, e lhes distribuía. 31 Nisso os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus. Jesus, porém, desapareceu da frente deles.
32 Então um disse ao outro: “Não estava ardendo o nosso coração quando Ele nos falava pelo caminho, e nos explicava as Escrituras?” 33 Naquela mesma hora, eles se levantaram e voltaram para Jerusalém onde encontraram os Onze reunidos com os outros.
34 E estes confirmaram: “Realmente, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!” 35 Então os dois contaram o que tinha acontecido no caminho, e como tinham reconhecido Jesus ao partir o pão (Lc 24, 13-35).
Um dos mais belos convívios da História
A acolhida afetuosa dos dois discípulos, o grande respeito dos três interlocutores entre si, a elevação do tema tratado, o tônus da conversa e, sobretudo, a delicadeza e a didática de Jesus fazem desta passagem evangélica um dos mais belos episódios do relacionamento humano.
I - INTRODUÇÃO: O INSTINTO DE SOCIABILIDADE
Jesus, exemplo do equilíbrio dos instintos
Desde o primeiro instante de nossa criação, Deus dotou-nos de instintos. Eram eles ordenados sob os influxos do dom de integridade até o momento em que Adão e Eva pecaram. A partir de então, só com auxílio da graça nos é possível utilizar cada um deles de acordo com a Lei de Deus, de maneira estável.
Um dos mais excelentes entre todos é o instinto de sociabilidade, e talvez até, por isso mesmo, um dos mais perigosos fora da atmosfera sobrenatural. Daí ter afirmado Sêneca: "Quanto mais vezes estive entre os homens, menos homem retornei" ; e Thomas Hobes: "O homem é um lobo para outro homem". Sim, o extremo de horrores a que podem chegar os homens no seu relacionamento à base do egoísmo é simplesmente inimaginável e assustador.
Mas, se mal conduzido esse instinto, os resultados podem vir a ser catastróficos, no extremo oposto assistimos às maravilhas da graça atuando sobre o convívio humano e enriquecendo qualquer hagiografia, a começar pela do Varão por excelência, o Filho do Homem.

Por sua sociabilidade divinizada, desde o primeiro instante de sua existência desejou reparar os pecados cometidos por seus irmãos e, para salvá-los, entregou-se à morte de cruz. Assim teria procedido se fosse para redimir um só pecado e salvar uma só alma. E como se isso não bastasse, deixou- se em Corpo, Sangue, Alma e Divindade até o fim do mundo, como alimento nosso sob as Espécies Eucarísticas. N'Ele encontramos o perfeitíssimo exemplo e, ao mesmo tempo, o próprio equilíbrio de todos os nossos instintos.
Foi d'Ele que nasceram os hospitais, os orfanatos, os asilos, as universidades, etc. Quando os homens se resolvem a colaborar com sua graça, daí nascem os esplendores de realizações capazes de tornar fulgurante toda uma era histórica. Pelo contrário, ao se fecharem ao seu apelo, os crimes, os roubos, a desonra, a mentira, os suicídios, as calúnias etc., proliferam como praga por toda parte.
Sociabilidade virtuosa dos discípulos de Emaús
É com vistas a nos ensinar quão benéficos são os efeitos da hospitalidade - qualidade de alma própria àquele que ordenadamente usa de seu instinto de sociabilidade - que a Liturgia de hoje nos propõe considerar a beleza da aparição de Jesus aos discípulos de Emaús. Nesta narração, ambos deixam entrever o quanto possuem um coração afetuoso, caritativo e generoso para com um desconhecido que os alcança pelo caminho. Eles não têm a menor fímbria de respeito humano em explicar ao forasteiro os principais aspectos da vida, paixão e morte de Jesus, como o próprio desaparecimento de seu Sagrado Corpo, sempre levados por uma sociabilidade virtuosa tão rara nos dias de hoje e tão indispensável para um convívio agradável.
Consideremos o grande respeito usado pelos três entre si nesse episódio, como também a elevação do tema por eles tratado e o tônus da conversa. Como seria altamente formativo o poder- se reconstituir tal qual se deu esse convívio dos dois com o Divino Mestre ressurrecto! De imediato, configurar-se-ia diante de nossos olhos o grande contraste com os encontros tão comuns e correntes na atualidade. Quanto teríamos a aprender desse sacrum convivium!
