Continuação dos comentários ao Evangelho XXVIII Domingo do Tempo
Comum Ano C – 2013 – Lc
17, 11-19
A gratidão de um só
15 “Um
deles, ao perceber que estava curado, voltou glorificando a Deus em
alta voz; 16 atirou-se aos pés de Jesus, com o rosto por terra, e
lhe agradeceu. E este era um samaritano”.
Houve um, entretanto, que ao invés de caminhar rumo ao
Templo, resolveu voltar para agradecer a Jesus, cantando as glórias
de Deus e manifestando enorme alegria por ter encontrado Alguém em
quem se apoiar e a quem seguir. Era aquele que contraíra não só a
lepra física, mas também a lepra da alma. Se ele acompanhara
inicialmente os outros doentes para se apresentar ao sacerdote, era
apenas porque constituía uma sociedade com eles, pois, não sendo
israelita, estava isento de tal obrigação. Sem embargo, a partir do
momento em que foram curados, a comunidade perdia sua razão de ser e
ele tornava-se aos olhos dos demais um estrangeiro infiel, um
samaritano qualquer e, portanto, odiado e maltratado pelos judeus.
Vendo Nosso Senhor rodeado de gente, foi se aproximando
d’Ele, abrindo com sua presença um vácuo de repugnância na
aglomeração. Não obstante, enquanto ele avançava, todos puderam
comprovar sua carnadura inteiramente modificada, pois, sem dúvida,
como acontecera com Naamã — cuja cura é narrada pela primeira
leitura deste domingo —, “a sua pele tornara-se como a de uma
criança” (II Re 5, 14), alva, sem queimaduras do Sol, dando
inclusive a impressão de que tinha engordado um tanto. Vendo a
mudança, a multidão ficou impactada. Chegando perto do Divino
Mestre, o samaritano prostrou-se por terra, em sinal de adoração.
Por cima do preceito legal de certificar a cura, a
principal obrigação de todos era agradecer a quem os curara. Quando
Nosso Senhor disse “ide apresentar-vos aos sacerdotes”,
Ele não os proibiu de exprimir reconhecimento ao benfeitor. Deu-lhes
apenas uma recomendação, não querendo ferir o livre-arbítrio dos
leprosos por respeitar essa faculdade que nos é oferecida para
escolhermos o bem,5 nem fazê-los perder o mérito que adquiririam
pela gratidão. Todavia, desdenhando a oportunidade, os outros nove
resolveram caminhar em rumo contrário ao de Jesus. Mais ainda, nada
contradiz a hipótese de que regressaram mais tarde a sua vida
normal, esquecendo-se por completo de quem os tinha beneficiado.
Culposa omissão
17 “Então Jesus lhe
perguntou: ‘Não foram dez os curados? E os outros nove, onde
estão? 18 Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, a não
ser este estrangeiro?’ 19 E disse-lhe: ‘Levanta-te e vai! Tua fé
te salvou’”.
A surpresa manifestada por Nosso Senhor tinha um intuito
formativo sobre aqueles que O cercavam e leva-nos a fazer a seguinte
reflexão: dez foram curados da lepra de modo miraculoso e, dentre
estes, nove retornaram ao meio social em que viviam antes de
contraírem a enfermidade. Pertencentes ao establishment local,
ansiavam por reintegrar-se no ambiente mundano e davam mais
importância ao entorno corrompido e no qual foram contagiados pela
lepra, do que ao convívio com o Mestre. Essa era a gratidão do povo
judeu, o mais favorecido entre todos, uma vez que o Messias viera em
primeiro lugar para as “ovelhas perdidas da casa de Israel”
(Mt 15, 24)... Conforme ressalta Maldonado, “aqueles, como
judeus, certamente deveriam ter-se mostrado mais agradecidos a Deus,
como seu próprio nome lhes recordava; e, contudo, foram os mais
ingratos; os que tinham motivo especial para reconhecer e receber a
Cristo como seu libertador, que havia sido enviado propriamente para
eles, eram os que pareciam conhecê-Lo menos que os outros”.6
Para eles, o episódio da cura operada por Nosso Senhor
ficara para o passado. Hoje ignoramos seu paradeiro, pois
desapareceram na História.
