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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A confissão de Pedro III

Continuação do post " A confissão de Pedro"
Pedro repreende Jesus...
32 E falava destas coisas claramente. Pedro, tomando-O à parte, começou a repreendê-Lo.
Há um leque de interpretações a propósito deste episódio, desde as de autores calvinistas de mau espírito, como refere Maldonado, até as de santos e doutores. Para bem entendê-lo, devemos levar em conta a falta de conhecimento dos Apóstolos sobre a Paixão de Jesus. De fato, logo depois de ter proclamado a filiação divina do Mestre, não era nada fácil a Pedro ter de admitir a necessidade de sua condenação e morte, por mais que se falasse em ressurreição.
Realmente, nesta cena, se bem que não tenha sido Pedro quem falou, mas Simão, o filho de Jonas, não se pode negar que o tenha feito com enorme manifestação de benquerença. Os bons autores ressaltam o carácter afetuoso do gesto de Pedro. São Jerônimo, por exemplo, aponta essa circunstância, mostrando que Pedro pode ter errado “no sentido”, mas não no afeto (2). É nessa mesma linha que Beda explica: “Disse isso, levado por seu afeto e bons desejos, como se quisesse dizer: Isso não pode ser! E os meus ouvidos se recusam a ouvir que o Filho de Deus há de ser morto” (3).
Jesus admoesta Pedro
33 Mas Jesus, voltando-Se e olhando para os seus discípulos, repreendeu Pedro, dizendo: “Retira-te daqui, Satanás, que não aprecias as coisas de Deus, mas sim as dos homens”.
A própria dramaticidade empregada pelo Divino Mestre, nessa reprimenda, é didática, pois, assim, melhor conformou a mentalidade dos Apóstolos a um messianismo redentor através da dor. Essa é a opinião de São João Crisóstomo:
“Como é que São Pedro, tendo sido favorecido por uma revelação de Deus, caiu tão rápido e perdeu sua estabilidade? Diremos que não é motivo de espanto ele ignorar isso. Sabia por revelação que Cristo era Filho de Deus vivo, mas ainda não lhe tinha sido revelado o mistério da Cruz e da Ressurreição. [Jesus] então, para manifestar ser conveniente que Ele chegasse até a Paixão, repreendeu Pedro”.
E por que Jesus chama Pedro de Satanás?Assim responde Fr. Manuel de Tuya OP: “Naturalmente, não é que Pedro o fosse, nem que Satanás o influenciasse (1Jo 13,2), mas sim porque sua afirmação era digna da missão de Satanás, a qual consistia em desfazer a autêntica obra messiânica, o que já havia pretendido fazer nas ‘tentações’ do deserto. Por isso, a sugestão de Pedro a Jesus, que surge transbordante de afeto, é para Ele ‘escândalo’: tropeço, obstáculo, pois, a segui-la, seria boicotada a obra messiânica do Pai: o messianismo espiritual de morte de cruz. Pedro, com isso, não olhava ‘as coisas de Deus, mas sim as humanas’ (Mt- Mc)” (5).
 As condições para seguir Cristo
34 Depois, chamando a Si o povo com os seus discípulos, disse-lhes: Se alguém quer seguir-Me, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me. 35 Porque quem quiser salvar a sua vida, a perderá; mas quem perder a vida por amor de Mim e do Evangelho, salva-la-á”.
Esta afirmação tão categórica exige de nossa parte uma especial análise e degustação, por ser repetida, ademais, nos outros Evangelhos (cf. Mt 10, 38-39; Lc 17, 33; Jo 12, 25). Aqui se encontram as condições para sermos verdadeiros discípulos de Cristo.
1. “Se alguém quer...” — Depende de nossa livre vontade. Esperar por uma graça que realize em nós a plenitude de nossa salvação, sem o menor concurso de nossa vontade, é confundir Redenção com Criação, ou a vida eterna com a natural. Esse convite, evidentemente, deve receber uma resposta afirmativa de nossa parte. E é indispensável que seja fervorosa, pertinaz e contínua. Ou, por outra, não podemos nos esquecer um só segundo dessa determinação.