Enfim, passemos a analisar mais de perto os detalhes do texto que a Liturgia hoje nos propõe.
II - O EVANGELHO: ANÁLISE E COMENTÁRIOS
13 Naquele mesmo dia, o primeiro da semana, dois dos discípulos de Jesus iam para um povoado, chamado Emaús, distante onze quilômetros de Jerusalém. 14 Conversavam sobre todas as coisas que tinham acontecido.
Pelo seu estilo e delicadeza de narração, este é um dos mais belos relatos do terceiro Evangelho. De outro lado, contém ele uma excelente prova da ressurreição de Jesus. Quanto à cidadezinha de Emaús, há uma dezena de hipóteses sobre sua real localização, e não se têm elementos para saber qual a verdadeira. Retenhamos apenas a distância de sessenta estádios que equivale a 11,5 km.
Provavelmente esses dois discípulos, como também outros israelitas, haviam se deslocado para Jerusalém a fim de cumprir os primeiros ritos pascais e, depois de visitarem os Apóstolos, retornavam à sua cidade de origem, no próprio dia da Ressurreição do Senhor.
Alguns Padres da Igreja levantam a hipótese de ser o próprio São Lucas um dos dois, e assim se entenderia melhor o motivo pelo qual ele não quis mencionar o nome do segundo discípulo.
15 Enquanto conversavam e discutiam, o próprio Jesus Se aproximou e começou a caminhar com eles.
O Divino Mestre havia prometido, em vida, estar presente quando dois ou mais estivessem reunidos em seu nome (1), eis aqui o cumprimento de suas palavras. Foi a conversa entre ambos o fator que atraiu o Redentor a se agregar a eles.
É interessante notar o agrado de Jesus junto aos dois, assim como o recíproco intuito apostólico de lado a lado. Um dos intentos do Divino Mestre era o de robustecer a fé de seus discípulos. Por isso, operando de maneira oculta, "aproximou-Se e caminhou com eles".
16 Os discípulos, porém, estavam como que cegos, e não O reconheceram.
São Lucas nos fornece a hipótese de estarem os olhos dos dois discípulos impedidos de reconhecer o Salvador devido a uma virtude sobrenatural semelhante àquela que havia agido sobre Santa Maria Madalena no Sepulcro (2).
Entretanto, São Marcos afirma que Jesus "apareceu sob outra forma" (Mc 16, 12), ou seja, com fisionomia e talvez até roupas diferentes das que costumava usar. Estas duas versões parecem ser contraditórias à primeira vista e se prestaram durante muito tempo a duas interpretações diferentes.
Hoje, porém, os exegetas são unânimes em atribuir a um efeito do corpo glorioso de Jesus o fato de - tanto nesses dois casos quanto no da aparição aos Apóstolos junto ao Mar de Tiberíades (3) - Ele não ter sido reconhecido.
E por quê? Detenhamo-nos um pouco sobre este particular para melhor entender o que realmente se passou.
"A glória do corpo não é mais do que uma conseqüência e redundância da glória da alma", diz-nos o grande teólogo Pe. Antonio Royo Marin, OP (4). Em Jesus, esta lei ficou misteriosamente suspensa até o momento da Ressurreição, pois queria Ele ter padecente seu corpo, a fim de poder sofrer.
Desde sua criação, a alma do Salvador sempre esteve na visão beatífica e, portanto, também seu Corpo Sagrado deveria encontrar-se no estado de glória. Ele criou a lei e impediu que se Lhe fosse aplicada. Ora, ao ressurgir dentre os mortos, Ele assumiu seu Corpo glorioso.
É essencial ao homem, a fim de gozar a bem-aventurança eterna, que tanto a alma quanto o corpo sejam glorificados. E assim como nesse novo e último estágio a alma se torna ainda mais semelhante a Deus, o corpo adquire as características da alma.
