-->

domingo, 22 de julho de 2012

Evangelho 16º Domingo do Tempo comum - ano B Mc 6, 30-34

Final


Deus se faz ouvir no silêncio, na serenidade e na calma


Quão misterioso e fundamental é o silêncio! Deus mais nos visita no recolhimento do que nas atividades externas. Em geral, nossa vida sobrenatural dá passos mais firmes e decididos no silêncio do que em meio às ações. Os Sacramentos também produzem a graça em nossas almas sob o manto do silêncio. Este nos ensina a falar, como afirmava Sêneca: “Quem não sabe calar, não sabe falar”.
Importantes, também, são a serenidade e a calma no relacionamento humano ou na contemplação. Jesus, no Evangelho, nunca dá a impressão de estar asfixiado pela pressa. Às vezes até “perde tempo”: todos O procuram e Ele não Se deixa encontrar, tão absorto está na oração. Jesus convida seus discípulos a “perderem tempo” com Ele: “Vinde à parte, a um lugar solitário, e descansai um pouco”. Recomenda freqüentemente não se agitar. Quantos benefícios recebe nossa saúde da “lentidão”!
A esse respeito, observa com acerto o Pregador da Casa Pontifícia, Frei Raniero Cantalamessa: “Se a lentidão tem conotações evangélicas, é importante dar valor às ocasiões de descanso ou de demora que estão distribuídas ao longo da sucessão dos dias. O domingo, as festas, se são bem utilizadas, dão a possibilidade de cortar o ritmo de vida demasiado excitante e de estabelecer uma relação mais harmônica com as coisas, as pessoas e, sobretudo, consigo próprio e com Deus”.
Os Apóstolos deviam estar exaustos depois de tantas atividades e por isso — comenta o Pe. Manuel de Tuya OP —, terminadas as narrações das viagens, “Cristo quer proporcionar-lhes uns dias de descanso, levando-os a um ‘lugar solitário’, que estava ‘perto de Betsaida’ (Lc 9, 10). A causa era que nem mesmo depois de seu trabalho missionário, particularmente intenso, deixavam-nos sozinhos: as pessoas afluíam para Cristo. Marcos descreve esse assédio das turbas com sua linguagem realista: ‘Porque eram muitos os que iam e vinham, e nem tinham tempo para comer’. Talvez essas multidões que vêm, nessa ocasião, possam ser um indício do fruto dessa ‘missão’ apostólica”.
Fugir da agitação para se encontrar com Deus
Entrando, pois, numa barca, retiraram-se à parte, a um lugar solitário.
Conta-nos São Jerônimo que Davi, em sua infância, fugia da agitação da cidade e buscava a solidão dos desertos. Ali vencia os ursos e os leões. E as Escrituras nos contam que Judite tinha, na parte mais elevada de sua casa, um quarto recolhido onde permanecia enclausurada com suas fiéis servas (Jt 8, 5). Os homens contemplativos, sempre que possível, abandonam o bulício do mundo e abraçam o isolamento para viver de Deus, com Ele para Ele. Também para Jesus e os Apóstolos tornava-se impossível o repouso em Cafarnaum, onde eram muito conhecidos.
“À agitação ordinária, decorrente da pregação e das curas — escreve Cardeal Goma y Tomás —, acrescentava-se a proximidade da Páscoa, que transformava a cidade marítima em centro de confluência das caravanas que subiam para Jerusalém. ‘Porque eram muitos os que iam e vinham, e nem tinham tempo para comer’. Por isso se dirigiram à praia e, entrando numa barca. ‘retiraram-se à parte, a um lugar solitário’ do território de Betsaida. Havia duas cidades com este nome: uma na parte ocidental do lago, pátria de Pedro e André, e a outra na parte oriental, em direção ao norte, junto à foz do Jordão. Recebera o nome de Betsaida Júlias, porque o tetrarca Filipe, que a tinha embelezado, quis quese chamasse Júlias, em homenagem à filha de César Augusto. A barquinha que conduzia Jesus e os Apóstolos aportou no outro lado do mar da Galiléia, ou seja, de Tiberíades, junto à planície solitária que se abre ao sul de Betsaida. João escreve para os fiéis da Ásia, que desconheciam a topografia da Palestina, indicando-lhes a localização do mar pelo nome da cidade que lhe dá origem ao nome”.
A caridade pode ser definada como a própria vida de Deus em nós. Ora, Deus é ao mesmo tempo contemplação e ação. Por outro lado, a virtude é eminentemente difusiva. Por isso afirma São Tiago ser morta a fé quando não frutifica em obras (Tg2,17). De onde decorre ser a vida mista, segundo São Tomás de Aquino, a mais perfeita, por conjugar ação e contemplação.
Assim, no Evangelho de hoje, Jesus nos ensina quanto devemos ser perfeitos no convívio com Deus, quer no isolamento, quer no relacionamento com os outros.

