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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

O amigo inoportuno

Retrocedamos dois mil anos de História, e analisemos de perto uma caravana avançando pelo deserto, sobre asnos ou camelos, em pleno dia ensolarado de tórrido verão. Poeira, sede, calor e cansaço são os companheiros a cada passo, tornando muito penosos os translados.

Esta era uma das razões pelas quais os orientais muitas vezes preferiam os deslocamentos noturnos, invertendo o período do sono.
Pelo contrário, o inverno oferece condições mais agradáveis para viagens diurnas: o sol aquece suavemente, o desgaste físico é menor e a necessidade de água não tão freqüente. A parábola de hoje se verifica numa noite de verão.
Aqueles tempos possuíam costumes bem mais simplificados em relação aos atuais e, sem aviso prévio, um amigo podia se apresentar à porta a qualquer hora do dia ou da noite. Caso a visita se desse durante o horário do sono, bastava estender uma esteira num canto da sala, que o hóspede ficaria muito contente.
Se sua fome fosse considerável, sobretudo no caso de não haver jantado, alguns pães com azeite de oliva e especiarias, eram suficientes para torná-lo alegre e satisfazer-lhe o apetite.
As casas não eram grandes e nem com muitos cômodos. Em geral, toda a família facilmente despertavam quem junto a ela dormia. É de dentro dessa moldura que devemos assistir à cena narrada pelo Salvador.

5 Disse-lhes mais: “Se algum de vós tiver um amigo, e for ter com ele à meia-noite para lhe dizer: Amigo, emprestame três pães, 6 porque um meu amigo acaba de chegar à minha casa de uma viagem e não tenho nada que lhe dar;

Jesus sempre se apóia em fatos comuns e frequentes da vida quotidiana para fazer entender aos seus ouvintes as profundas verdades da Fé. Portanto, o caso contido nestes versículos 5 a 8 provavelmente já se havia dado com vários dos circunstantes.

Devido à inteira organicidade do modo de ser daquela civilização, as pessoas procuravam aproveitar a luz do dia para seus afazeres e, quanto ao repouso, utilizavam para dormir as horas que iam desde o declínio ao nascer do sol. Por volta das nove da noite, o silêncio penetrava em todos os lares, chegando ao auge no período de meia-noite às três horas da madrugada. O “amigo” dessa parábola chega justamente na hora mais incômoda: é muito tarde para deitar- se e terrivelmente cedo para acordar. Mas, o inconveniente maior desse acontecimento estava no fato de não ter sobrado pão na despensa do anfitrião e a essas alturas não era mais possível matar um animal para levá-lo às brasas... A única saída era recorrer às reservas do vizinho.

O vilarejo inteiro se encontra submerso em profundo sono mas, logo às primeiras batidas, o dono da casa desperta e, sem se mover de sua esteira, ouve a demanda. Tratava-se de conceder três pães para quem estava à porta. Sobre o porquê de serem três, várias hipóteses tecem os autores, procurando atribuir sentidos simbólicos a este número. Na realidade, segundo os costumes da época, os pães tinham um tal tamanho que três faziam uma refeição normal de um adulto.
7 e ele respondendo lá de dentro, disser: Não me incomodes, a porta está agora fechada, os meus filhos e eu estamos deitados — não me posso levantar para tos dar.
A situação descrita é constrangedora. Não se sabe de quem se deve ter mais pena, se do anfitrião ou do pai de família. Reportando-nos aos costumes de então, não cabe dúvida estar este último numa posição de maior incômodo, pois todos os seus se encontravam alinhados nos respectivos leitos e, para chegar à despensa, sem luz elétrica, ele precisaria despertar cada um ou, eventualmente, pisar sobre este ou aquele... Portanto, era conveniente levantarem-se todos para executar tal operação. Ora, com um tal diálogo a altas vozes, não deveria haver um só na posse de seu sono a essas alturas. Faltava, aos vizinhos já despertos, somente boa vontade. Tratava-se, da parte destes, de mais um caso típico de mescla de preguiça com egoísmo, aí sim, característica de todas as épocas. Entretanto, torna-se claríssimo pela parábola que, apesar de sua má vontade, o pai de família acabou por se levantar, devido à importuna insistência de seu vizinho, disposto a entregar a este quantos pães quisesse.

8 Digo-vos que, ainda que ele não se levantasse a dar-lhos por ser seu amigo, certamente pela sua impertinência se levantará e lhe dará tudo aquilo de que precisar.

Jesus quer nos convencer sobre a importância da perseverança na oração. Ademais, ensina-nos a não termos timidez ou receio em nossos pedidos a Deus. Evidentemente, no relacionamento humano, as regras de etiqueta e boa educação devem ser observadas sempre. Porém, não se pode ter a menor retração ao entrarmos em conversação com Deus. Neste caso as normas de polidez são contraproducentes, pois Ele quer a ousadia de nossa parte, Ele deseja ser importunado por nós e fará por nós muitíssimo mais do que o pai de família fez por seu vizinho.

De fato, Deus jamais se cansa e nem pode ser incomodado, não dorme e nem faz esforços para se despertar, e está com as portas sempre abertas para nos atender, pronto a nos ouvir durante as vinte e quatro horas do dia. Nunca se irrita e, muito pelo contrário, se alegra com nossa insistência. Quando nossa obstinação atingir o grau máximo de importunidade, aí teremos triunfado em nossa oração.


Continua no próximo post.

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