Ele será impassível, ou seja, não terá a menor enfermidade, dor ou incômodo, nem sequer do mais abrasador dos fogos, ou do mais rigoroso frio, ou até mesmo em meio à impetuosidade das águas; será, portanto, imortal (5). Gozará de sutileza, obedecendo sem resistência aos mínimos anseios da alma, sem sentir o próprio peso nem sofrer a ação da gravidade. Terá agilidade, deslocando-se com a velocidade da imaginação. Por fim, o dom que mais especialmente nos interessa para compreender este versículo, a claridade, devida aos efeitos resplandecentes da suprema felicidade da alma sobre o corpo: "Os justos brilharão como o sol no reino de seu Pai" (Mt 13, 43).
Ora, como a alma exercerá um domínio absoluto sobre o corpo, suspenderá segundo seu desejo a manifestação deste ao exterior de modo que possa ser visto ou não, tocado ou não, segundo ela determine (6).
Eis aí as razões pelas quais os dois discípulos não reconheceram Jesus ao longo de todo o percurso. "Alguns autores pensam que uma ação sobrenatural era que lhes impedia reconhecer Cristo. Mas a frase do Evangelho ["seus olhos, porém, estavam como que fechados"], não exige que tenha se dado uma ação desse gênero. Aconteceu simplesmente que Cristo ressuscitado apareceu- lhes em corpo glorioso, sob uma forma não mais comum e corrente" (7). Ou então, segundo o comentário de Teófilo: "Apesar de ser o mesmo corpo que havia padecido, já não era visível para todos, senão unicamente para aqueles que Ele quisesse que o vissem; e para que não duvidassem que doravante já não viveria entre a gente, porque seu modo de vida depois da ressurreição já não era humano, mas mais bem divino, uma pré-figura da futura ressurreição, na qual viveremos como anjos e filhos de Deus" (8).
17 Então Jesus perguntou: “O que ides conversando pelo caminho?” Eles pararam, com o rosto triste…
Pode-se falar em senso psicológico humano ao analisar o relacionamento de Jesus, mas como entender a fundo um Varão que só possui personalidade divina? Seu discernimento dos espíritos é absoluto e, enquanto Pessoa, Ele conheceu desde toda a eternidade não só aqueles dois discípulos, como também o recôndito de suas almas e até mesmo o conteúdo da conversa de ambos; por isso, Ele pergunta apenas para dar início ao diálogo e, assim, ter oportunidade de mais diretamente animá-los.
Quantas vezes em nossa vida, não terá Jesus se aproximado de nós para nos reanimar!...
18 …e um deles, chamado Cléofas, Lhe disse: “Tu és o único peregrino em Jerusalém que não sabe o que lá aconteceu nestes últimos dias?”
Era de fato incompreensível que um judeu vindo de outras províncias não se inteirasse, ao passar por Jerusalém, dos últimos grandes acontecimentos ali sucedidos. A ressurreição de Lázaro, a expulsão dos vendilhões do Templo, um número incontável de milagres, as arrebatadoras pregações de Jesus e sobretudo sua prisão, condenação e crucifixão, o escurecimento do céu, o tremor da terra, o véu do Templo cindido, o passeio dos justos que haviam saído de seus túmulos - esses eram fatos suficientes para convulsionar a opinião pública. Não havia outro tema para se considerar senão esse, daí a perplexidade manifestada por Cléofas.
19 Ele perguntou: “O que foi?” Os discípulos responderam: “O que aconteceu com Jesus, o Nazareno, que foi um Profeta poderoso em obras e em palavras, diante de Deus e diante de todo o povo.
Segundo alguns autores, esta resposta tem sua origem na falta de fé dos dois discípulos, como também no medo de serem presos. Não poderia o forasteiro se escandalizar ouvindo a proclamação da divindade de Jesus?
20 “Nossos sumos sacerdotes e nossos chefes O entregaram para ser condenado à morte e O crucificaram”.
Eles narram os fatos com o coração nos lábios e, apesar de extremamente chocados com as atitudes das autoridades religiosas e civis, em nenhum momento manifestam desrespeito ou revolta contra as mesmas. Era um dos resultados obtidos pela ação apostólica de Jesus. O possessivo: "os nossos", na voz desses discípulos, demonstra claramente a disposição de submissão e até de veneração face aos detentores do poder. Eles não se separam, e menos ainda injuriam. Essa sempre foi a nota distintiva do verdadeiro Cristianismo.
