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terça-feira, 8 de outubro de 2013

Evangelho XXVIII Domingo do Tempo Comum Ano C – 2013 - Lc 17, 11-19

  Continuação dos comentários ao Evangelho  XXVIII Domingo do Tempo Comum Ano C – 2013 Lc 17, 11-19
A gratidão de um só
15 “Um deles, ao perceber que estava curado, voltou glorificando a Deus em alta voz; 16 atirou-se aos pés de Jesus, com o rosto por terra, e lhe agradeceu. E este era um samaritano”.
Houve um, entretanto, que ao invés de caminhar rumo ao Templo, resolveu voltar para agradecer a Jesus, cantando as glórias de Deus e manifestando enorme alegria por ter encontrado Alguém em quem se apoiar e a quem seguir. Era aquele que contraíra não só a lepra física, mas também a lepra da alma. Se ele acompanhara inicialmente os outros doentes para se apresentar ao sacerdote, era apenas porque constituía uma sociedade com eles, pois, não sendo israelita, estava isento de tal obrigação. Sem embargo, a partir do momento em que foram curados, a comunidade perdia sua razão de ser e ele tornava-se aos olhos dos demais um estrangeiro infiel, um samaritano qualquer e, portanto, odiado e maltratado pelos judeus.
Vendo Nosso Senhor rodeado de gente, foi se aproximando d’Ele, abrindo com sua presença um vácuo de repugnância na aglomeração. Não obstante, enquanto ele avançava, todos puderam comprovar sua carnadura inteiramente modificada, pois, sem dúvida, como acontecera com Naamã — cuja cura é narrada pela primeira leitura deste domingo —, “a sua pele tornara-se como a de uma criança” (II Re 5, 14), alva, sem queimaduras do Sol, dando inclusive a impressão de que tinha engordado um tanto. Vendo a mudança, a multidão ficou impactada. Chegando perto do Divino Mestre, o samaritano prostrou-se por terra, em sinal de adoração.
Por cima do preceito legal de certificar a cura, a principal obrigação de todos era agradecer a quem os curara. Quando Nosso Senhor disse “ide apresentar-vos aos sacerdotes”, Ele não os proibiu de exprimir reconhecimento ao benfeitor. Deu-lhes apenas uma recomendação, não querendo ferir o livre-arbítrio dos leprosos por respeitar essa faculdade que nos é oferecida para escolhermos o bem,5 nem fazê-los perder o mérito que adquiririam pela gratidão. Todavia, desdenhando a oportunidade, os outros nove resolveram caminhar em rumo contrário ao de Jesus. Mais ainda, nada contradiz a hipótese de que regressaram mais tarde a sua vida normal, esquecendo-se por completo de quem os tinha beneficiado.
Culposa omissão
17 “Então Jesus lhe perguntou: ‘Não foram dez os curados? E os outros nove, onde estão? 18 Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, a não ser este estrangeiro?’ 19 E disse-lhe: ‘Levanta-te e vai! Tua fé te salvou’”.
A surpresa manifestada por Nosso Senhor tinha um intuito formativo sobre aqueles que O cercavam e leva-nos a fazer a seguinte reflexão: dez foram curados da lepra de modo miraculoso e, dentre estes, nove retornaram ao meio social em que viviam antes de contraírem a enfermidade. Pertencentes ao establishment local, ansiavam por reintegrar-se no ambiente mundano e davam mais importância ao entorno corrompido e no qual foram contagiados pela lepra, do que ao convívio com o Mestre. Essa era a gratidão do povo judeu, o mais favorecido entre todos, uma vez que o Messias viera em primeiro lugar para as “ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 15, 24)... Conforme ressalta Maldonado, “aqueles, como judeus, certamente deveriam ter-se mostrado mais agradecidos a Deus, como seu próprio nome lhes recordava; e, contudo, foram os mais ingratos; os que tinham motivo especial para reconhecer e receber a Cristo como seu libertador, que havia sido enviado propriamente para eles, eram os que pareciam conhecê-Lo menos que os outros”.6
Para eles, o episódio da cura operada por Nosso Senhor ficara para o passado. Hoje ignoramos seu paradeiro, pois desapareceram na História.
Pela falta de gratidão, é recusado um milagre ainda maior