Jesus nos governa com doçura
33 Porém, viram-nos partir, e muitos perceberam para onde iam e acorreram lá, a pé, de todas as cidades, e chegaram primeiro que eles.
Não sabemos se, devido ao vento, o barco terá dado suas voltas em sentido contrário, ou se resolveram retardar o deslocamento pelo fato de a conversa ter atingido uma aprazível atração. O certo é que um grande público os precedeu naquela distância de 12 quilômetros (12). Homens, mulheres, crianças — vários dos quais enfermos — atravessaram o Jordão num verdadeiro testemunho de fé e de devoção a Jesus. “Assim também, não devemos esperar que Cristo nos chame, mas devemos nos antecipar para ir até Ele”, conforme pondera Teófilo (13).
É para nós, esta passagem, um excelente incentivo e convite para procurarmos um convívio mais intenso e prolongado com nosso Salvador. Há quanto tempo não nos aguarda Ele, debaixo das Sagradas Espécies, nos tabernáculos de todas as igrejas?
Ovelhas sem pastor – compaixão de Jesus
34 Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e teve compaixão deles, porque eram como ovelhas sem pastor, e começou a ensinar-lhes muitas coisas.
A primeira Leitura deste 16º Domingo do Tempo Comum nos traz esta Lamentação de Jeremias: “Ai dos pastores que deixam perder-se e dispersar-se o rebanho miúdo de minha pastagem! (...) Reunirei o que restar das minhas ovelhas (...) e as trarei para as pastagens em que se hão de multiplicar” (23, 1-3). São os gemidos do próprio Deus em vista de suas almas fiéis em situação de abandono.
Também Ezequiel, por inspiração divina, condena dura e severamente em seu capítulo 34 os maus pastores de Israel e anuncia que Deus enviará às suas ovelhas um Bom Pastor, e este “será príncipe no meio delas” (v. 24). De fato, aqui é Ele contemplado no versículo que estamos comentando.
Deus demonstrou verdadeiro amor divino ao criar a função de pastor entre os homens, pois desejava servir-Se dela para melhor simbolizar seu insuperável zelo por todos nós. Não sem razão, enviou seus Anjos a convidar os pastores da região de Belém para serem os primeiros a adorá-Lo no presépio. E Ele Se apresenta como o Pastor Perfeito, pois é Aquele que dá a vida por suas ovelhas (Cf. Jo 10,11), conforme maravilhosamente comenta São Gregório Magno em sua Homilia nº 14.
Ao descer da barca, Jesus se compadece daquelas ovelhas sem pastor e passa a ensiná-las. Não as instruía, porém, só com palavras. Muito mais! Sobretudo se levarmos em conta seu cuidado pela alimentação de toda aquela multidão, tal como transparecerá no milagre da multiplicação dos pães e peixes, narrado nos versículos seguintes. Jesus comunicava sua graça, sua vida, seu amor. Quão inefável devia ser o desvelo d’Ele ao ensinar suas ovelhas, pois, mais do que dar a vida por elas, desejava ser a própria vida delas! Ele vive em cada uma das ovelhas que se deixam perpassar por sua graça, e está sempre pronto a auxiliá-las e oferecer-lhes os Sacramentos.
O governo pastoral
Neste mesmo versículo, Jesus se torna excelente exemplo para todo tipo de governo, quer seja familiar,  quer civil ou eclesiástico. Mas deste último, de maneira especial, pela forma toda paternal — quase se poderia dizer “maternal” — com que deve ser exercido: com enorme doçura e suavidade, grande empenho e dedicação.
Por isso, o governo eclesiástico é chamado “pastoral”, seus documentos são denominados “pastorais”, etc.
Belíssimas são as palavras de São Pedro a esse respeito: “Apascentai o rebanho de Deus que vos está confiado, tende cuidado dele, não à força, mas de boa vontade, segundo Deus; não por amor de lucro vil, mas por dedicação; não como tiranos daqueles que vos foram confiados, mas fazendo-vos modelo do rebanho. Quando o Príncipe dos Pastores aparecer, recebereis a coroa de glória que jamais murchará” (1 Pd 5, 2-4).
1) Confissões Livro 1, n. 31.
2) Suma Teológica I-II, q. 2, a.8.
3) In III Politicorum lect. 5, n. 387.
4) J. M. L. Brandão, “Diversidade de dons e um só Senhor”, in Arautos do Evangelho nº 50, fev. 2006, p. 32.
5) Cf. Suma Teológica, II-II, q.26, a. 13.
6) Juan de Maldonado SJ, Comentarios a los cuatro Evangelios, BAC, Madrid, 1951, v. II, p. 124.
7) Obras Completas, BAC, Madrid, 1946, p. 1200.
8) Echad las redes – Reflexiones sobre los Evangelios ciclo B, Edicep, 2003, p. 259.
9) Biblia Comentada, BAC, Madrid, 1964, v. II, p. 675.
10) Cf. Imitação de Cristo, Liv. I, c. 20, m.1.
11) El Evangelio Explicado, Ed. Acervo, Barcelona, 1966, vol. I, p. 664.
12 ) Cf. Pe. Andrés Fernández Truyols SJ, Vida de Nuestro Señor Jesucristo, BAC, Madrid, 1956, v. III, p. 335.
13) Apud São Tomás de Aquino, Catena Aurea, in Mc.


Nenhum comentário: