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domingo, 22 de maio de 2011

DAR A CÉSAR, OU DAR A DEUS?

O homem foi criado por Deus para viver em sociedade, sob duas autoridades: a temporal e a espiritual. Qual deve ser sua atitude ante uma e outra?
Não há situação estática na vida moral
Nossa vida moral se encontra sempre em movimento. Em outras palavras, na escala de valores entre o extremo do bem e o extremo do mal, ninguém fica parado num grau determinado. Todos estamos de algum modo caminhando, ainda que muito devagar e imperceptivelmente, em direção a um dos pólos, ou embaraçados num vaivém contínuo. Há, também, acelerações para uma direção ou outra, resultantes de um grande ato de virtude ou de um gravíssimo pecado. Nessa escala, portanto, o movimento é constante, como acentuam inúmeros teólogos.
Ora, diante do Filho do Homem, esse fenômeno passou-se de forma intensa no coração de todos os que tiveram a graça de O conhecer, e, mais ainda, de com Ele conviver. Maria Santíssima não fez senão ascender a cada instante na sua já tão alta união com Deus. Em contrapartida, os adversários de Jesus cresceram de modo contínuo no ódio a Ele.

Os fariseus chegaram a um grande grau de indignação ao ouvir dos lábios do Divino Mestre parábolas ao mesmo tempo severíssimas e de clara aplicação a eles, como a dos vinhateiros homicidas, e a da festa de núpcias, como conta o Evangelho:
“Ouvindo isto, os príncipes dos sacerdotes e os fariseus compreenderam que era deles que Jesus falava. E procuravam prendê-lo; mas temeram o povo, que o tinha por um profeta” (Mt 21, 45-46).
Foi essa a circunstância que os levou a se reunirem urgentemente em conselho. Esse mesmo episódio é mencionado em outros termos por São Marcos (Mc. 12, 12-13).
Tanto pela narração de um, quanto pela do outro evangelista, fica patente o dilema no qual se encontravam os fariseus. De um lado, desejavam prender Jesus para matá-Lo. De outro lado, era lhes impossível agir neste sentido, pois os milagres, as palavras e a própria figura do Divino Mestre arrebatavam o povo, que não O abandonava um instante sequer. Como realizar esse horroroso crime contra alguém constantemente rodeado de fiéis? Agarrá-Lo na calada da noite, de forma inesperada, seria o ideal, mas impossível também, uma vez que o Redentor jamais lhes dava a oportunidade de saber onde Ele estaria após o cair do sol.
Uma cilada para Nosso Senhor
Desse modo, não havia para eles outra alternativa senão armar uma cilada ao Divino Mestre, tentando desacreditá-Lo diante da opinião pública. Abandonado por seus seguidores, Ele se tornaria uma presa fácil. Melhor ainda se conseguissem arrancar d’Ele uma afirmação de rebeldia contra o poder romano...
Longe ia o tempo em que o povo judeu dependia da proteção dos romanos para fazer face aos adversários. Desaparecido o perigo, tornava-se difícil compreender as vantagens do pagamento de um tributo ao Imperador.
Precisamente naquela época acentuava-se entre os judeus o cansaço por se encontrarem, havia séculos, dependentes do poder estrangeiro, ao que se somava uma ânsia pela vinda de um Messias, considerado como o instaurador do poder israelita sobre todas as nações. As conversas e debates sobre tais questões, fortemente entrelaçadas com outras, de ordem moral, estavam na ordem do dia em todos os rincões de Israel.
O modo de ação do mal
Nesse episódio, merece igualmente nossa atenção a maneira de agirem os maus.
Quando deseja armar ciladas aos bons, o mal, antes de apresentar-se de forma declarada, costuma preparar sua ação por um longo processo. Assim agiram os fariseus com Nosso Senhor. Inicialmente usaram a astúcia da serpente para, depois, se insurgir contra Ele de forma pública e agressiva. Aqui vemo-los no decurso da primeira operação, desejando surpreender Jesus em flagrante, a fim de lançarem contra Ele a opinião pública.
Em nossa própria vida privada, quantas e quantas vezes da mesma maneira não somos nós surpreendidos pelo mesmo método farisaico, utilizado pelo mal para perseguir os que se esforçam em seguir os passos de Jesus? Imitemos a sabedoria do Divino Mestre, não nos deixemos surpreender...
A respeito das tais táticas farisaicas, consta mais este detalhe no Evangelho: “Enviaram seus discípulos com os herodianos...” (v. 16).
É outra demonstração de sua maldosa astúcia: escolheram alguns jovens, alunos de escolas rabínicas, para causar a impressão de autenticidade, como se tivessem real interesse em aprender. E os instruíram a se aproximar do Divino Mestre com demonstrações de respeito.
Mesmo quando estão em campos opostos, é incrível a capacidade dos maus de se unirem contra o Bem. Os fariseus anelavam a independência e supremacia de Israel, e odiavam os romanos; os herodianos apoiavam a família de Herodes, que recebeu seu poder dos romanos.
 Assim, embora encarniçados adversários, fariseus e herodianos encontram-se irmanados neste episódio, em busca de um fim comum: o deicídio.
Da astúcia da serpente faz parte a adulação insidiosa: “Mestre, sabemos que és verdadeiro e ensinas o caminho de Deus em toda a verdade, sem te preocupares com ninguém, porque não olhas para a aparência dos homens”.
Com tais palavras, os fariseus condenam-se eles mesmos. Com efeito, não eram sinceros e viviam preocupados com a opinião alheia a respeito de si próprios, só cuidando das aparências.
“Dize-nos, pois, o que te parece: É permitido ou não pagar o imposto a César?”