21 “Nós esperávamos que Ele fosse libertar Israel, mas, apesar de tudo isso, já faz três dias que todas estas coisas aconteceram!”
O verbo "esperar", empregado no passado, dá bem idéia da decepção na qual se encontravam ambos. Suas atenções estavam concentradas, sobretudo, na possível libertação do domínio dos romanos. Ademais, julgando Jesus destinado a ser um Rei deste mundo, não podiam admitir que Ele não tivesse poder para libertar-se da sentença de morte que Lhe fora infligida. Entretanto, se bem estivessem com a virtude da fé um tanto abalada, restava-lhes ainda uma esperança, era a promessa proferida por Jesus em várias ocasiões sobre sua ressurreição ao terceiro dia.
22 “É verdade que algumas mulheres do nosso grupo nos deram um susto. Elas foram de madrugada ao túmulo 23 e não encontraram o Corpo d’Ele. Então voltaram, dizendo que tinham visto Anjos e que estes afirmaram que Jesus está vivo. 24 Alguns dos nossos foram ao túmulo e encontraram as coisas como as mulheres tinham dito. A Ele, porém, ninguém O viu”.
É patente o quanto a tristeza, a perplexidade e até a perturbação, penetravam o âmago de suas almas. A narração é toda ela hipotética, nada feita de certeza. De fato, o povo eleito sempre foi privilegiado por uma robusta lógica, e, diante da pura inteligência humana, como explicar aqueles acontecimentos todos?
Segundo os cânones do pensamento humano, com a trágica morte do Divino Mestre, todas as esperanças haviam terminado, por mais que as melhores testemunhas afirmassem ter desaparecido seu corpo. O próprio São Paulo diria mais tarde: "E, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, é também vã a nossa fé" (I Cor. 15,14). Mas, a prova de sua ressurreição ainda não se havia consumado oficialmente. Assim sendo, quais os elementos para crerem? Só as palavras dos profetas e do próprio Jesus? Sendo afirmações e promessas feitas pela Verdade Absoluta, era preciso admiti-las como reais. Entretanto, longe dos acontecimentos é sempre mais fácil o exercício da virtude da fé, e a proximidade dos mesmos lhes turvava a compreensão e dificultava a inteira adesão da inteligência e da vontade. Apesar de discípulos, ambos haviam se olvidado do que lhes tinham dito seus ancestrais na Religião.
25 Então Jesus lhes disse: “Como sois sem inteligência e lentos para crer em tudo o que os profetas falaram! 26 Será que Cristo não devia sofrer tudo isso para entrar na sua glória?”
Sim, era-lhes necessário crer na Escritura, como São Pedro diria mais tarde: "Atendei antes de tudo a isto: que nenhuma profecia da Escritura é de interpretação particular. Com efeito, a profecia nunca foi proferida por vontade humana, mas, movidos pelo Espírito Santo, certos homens falaram da parte de Deus" (II Ped 1, 20-21). Por isso, mais vale crer no testemunho dos profetas do que em nossos sentidos. Aqueles não falham, estes porém, não raras vezes nos enganam. Para crer, não lhes era indispensável ter acompanhado ao túmulo as santas mulheres, nem Pedro e João, bastava-lhes recordarem as assertivas das Escrituras sobre a Ressurreição, tanto mais que as da Paixão já se haviam cumprido tais quais. E, sobretudo, não podia pairar a menor fímbria de dúvida na palavra do Salvador. "Verbum Domini manet in aeternum" (I Pd 1, 24), a palavra de Deus permanece eternamente.
27 E, começando por Moisés e passando pelos profetas, explicava aos discípulos todas as passagens da Escritura que falavam a respeito d’Ele.
Pode-se, às vezes, conhecer as Escrituras todas de cor, mas, nem por isso, saber conjugar seus trechos a fim de melhor entender sua aplicação aos casos concretos. Quanto às citações, nada era novo aos dois discípulos. Quanto à interpretação das mesmas, porém, as explicações de Jesus constituíram certamente uma atraentíssima e magistral aula de exegese. Quem não desejaria assistir a ela? Que grande privilégio o daqueles dois! Certamente, o Divino Mestre deve ter-lhes mostrado, através de luminosas palavras e de especiais graças, o quanto era errôneo o conceito unânime no povo eleito a respeito de um Messias triunfante, restaurador de seu poder político-social e instaurador de uma influente e prestigiosa supremacia sobre as outras nações. A Escritura Lhe serviu de argumento irrefutável para os objetivos da formação que desejava dar-lhes.