Pela falta de gratidão, é
recusado um milagre ainda maior
Tal ingratidão em relação a Deus quiçá leve ao
inferno, já que pode desencadear uma grande quantidade de outros
pecados. “O primeiro grau de ingratidão”, ensina São Tomás
de Aquino, “é a ausência de retribuição; o segundo é a
dissimulação, ou seja, como que escondendo o fato de se ter
recebido o benefício; e, finalmente o terceiro e mais grave consiste
em não reconhecer o benefício, seja por esquecimento seja por
qualquer outro modo”.7
É preciso, sobretudo, considerar que, além da lepra
física, padeciam eles também de uma lepra moral chamada mundanismo,
que os tornava cegos de Deus e fazia com que pusessem sua felicidade
no prestígio social. O Mestre os curou da primeira para que
pudessem, no momento de voltar e agradecer, serem curados da segunda.
Entretanto, pela ingratidão, acentuaram ainda mais a lepra moral, se
bem estivessem livres da física. Isso nos deve levar a refletir
sobre o perigo de certos relacionamentos humanos que não nos
aproximam de Jesus. Pode ser que em determinado momento tenhamos de
Lhe retribuir algum dom ou favor e, infelizmente, nos esqueçamos
desse dever por dar mais valor às amizades terrenas.
O samaritano é favorecido com
outro milagre portentoso
No extremo oposto dessa postura encontra-se o décimo
leproso, originário da Samaria, região habitada por um povo tisnado
por séculos de infidelidade à verdadeira religião. Uma vez
recuperada a saúde, ele não tinha a quem recorrer e, percebendo o
grande bem que lhe fora feito, soube procurar a sociedade verdadeira.
Ele não pediu o perdão de seus pecados, a salvação ou mesmo a
entrada no Reino dos Céus, nem suplicou como o Bom Ladrão na cruz:
“Senhor, lembra-te de mim quando entrares no teu Reino”
(Lc 23, 42). Contudo, ele agradeceu e a partir deste ato de gratidão,
Jesus o favoreceu com um milagre maior que a cura da lepra: o perdão
dos pecados.
Quando obtemos um milagre e somos gratos, alcançamos
outro maior que o pedido, pois Deus sabe das nossas necessidades.
Esse duplo miraculado provavelmente seguiu Jesus por toda a parte e
podemos conjecturar ser ele um dos santos que hoje povoam o Céu e
gozam do convívio com a Santíssima Trindade. Os outros nove, de que
sentença se tornaram merecedores? Não nos é dado conhecer o
destino post-mortem das almas, mas quiçá tenham ido, pelo menos, ao
Purgatório, por tamanha ingratidão... Por isso, quanto devemos
temer o perigo acarretado para a vida espiritual por uma atitude
semelhante à deles em relação aos bens recebidos do Salvador!
A lepra, enfermidade simbólica
Nesta passagem, Cristo nos mostra a lepra como uma
doença simbólica, pois ela destrói o organismo e deforma a beleza
do semblante. Ora, muito pior que a lepra física é a espiritual
contraída por quem comete um pecado mortal. Se a lepra física
desfaz o corpo, a do espírito enfeia a alma, a torna repulsiva aos
olhos de Deus e faz com que a pessoa se torne escrava de suas más
tendências e paixões. O leproso físico era expulso da sociedade,
enquanto o espiritual é retirado de uma sociedade muito mais
excelente, a divina, pela privação da graça santificante, das
virtudes, dos dons, de todo o organismo sobrenatural e, sobretudo, da
inabitação da Santíssima Trindade. “A lei dos judeus
considera a lepra como uma enfermidade imunda, e a Lei do Evangelho
não considera imunda a lepra externa, mas sim a interna”.8 A
lepra física é contagiosa, característica verificada também na da
alma, pois a pessoa que abraça as vias do pecado acabará causando
escândalos que levarão outros à ruína espiritual. Se a lepra
física, depois de uma vida infeliz, levava à morte, a lepra do
pecado amargura a existência e conduz a uma morte muito mais
terrível: a eterna infelicidade, no inferno. A lepra física atinge
apenas o corpo, mas se o doente enfrentar a situação com cristã
resignação e espírito sobrenatural progredirá na virtude, podendo
vir a ser santo. O pecado, embora possa ser cometido sem suficiente
noção da gravidade de suas consequências, destrói a vida divina
na alma, que é sua maior beleza, dano muito pior do que destruir a
formosura do corpo e a saúde.
Continua no próximo post
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