2. “...negue-se a si mesmo...” — A origem de todos os pecados encontra-se no amor desordenado a nós mesmos, em detrimento da verdadeira caridade. E o melhor remédio para essa terrível enfermidade é essa renúncia a nós mesmos, para encontrar-nos em Deus. Seu primeiro grau consiste no horror ao pecado mortal, preferindo morrer a consentir nessa aversão a Deus. O segundo diz respeito ao pecado venial consciente e deliberado. O terceiro incide sobre as imperfeições e o amor próprio, tão sorrateiro em imiscuir-se até na prática das virtudes. Ao se progredir neste último grau, maior se torna nossa liberdade interior, como também o gozo da paz e de consolações. Quem vive no oposto a esses três graus, ou não entendeu a grandeza deste convite, ou conscientemente o recusou.
3. “...tome sua cruz ...” — Há cruzes e cruzes! As extraordinárias se apresentam diante de nós em épocas de perseguição religiosa. São os suplícios e a própria morte. Devemos enfrentá-los tal qual o fizeram Jesus e todos os mártires, jamais renegando a nossa fé.
Outras haverá que são comuns a todos os tempos. Boa parte delas não são procuradas por nós, mas indesejadas, como por exemplo, as doenças, as debilidades da ancianidade, os rigores do clima, etc. Outras, ainda, são oriundas do acaso: as perdas financeiras, as desgraças, os contratempos, a pobreza, a incompreensão e o ódio gratuito da parte dos outros, perseguições, injustiças. Às vezes, são os efeitos do nosso próprio caráter, temperamento, inclinações, etc.
Como são numerosas as cruzes que surgem ao longo de nossa vida!... Não as podemos evitar; pelo contrário, temos obrigação de carregá-las. E a experiência nos mostra como elas se tornam mais pesadas sobre nossos ombros quando as conduzimos entre choramingos e lamúrias, ou, pior ainda, se contra elas nos revoltamos. Ademais, nestes casos diminuímos, ou até perdemos, os correspondentes méritos.
Por fim, há também as cruzes escolhidas livremente por nós. Abraçar a via do matrimônio, ou a de uma comunidade religiosa, ou ainda a de leigo solteiro vivendo cristãmente no mundo, significa compreender e desejar todos os sofrimentos que são correlatos a cada situação. O cumprimento perfeito de cada uma das exigências do respectivo estado de vida, a subordinação das paixões, o freio dos caprichos, a privação destas  ou daquelas comodidades, etc., constituem um campo florido de cruzes, inerentes ao caminho eleito por nossa deliberação. Sem contar a aridez, o tédio, o desgosto que de tempos em tempos nos assaltam ao longo da estrada percorrida por nós, e sem volta atrás. Mas se nossa decisão foi consciente e, sobretudo, se teve origem num sopro do Espírito Santo, jamais devemos nos arrepender. Muito pelo contrário, enchamo-nos de ânimo e até de entusiasmo, dando passos firmes rumo à meta final de nossa salvação.
4. “... e siga-Me” — Se empregássemos o melhor de nossos esforços, praticando os maiores sacrifícios para carregar nossa cruz, mas num caminho diferente do traçado por Jesus, não bastaria! É preciso abraçar a própria cruz, “por Ele, com Ele e n’Ele”. Na contemplação dos padecimentos da Paixão de Cristo, encontrarei as energias para carregar minha própria cruz.
Quanto a perder ou salvar a vida, comenta o Pe. Andrés Fernández Truyols SJ: “O que o Mestre quer gravar no coração de seus ouvintes é que devemos estar dispostos a passar por tudo, até mesmo a morte, desde que seja para salvar a alma. Porque de nada adianta ao homem ganhar o mundo todo se, no fim, vier a perder a sua alma, ou seja, se não alcançar a salvação eterna”.


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