28 Quando chegaram perto do povoado para onde iam, Jesus fez de conta que ia mais adiante. 29 Eles, porém, insistiram com Jesus, dizendo: “Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando!” Jesus entrou para ficar com eles.
A delicadeza e a didática em substância se unem nesse gesto do Salvador ao "fazer menção" de ir adiante. Assim, incentiva-os não só a convidá-Lo a permanecer com eles, como também a conferir à sua companhia o devido valor. Eles O convidam e até insistem, apresentando como argumento a hora tardia. Exemplo para nós: quando rezamos, trata-se de usar de pertinácia, pois, dessa forma, "Jesus entrará para ficar conosco". Caso contrário, Ele seguirá adiante.
30 Quando se sentou à mesa com eles, tomou o pão, abençoou-o, partiu-o, e lhes distribuía. 31 Nisso os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus. Jesus, porém, desapareceu da frente deles.
Terá Jesus, nessa hora, operado a transubstanciação? Eis uma questão muito debatida nos séculos XVI e XVII entre duas correntes teológicas. Uma conclusão clara a esse respeito ainda está por fazer-se, entretanto, por mais que não se tivesse dado a consagração eucarística, estava ela ali figurada. E é indiscutível ser esse Sacramento fundamental para nos fortalecer na fé e fazê-la crescer, sobretudo no tocante ao mysterium fidei que enfeixa a Paixão e a Ressurreição do Redentor. A Eucaristia nos dá a vida sobrenatural que tem seu fundamento na fé. Crer na ressurreição de Cristo é absolutamente necessário para nossa salvação e, sem essa crença, é impossível nosso próprio progresso na vida espiritual. Quanto mais se torne efetiva e robusta nossa fé em Cristo ressurrecto, maior será nosso afervoramento e união com o Redentor, como também mais superabundantes serão os frutos dessa belíssima festa instituída pela Santa Igreja.
32 Então um disse ao outro: “Não estava ardendo o nosso coração quando Ele nos falava pelo caminho, e nos explicava as Escrituras?” 33 Naquela mesma hora, eles se levantaram e voltaram para Jerusalém onde encontraram os Onze reunidos com os outros. 34 E estes confirmaram: “Realmente, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!” 35 Então os dois contaram o que tinha acontecido no caminho, e como tinham reconhecido Jesus ao partir o pão.
Os versículos finais nos retratam com muita viveza e piedade os efeitos dessa primeira aparição de Jesus a dois fiéis da Igreja nascente, sendo especialmente digno de nota o testemunho da ação da graça mística nas almas de ambos, enquanto Jesus lhes discorria sobre as Escrituras (v. 32).
É tal o apreço de Deus por sua própria Palavra que Ele sempre faz acompanhar de generosos auxílios o estudo, interesse e piedade aplicados ao conhecimento amoroso dos textos sagrados.
* * *
 Nos versículos logo a seguir (36 a 49), São Lucas narra a aparição de Jesus aos Onze em Jerusalém. Novamente reluz a infinita sabedoria e diplomacia do Divino Mestre, ao tratar os Apóstolos com insuperável carinho e grandeza, ao mesmo tempo. Só Ele consegue harmonizar vitrudes tão opostas; e, apesar de não ser acrescentada ao Evangelho deste domingo, lucraremos muito em relê-la.
1 ) Cf. Mt 18, 20.
2 ) Cf. Jo 20, 14-17.
3 ) Cf. Jo 21, 4-22.
4 ) Teología de la Salvación, BAC, Madrid, 1997, p. 486.
5 ) Cf. Is 49,10; Ap 7, 15; Mt 21, 43; São Tomás de Aquino, Suma contra os Gentios, IV, 86.
6 ) Cf. Pe. Royo Marín, OP, op. cit., p. 507.
7 ) Professores de Salamanca, Bíblia Comentada, Vol. II, BAC, Madrid, 1994, p. 930.

8 ) Apud Catena Áurea, in Lucam

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