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quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Tudo se obtém pela fé!

De volta do cativeiro na Babilônia, o povo judeu levou mais de um século para se reinstalar na Palestina (de 538 a.C. a 398 a.C.). Em certo período (aprox. em 458 a.C.), um segundo núcleo de retornados contou no seu meio com uma figura exponencial: Esdras. Entre suas várias iniciativas estava a de revigorar os costumes e preceitos prescritos por Moisés, de maneira muito especial os relativos aos casamentos mistos. Nessa ocasião foram excluídas de entre o povo judeu todas as mulheres cananéias, com seus respectivos filhos. Ademais, outro profeta, Neemias, tomado de santo zelo, em período posterior expulsou de Jerusalém os comerciantes da cidade de Tiro, assim como tomou severas medidas para separar o povo eleito dos estrangeiros.
COMENTÁRIO AO EVANGELHO
21 Partindo dali, Jesus retirou-Se para a região de Tiro e de Sidônia.
Os cananeus eram, portanto, um povo que de modo algum podia ser procurado pelos judeus, daí a perplexidade de alguns comentaristas, que buscam uma explicação mais cômoda para o conteúdo deste versículo. Maior é a perplexidade se lembrarmos que o próprio Jesus havia proibido a seus discípulos qualquer incursão em territórios dos gentios.
Na realidade o Divino Mestre penetrou naquelas terras para ocultar-Se e não para pregar. Porém, pelo fato de Ele permanecer ali várias semanas e, sobretudo, por ter se difundido amplamente sua fama, não demorou para que sua presença fosse percebida. Conforme nos relatam Marcos (3, 8) e Lucas (6, 17), alguns habitantes daquela região já haviam assistido à pregação de Jesus na Palestina. Além disso, é indispensável recordarmos o quanto o porte e grandeza do Homem-Deus tornavam-nO uma Pessoa que chamava possantemente a atenção logo num primeiro olhar. Daí a cena que veremos em seguida.
Uma mulher que rompe com os padrões errados vigentes
22 E eis que uma mulher Cananéia, que viera daqueles arredores, gritou: “Senhor, Filho de David, tem piedade de mim! Minha filha está cruelmente atormentada pelo demônio”.
Os comentaristas sublinham o carácter inesperado do aparecimento dessa senhora, como também seu profundo respeito pelo Mestre. Por que Mateus quis acentuar ser ela uma “cananéia”? Responde-nos Maldonado: “Crisóstomo notou que o Evangelista precisamente disse que aquela mulher era cananéia para que aparecesse mais admirável sua Fé, dado que os cananeus, na opinião dos judeus, eram os mais ímpios entre os gentios”.
Sobre a virtude dessa mulher, diz a Glosa: “Grande Fé se nota nessas palavras da Cananéia: ela crê na divindade de Cristo quando O chama de ‘Senhor’; e em sua humanidade quando Lhe diz: ‘Filho de Davi’” (7).
Alguns exegetas, tomados de admiração por essa proclamação da Cananéia, chegam a levantar a hipótese de que — nessa altura — ela já tivesse renunciado ao culto idolátrico tão difundido em Tiro e Sidônia. Filha de pais pagãos, rodeada de deuses falsos, quando seus relacionamentos sociais lhe impunham uma visualização errada sobre a religião, ela rompe com todos e abraça a verdadeira Fé. É heróica sua virtude, em meio à corrupção do mundo; seu coração é sincero e reto, isento de maldade e cheio de fervor. Que glória para essa mulher e que lição para os dias de hoje!
Vivemos submersos num pavoroso relativismo, conforme afirmou na Missa Pro Eligendo Romano Pontífice nosso Papa Bento XVI, gloriosamente reinante: “Quantos ventos de doutrina conhecemos nestes últimos decênios, quantas correntes ideológicas, quantos modos de pensamento!… A pequena barca do pensamento de muitos cristãos foi, não raro, agitada por essas ondas, lançada dum extremo ao outro: do marxismo ao liberalismo, até o ponto de chegar à libertinagem; do coletivismo ao individualismo radical; do ateísmo a um vago misticismo religioso; do agnosticismo ao sincretismo, e por aí adiante. Cada dia surgem novas seitas e realiza-se quanto diz São Paulo acerca do engano dos homens, da astúcia que tende a levar ao erro. Ter uma fé clara, segundo o Credo da Igreja, muitas vezes é classificado como fundamentalismo. Enquanto o relativismo, isto é, deixar-se levar ‘aqui e além por qualquer vento de doutrina’, aparece como a única atitude à altura dos tempos hodiernos. Vai-se constituindo uma ditadura do relativismo que nada reconhece como definitivo e que deixa como última medida apenas o próprio eu e as suas vontades”.