Se Jesus optasse pela obrigação moral de pagar o imposto exigido pelos romanos, prontas já estavam as tubas dos adversários para sublevar os israelitas contra Ele, pois não era admissível um Messias que se manifestasse a favor da submissão ao estrangeiro gentio. De outro lado, se Jesus negasse a liceidade do tributo, seria denunciado às autoridades romanas, que por certo o condenariam à morte.
Aqui fica claro o papel dos herodianos nesse episódio. “Como adeptos do governo de Roma, seriam acusadores e testemunhas, se a resposta de Jesus lhes parecesse contrária aos interesses do Império”, comenta Fillion.
Jesus inverte os papéis
Na seqüência do episódio evangélico, Nosso Senhor quiçá haja surpreendido seus adversários pela veemência da resposta:
“Jesus, percebendo a sua malícia, respondeu: Por que me tentais, hipócritas?”.
Que grande diferença entre os métodos empregados respectivamente pelo mal e pelo bem! Os fariseus adulam para perder, Jesus increpa para salvar.
Não podiam os fariseus se queixar por receberem essa severa recriminação. Jesus, a Sabedoria Eterna e Encarnada, respondia em primeiro lugar à intenção oculta deles: tentar com hipocrisia. “Não lhes responde suavemente”, comenta São João Crisóstomo, “de acordo com as palavras pacíficas que Lhe haviam dirigido, mas com aspereza, segundo suas más intenções; porque Deus responde aos pensamentos e não às palavras” (apud Catena Aurea). E os desmascarava diante do público. Jesus continuou:
“Mostrai-me a moeda com que se paga o imposto! Apresentaram-lhe um denário”.
Os romanos permitiam que moedas de cobre fossem cunhadas pelas autoridades do povo local. Nelas eram impressas figuras tiradas dos reinos vegetal e animal. O denário, entretanto, moeda de prata para uso em todo o Império, era monopólio de Roma. Com ele se pagava o imposto e tinha gravada a efígie do imperador, cingida de uma coroa de louros, com esta inscrição: “Tibério César, sublime filho do divino Augusto”.
Ao fazer os fariseus lhe mostrarem uma dessas moedas, Jesus acabava de inverter os papéis. Deixava evidente que, embora em teoria rejeitassem o imperador como senhor do país, na prática o aceitavam, utilizando-se de seu dinheiro. Eles, de seu lado, perceberam para onde caminharia a resposta. Contudo, em sua maldade e cegueira, iludiam-se, esperando ainda uma possível falha de Nosso Senhor. Podemos imaginar a atmosfera de suspense formada nesse instante:
“Perguntou Jesus: De quem é esta imagem e esta inscrição?”.
Método de suprema sabedoria em responder: obrigar o adversário a tirar a conclusão da própria afirmação que fez. Os inquiridos passaram a ser os fariseus:
“De César, responderam-lhe. Disse-lhes então Jesus: Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.”
Eis a resposta que se gravou para sempre nos céus da História. Quem utilizava o dinheiro de César, que lhe pagasse o imposto devido, ainda mais tendo em vista os benefícios proporcionados à Palestina pela administração romana.
Em se tratando de uma nação essencialmente teocrática, como era a judaica, compreende-se a perplexidade na qual muitos podiam se encontrar. Porém, havia uma situação de fato da qual não se podia prescindir.
O ensinamento de Jesus sobre a harmonia entre a ordem espiritual e a temporal
As coisas de Deus e as coisas da terra não devem ser antagônicas. Pelo contrário, entre elas deve haver colaboração. Na harmonia entre ambas as esferas, a temporal e a espiritual, está o segredo do progresso. E a História nos mostra que nada pode haver de mais excelente do que seguir o conselho de Nosso Senhor: “Buscai, pois, o reino de Deus e sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo” (Lc 12, 31).
Seja dito de passagem, nessa conjugação e colaboração entre o espiritual e o temporal é que, segundo o seu carisma, esforçam-se os Arautos do Evangelho: em atuar procurando a “consecratio mundi”, a sacralização da ordem temporal, enquanto leigos, e sendo filhos amorosos da Igreja, fiéis ao Papa, como instrumentos da Nova Evangelização.
Harmonia dentro de nós
Pode-se dizer que há uma espécie de convívio entre as duas esferas dentro do homem, uma vez que temos para conosco deveres referentes à nossa vida espiritual e às necessidades de nosso corpo. A tal respeito, comenta São Tomás de Aquino na Catena Aurea:
“Também podemos entender essa passagem [do Evangelho] no sentido moral, porque devemos dar ao corpo algumas coisas, como o tributo a César, isto é, o necessário; mas tudo o que corresponde à natureza das almas, isto é, o que se refere à virtude, devemos oferecer ao Senhor. Os que ensinam a lei de modo exagerado e ordenam que não cuidemos em absoluto das coisas devidas ao corpo .... são fariseus, que proíbem pagar o tributo a César; e os que dizem que devemos conceder ao corpo mais do que devemos, são herodianos. Nosso Salvador quer que a virtude não seja desprezada, quando prestamos atenção demasiada ao corpo; nem que seja oprimida a natureza, quando nos dedicamos com excesso à prática da virtude.”
 Concluamos, seguindo o conselho de Santo Agostinho: se nos preocupamos com as moedas nas quais está gravada a efígie de César, muito mais devemos nos preocupar com nossas almas, nas quais Deus gravou sua própria imagem. Se a perda de um bem terreno nos entristece, muito mais nos deve contristar o causar dano à nossa alma pelo pecado.

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