Tal ingratidão em relação a Deus quiçá leve ao inferno, já que pode desencadear uma grande quantidade de outros pecados. “O primeiro grau de ingratidão”, ensina São Tomás de Aquino, “é a ausência de retribuição; o segundo é a dissimulação, ou seja, como que escondendo o fato de se ter recebido o benefício; e, finalmente o terceiro e mais grave consiste em não reconhecer o benefício, seja por esquecimento seja por qualquer outro modo”.7
É preciso, sobretudo, considerar que, além da lepra física, padeciam eles também de uma lepra moral chamada mundanismo, que os tornava cegos de Deus e fazia com que pusessem sua felicidade no prestígio social. O Mestre os curou da primeira para que pudessem, no momento de voltar e agradecer, serem curados da segunda. Entretanto, pela ingratidão, acentuaram ainda mais a lepra moral, se bem estivessem livres da física. Isso nos deve levar a refletir sobre o perigo de certos relacionamentos humanos que não nos aproximam de Jesus. Pode ser que em determinado momento tenhamos de Lhe retribuir algum dom ou favor e, infelizmente, nos esqueçamos desse dever por dar mais valor às amizades terrenas.
O samaritano é favorecido com outro milagre portentoso
No extremo oposto dessa postura encontra-se o décimo leproso, originário da Samaria, região habitada por um povo tisnado por séculos de infidelidade à verdadeira religião. Uma vez recuperada a saúde, ele não tinha a quem recorrer e, percebendo o grande bem que lhe fora feito, soube procurar a sociedade verdadeira. Ele não pediu o perdão de seus pecados, a salvação ou mesmo a entrada no Reino dos Céus, nem suplicou como o Bom Ladrão na cruz: “Senhor, lembra-te de mim quando entrares no teu Reino” (Lc 23, 42). Contudo, ele agradeceu e a partir deste ato de gratidão, Jesus o favoreceu com um milagre maior que a cura da lepra: o perdão dos pecados.
Quando obtemos um milagre e somos gratos, alcançamos outro maior que o pedido, pois Deus sabe das nossas necessidades. Esse duplo miraculado provavelmente seguiu Jesus por toda a parte e podemos conjecturar ser ele um dos santos que hoje povoam o Céu e gozam do convívio com a Santíssima Trindade. Os outros nove, de que sentença se tornaram merecedores? Não nos é dado conhecer o destino post-mortem das almas, mas quiçá tenham ido, pelo menos, ao Purgatório, por tamanha ingratidão... Por isso, quanto devemos temer o perigo acarretado para a vida espiritual por uma atitude semelhante à deles em relação aos bens recebidos do Salvador!
A lepra, enfermidade simbólica
Nesta passagem, Cristo nos mostra a lepra como uma doença simbólica, pois ela destrói o organismo e deforma a beleza do semblante. Ora, muito pior que a lepra física é a espiritual contraída por quem comete um pecado mortal. Se a lepra física desfaz o corpo, a do espírito enfeia a alma, a torna repulsiva aos olhos de Deus e faz com que a pessoa se torne escrava de suas más tendências e paixões. O leproso físico era expulso da sociedade, enquanto o espiritual é retirado de uma sociedade muito mais excelente, a divina, pela privação da graça santificante, das virtudes, dos dons, de todo o organismo sobrenatural e, sobretudo, da inabitação da Santíssima Trindade. “A lei dos judeus considera a lepra como uma enfermidade imunda, e a Lei do Evangelho não considera imunda a lepra externa, mas sim a interna”.8 A lepra física é contagiosa, característica verificada também na da alma, pois a pessoa que abraça as vias do pecado acabará causando escândalos que levarão outros à ruína espiritual. Se a lepra física, depois de uma vida infeliz, levava à morte, a lepra do pecado amargura a existência e conduz a uma morte muito mais terrível: a eterna infelicidade, no inferno. A lepra física atinge apenas o corpo, mas se o doente enfrentar a situação com cristã resignação e espírito sobrenatural progredirá na virtude, podendo vir a ser santo. O pecado, embora possa ser cometido sem suficiente noção da gravidade de suas consequências, destrói a vida divina na alma, que é sua maior beleza, dano muito pior do que destruir a formosura do corpo e a saúde.
Continua no próximo post


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