O mundo atual vem fazendo há muito um caminho contrário ao da Cananéia, ou seja, cada vez mais se paganiza e foge do Salvador. No fundo, estamos atravessando a pior crise de Fé já ocorrida na História, mergulhados num laicismo avassalador, verdadeira ameaça e desafio para a Igreja. Começou-se por levar uma vida em oposição ao que se acreditava, para aos poucos ir abolindo inteiramente a própria crença religiosa. Ora, a preciosa virtude da Fé necessita ser manifestada nos atos comuns e frequentes da vida, pois só exercitando-se ela pode se tornar robusta; caso contrário, tende a definhar. E não basta fazê-la consistir apenas em alguns atos e orações.
Esse é o exemplo que nos dá hoje a Cananéia. O foco de seu carinho, afeto e esperança era sua filha, que vinha sofrendo “cruelmente”, fazia tempo, o tormento de uma possessão diabólica. Seu instinto materno se tornava cada dia ainda mais intenso, ao considerar os padecimentos daquela que era carne de sua carne. Uma só era a dor dessas duas criaturas. Por isso, encontrando-se diante do Divino Taumaturgo, ela implora por si e pela filha.
Se ela estivesse influenciada pela mentalidade atéia e materialista de nosso tempo, decerto procuraria exclusivamente meios humanos para solucionar seu problema. Contudo, por sua grande Fé, agiu de forma bem diferente. Já ouvira falar do Filho de Davi o qual, percorrendo a Galiléia, curava todos os enfermos à sua passagem. Até os demônios eram expulsos por Ele. Inúmeras vezes penetrara sua alma o anseio de levar sua pobre filha à presença desse Senhor, ou até mesmo o desejo de ir sozinha à procura d’Ele. Mas a viagem lhe seria em extremo penosa, e talvez impossível, ainda que não levasse a filha consigo. Neste último caso, como deixá-la sem assistência durante um longo período? Impedida pelas circunstâncias de realizar seu sonho, não deixava, porém, de crer no poder do Filho de Davi, crescendo assim na Fé a cada instante. Ele seria o Senhor que concederia à sua filha a felicidade roubada pelo demônio. Ardia no seu coração o desejo de encontrá- lO e por isso rezava a fim de ter essa oportunidade.
Jesus se pusera ao alcance da Cananéia
Por seu lado, Jesus caminhava por aquelas plagas de maneira oculta. Não queria fosse pública sua presença, sobretudo em se tratando de domínios da gentilidade. Entretanto, Ele é a Bondade, e assim como está sempre pronto para ir em busca da ovelha desgarrada, assim também jamais foge de quem Lhe corre atrás. Não terá o Salvador resolvido penetrar nessa região para se colocar ao alcance dessa mulher tão valente na Fé?
Vemos um proceder muito característico de Jesus nesta cena. Retira-se do meio do povo eleito para tranquilizá-lo, tal qual o faz em muitas ocasiões com as almas preguiçosas, tíbias ou indiferentes. Em contrapartida, passa diante das almas fervorosas e atentas para que elas O descubram e assim se fixem na Fé, tomando-O como guia. Sim, de maneira inopinada e inimaginável, Jesus estava de passagem por regiões proibidas para os judeus. Só uma Fé incomum seria capaz de descobrir aquele Deus escondido, indo prostrar-se a seus pés e gritar por clemência.
Outro exemplo nos dá a Cananéia: com que sofreguidão se põe em busca do Filho de Davi, assim que ouve um minúsculo boato a respeito de sua presença ali. Bem diferente pode ser nossa Fé. Será que não nos custa abandonar nossas comodidades para ir ao encontro de Jesus, seja numa Celebração Eucarística, seja diante de um Tabernáculo? Não teremos recebido convites interiores de conversão e deixado passar as oportunidades por causa de injustificáveis e maléficas dilações? Quantos de nós, bem ao contrário da Cananéia, chegamos até a hora da morte inteiramente escravizados ao demônio, correndo o risco de permanecer eternamente no inferno!
Eram muito freqüentes, tanto entre os judeus como no meio dos pagãos, os casos de possessão diabólica, sendo as vítimas torturadas, não raras vezes, com terríveis e violentas convulsões. Daí ter a Cananéia se referido a sua filha empregando a expressão: “cruelmente atormentada”. O fato de intervir aos gritos e com insistência é próprio ao modo de ser oriental, além de demonstrar quanto o sofrimento da filha era agudo, constituindo um só com sua própria angústia.

Continua no próximo post.

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