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quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Tudo se obtém pela fé! (continuação)

Silêncio desconcertante
23 Ele, porém, não lhe respondeu palavra. Aproximando-se seus discípulos, pediram-Lhe: “Despede-a, porque vem gritando atrás de nós” .
Misterioso silêncio do Salvador, o que inflamava mais ainda o coração da angustiada mãe. Várias são as opiniões dos autores sobre este particular. A primeira impressão que se tem é a de que Jesus não desejava chamar atenção sobre Si, pelo fato de estar buscando isolamento, descanso e refúgio. Por outro lado, como Ele mesmo recomendara não utilizar os caminhos dos gentios, talvez fosse melhor não dar motivos para incompreensões ou calúnias.
Porém, a Glosa acentua um aspecto de suma importância sobre a causa dessa atitude do Divino Mestre: “Com essa dilação e falta de resposta, revela-nos o Senhor a paciência e a perseverança da mulher”. Melhor ainda se exprime a esse respeito Maldonado: “Parece-me que também por duas outras razões [Jesus] se calou: para provar a Fé e a constância da mulher ou para mostrar aos outros, como diz Crisóstomo, que ela teve Fé grande e especial, pois, desprezada e sem ouvir uma resposta, perseverou na súplica. Finalmente, quis Cristo fazer ver que, não por sua vontade, mas forçado e premido pelos importunos rogos da mulher, concedia a graça dos milagres aos gentios, embora não tenha sido enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel”.
O alto grau de dramaticidade da cena impeliu os discípulos a intercederem por ela. Na interpretação desse pormenor os Padres e demais comentaristas são inteiramente unânimes.
De fato, à medida que ela externava sua aflição por seus clamores ao longo do caminho, certamente seu empenho em obter aquele favor crescia pela Fé que se robustecia a cada grito. Jesus e os seus devem ter resolvido entrar na casa dela, a fim de evitar o escândalo que, com sua atitude, ela promovia pelas ruas. Assim se entende melhor quanto é apenas aparente a contradição a propósito deste detalhe, entre as narrações de Marcos (7,24-30) e a de Mateus. Estando já, portanto, na casa da Cananéia, e antes de ela arrojar-se aos pés do Divino Taumaturgo, os Apóstolos rogam por ela e obtêm-lhe uma resposta. Até então, Jesus nem sequer a olhara, opondo ao seu fervor uma indiferença própria a desanimar qualquer pessoa. Mas as palavras de Jesus talvez fossem ainda mais duras que o silêncio anterior. Difícil teste para a humildade daquela mãe
24 Ele respondeu: “Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel”.
Difícil é, à primeira vista, a compreensão dessa dura afirmação do Divino Mestre, mas, percorrendo-se os vários comentaristas, percebe-se a bela lógica da resposta, como, por exemplo, nestas palavras de São Jerônimo: “Não diz isso porque não houvesse sido enviado às demais nações, mas para indicar que fora primeiramente enviado a Israel e que, após ter este povo renegado o Evangelho, o Evangelho passaria com justiça aos gentios”.
Porém, não estava ao alcance da Cananéia essa explicação. Pode-se imaginar qual deve ter sido sua perplexidade ao ouvir aquela resposta. Sua natureza feminina, por si só já tendente à fragilidade, a inclinaria a perder o ânimo, sobretudo depois de um longo silêncio daquele Grande Senhor. Quantas mães, a essa altura, não teriam se retirado para chorar a sós ou em companhia de sua pobre filha, em meio a uma terrível depressão!
Para nós mesmos que ora consideramos essa cena, talvez não fosse necessário tanto para desistirmos de nosso intento. Não foi o que se passou com a Cananéia...
25 Ela, porém, veio e prostrou-se diante d’Ele, dizendo: “Senhor, valei-me”.
Quantas e quão boas virtudes demonstra possuir essa alma fervorosa! Se nós soubéssemos rezar com essa confiança e persistência, não obteríamos tudo o que pedimos? Quantas vezes deixamos de ser atendidos em nossas orações, pela falta de perseverança...
26 Ele respondeu: “Não é bom tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos”.
Parece-nos que, pari passu com o crescimento na Fé da Cananéia, mais duras se tornam as palavras do Salvador. Elas nos causam uma certa incompreensão e não serão raros os que com elas possam ficar chocados, sobretudo entre nós, ocidentais.
Sobre este versículo assim se expressa Fillion: “Fazem notar os comentaristas — e com razão — que Jesus emprega um diminutivo que significa não os animais vulgares, sem dono, semi-selvagens, que andam errantes pelas ruas dos povoados orientais, alimentando- se de vis desperdícios, senão dos ‘cachorrinhos’ domésticos, cuidados em casa e que participam dos jogos das crianças” (12) Como Marcos escrevia para um público étnico-cristão, acrescenta à narração dessa mesma passagem uma forte atenuante (7, 27). Por isso continua Fillion: “Ademais, ao dizer o Divino Mestre: ‘Deixa primeiro fartarem-se os filhos’, afirmava, sim, o direito de prioridade dos judeus no tocante aos benefícios do Messias; mas declarava também que não lhes era exclusivo e que um dia alcançaria os gentios”.

( continua no próximo post)

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