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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Convocação do Concílio Vaticano I: expectativas e oposições

“Oportet et haereses esse” (é necessário haver heresias), afirma São Paulo na primeira epístola aos coríntios (11, 19). Embora o princípio da infalibilidade pontifícia viesse sendo aceito, em geral, ao longo da História da Igreja, uma surda contestação começou a ganhar vitalidade no século XIX, época em que a influência do livre pensamento caminhava para um auge no mundo inteiro.
Nessas circunstâncias, o Espírito Santo inspirou ao grande Papa que então governava a nau de Cristo, a convocação de um Concílio. Em dezembro de 1864, o Beato Pio IX resolveu comunicar secretamente aos cardeais seu projeto, argumentando serem grandes as turbulências doutrinárias e morais e numerosos os erros que pretendiam introduzir-se na Igreja.
A Bula de convocação foi lançada anos mais tarde (29/6/1868), provocando entusiasmo em alguns e apreensão em outros. Da Cúria Romana nada extravasava da matéria a ser tratada, apesar da intensa atividade preparatória. Essa situação fazia crescer de muito a curiosidade e se intensificar uma certa agitação.
A explosão se tornou inevitável quando, em seu número de fevereiro de 1869, a famosa revista da Companhia de Jesus, “La Civiltà Cattolica”, noticiou que a definição do dogma da infalibilidade papal seria o tema principal do Concílio.
Tratava-se de um assunto inadmissível para as correntes de livre pensamento daqueles dias. Pela exigüidade de espaço, citamos apenas três reações dignas de nota: 1º) Um sacerdote alemão, o Pe. Inácio Döllinger (1799- 1890), professor de História Eclesiástica na Faculdade de Munique, lançou de imediato numerosos escritos contra o princípio da infalibilidade, constituindo-se líder do movimento de oposição.
2º) O príncipe Clodoveu de Hohenlohe, presidente dos Ministros da Baviera (naquele tempo um reino independente), interveio junto aos governos europeus, alarmando-os contra os “perigos” do Concílio.
3º) Em Fulda (setembro de 1869) reuniram-se os bispos alemães e elaboraram um comunicado ao Papa, declarando categoricamente a inoportunidade da proclamação do dogma.
Para se ter uma idéia do clima de efervescência reinante, basta mencionar que, no mesmo dia e hora em que no Vaticano se abria o Concílio, iniciava-se em Nápoles um anticoncílio, com a presença de 700 delegados do mundo inteiro. Em poucos dias esse conciliábulo se desfez, em razão da revolta do povo, escandalizado pelas blasfêmias proferidas ali contra Jesus Cristo e Maria.
Nenhuma pressão ou ameaça abalou o Beato Pio IX, resolvido a levar o Concílio até o fim.
Começa o Concílio
A 8 de dezembro de 1869 realizou-se a sessão inaugural do Concílio, na Basílica de São Pedro, com a participação de 764 prelados.
Entre os padres conciliares, formaram-se imediatamente dois grupos, o dos partidários e o dos adversários da infalibilidade pontifícia. Uma parte dos que se manifestavam contrários não contestava a doutrina em si, mas a oportunidade de sua definição. Sempre derrotada na contagem dos votos, a minoria anti-infalibilista não conseguiu frear os trabalhos, que celeremente preparavam a proclamação do dogma. Certas matérias obtiveram unanimidade de aceitação.
O Concílio Vaticano I teve quatro sessões públicas. A terceira delas — muito importante — promulgou a famosa Constituição Dogmática Dei Filius (Filho de Deus), aprovada pela totalidade dos padres conciliares, que tornava clara a doutrina da Igreja a respeito da supremacia da Fé sobre a Razão e das relações harmônicas entre ambas.
Essa doutrina constituiu um rude golpe contra vários erros dominantes naqueles dias, como o panteísmo, o materialismo, o ateísmo, o racionalismo, o positivismo e o kantismo.
A mais importante data do século XIX
A 18 de julho de 1870 realizou-se a quarta sessão do Concílio, com 540 participantes (o restante havia retornado a suas dioceses com autorização do Papa), e assim foi narrada pelos jornais:
“Entre as oito e as nove horas da manhã, dirigiram-se os Padres para a Basílica de São Pedro, e depois de revestidos com os ornamentos pontificais nas capelas destinadas para esse fim, e de ter adorado o Santíssimo Sacramento, encaminharam-se individualmente para a sala do concílio, tomando cada um o seu lugar do costume” (Jornal O Católico, apud J. M. Villefranche, Pio IX, sua vida, sua história e seu século).
Encerrado o cerimonial próprio para o ato - oração ao Espírito Santo, hinos, ladainhas, etc. - com a duração de mais de uma hora, ocorreu a votação dos padres conciliares presentes os quais, em sua quase totalidade (538 contra 2), aprovaram a definição do dogma. Os jornais da época prosseguem suas narrativas, escrevendo:
“Depois de ter tomado conhecimento do resultado dos votos, o Soberano Pontífice, de pé, com a mitra na cabeça, proclamou e sancionou com sua suprema autoridade, os decretos e os cânones da primeira Constituição Dogmática, a Pastor Aeternus.
“Dizem que o Papa quis falar logo depois do voto, mas nesse momento fez-se um tal rumor na assembléia, houve uma tal explosão de brados: ‘Viva Pio IX! Viva o Papa infalível!’ que o Santo Padre teve de esperar. Depois disse com voz solene:
“A autoridade do Soberano Pontífice é grande, mas não domina, edifica. Ela sustenta, e muitas vezes defende, os direitos de nossos irmãos, quero dizer, os direitos dos bispos. Que aqueles que não votaram conosco, saibam que votaram com a desordem, e recordem-se de que o Senhor é todo paz. Que se lembrem também de que há alguns anos concordavam com nossas idéias e com as desta grande assembléia. E então? Têm eles duas consciências e duas vontades a respeito da mesma coisa? Deus tal não permita. Nós suplicamos a Deus, o único que faz os grandes milagres, que ilumine seus espíritos e corações para que voltem ao seio de seu Pai, isto é, do Soberano Pontífice, indigno Vigário de Jesus Cristo, a fim de que os abrace, e que eles trabalhem conosco contra os inimigos da Igreja de Deus" (Idem, ibidem).
Continua....

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