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quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Evangelho XXX Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013

Comentários ao Evangelho 30º Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013
                                                                                           Mons João Clá Dias
Evangelho - Lc 18, 9-14
Oração do publicano
9 Disse também esta parábola a uns que confiavam em si mesmos por se considerarem justos, e desprezavam os outros: “Subiram dois homens ao templo a fazer oração: um era fariseu e o outro publicano. O fariseu, de pé, orava no seu interior desta forma: Graças Te dou, ó Deus porque não sou como os outros homens, ladrões, injustos, adúlteros; nem como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de tudo o que possuo. O publicano, porém, conservando-se à distância, não ousava nem sequer levantar os olhos ao céu, mas batia no peito dizendo: Meu Deus, tende piedade de mim, pecador. Digo-vos que este voltou justificado para sua casa e o outro não; porque quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado” (Lc 18, 9-14).

Quando é inútil rezar?

Se quisermos ter certeza de que nossa oração é atendida por Deus, devemos imitar o modo de rezar do publicano, humilhando-nos diante dEle e pedindo perdão por nossos pecados.
O orgulho: causa de todos os vícios
Oração do fariseu
Serpentes! Raça de víboras!” Eis alguns dos títulos saídos dos divinos lábios de Jesus para designar os fariseus. Nesse mesmo capítulo (23) de Mateus, estão agrupadas as principais recriminações de que foram objeto: eram “hipócritas”, despojavam as viúvas, fechavam as portas do Reino do Céu, transformavam seus prosélitos em filhos do inferno, eram “insensatos guias de cegos”, “sepulcros caiados”, herdeiros da maldição pelo “sangue inocente derramado sobre a terra”.
Na realidade, foram eles os mais ferrenhos opositores ao Reino de Deus, trazido pelo Messias. E apesar de as provas a respeito do Reino serem numerosas e evidentes, eles não só as rejeitavam como, se lhes era possível, silenciavam-nas ou ofereciam malévolas interpretações às mesmas.
Em suas almas, onde estaria fixada a raiz desse terrível pecado contra o Espírito Santo?
A mais perigosa das vaidades
Os fariseus tiveram uma origem virtuosa, quando procuraram se separar daqueles que se deixavam influenciar pelo mundano relativismo propagado pela Grécia, por volta de duzentos anos antes de Cristo. Porém, por falta de vigilância e ascese, como não raras vezes acontece, caíram numa das mais perigosas vaidades: a que se junta ao desejo de perfeição.
Ao abraçar as vias da santidade, é indispensável ao cristão colocar o interesse de Deus acima de toda a criação, como também, devotar aos interesses do próximo uma atenção maior do que aos seus, de ordem pessoal, e estes, confiá-los à Providência Divina, tal como ensina o salmista: “Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao vosso nome dai glória” (Sl 113, 1).
Esqueceram-se os fariseus ser necessário pôr um freio em seu ânimo, para evitar sua imoderada exacerbação, praticando, assim, a essencial virtude da humildade, tal como a define São Tomás de Aquino: “A humildade reprime o apetite, para que ele não busque grandezas além da reta razão” 1. “Importa que conheçamos o que nos falta, em comparação com o que excede nossa capacidade. É próprio, pois, da humildade, como norma e diretriz do apetite, conhecer as próprias deficiências” 2.
Na ausência da virtude da humildade, lento mas profundo e fatal foi o processo de uma separação dos demais, em princípio boa e até necessária, para metamorfosear-se numa supervalorização de suas autênticas ou supostas qualidades morais. É suficientemente ilustrativo desse estado de alma, ouvir estas palavras, saídas dos lábios de um rabino, e recolhidas pelo Talmud: “Dizia R. Jeremias, chamado Simão, filho de Jochai: Eu posso compensar os pecados do mundo todo, desde o dia em que nasci até hoje; e se meu filho Eleazar morresse, poderia livrar todos os homens que existiram no mundo, desde a sua criação até hoje. E se estivesse conosco Jotan, filho de Uzias, poderíamos fazer isso de todos os pecados, desde a criação do mundo até o seu final [...]. Via os filhos do banquete divino, e eram poucos. Se fossem mil, meu filho e eu estaríamos entre eles; se fossem apenas dois, seríamos meu filho e eu” 3.
Quem se deixa levar pelo orgulho não respeita limites
Uma vez perdida a humildade, pela vã complacência consigo, o orgulho nos fariseus — como em qualquer caso — não mais respeitou nenhum limite. Ensoberbecido, colocou-se no centro do universo, exaltando as próprias qualidades. Não só desprezava as do próximo, como buscava exagerar os defeitos deste, sendo que às vezes o fariseu os possuía em maior grau.
Devido à sua incontida jactância, ele invariavelmente tinha razão em suas opiniões. Os fracassos sempre se davam pelo fato de não o terem procurado para consulta. Se muitos discordavam do fariseu, no fundo era porque — segundo ele — a sabedoria pertence a uma minoria seleta. Se todos eram unânimes com ele, sentia-se o dirigente. Se houvesse uma autoridade à qual ele devesse submissão, procuraria dominá-la, porém, como na maioria das vezes isto não era fácil, partia ele para a censura, a crítica e a sabotagem, acabando por ingressar pelas vias da desobediência. Ademais, sempre se manifestava ingrato, pois qualquer benefício que se lhe fizesse seria um ato de pura justiça e, por isso, nunca agradecia.
Como todo orgulhoso, o fariseu, ao se constituir o foco das atenções, não tolerava quem não girasse ao seu redor e, tomado de inveja, fomentava discórdias sempre que as circunstâncias as exigissem, lançando mão, inescrupulosamente, de detrações, calúnias, etc.
Nos fariseus, a hipocrisia se soma ao orgulho
Em essência, ele era um ególatra, mas, por sua refinada hipocrisia, apresentava-se respeitoso diante de Deus e justo em relação aos homens. Como nem sempre conseguia ocultar alguns de seus vícios evidentes, negava que assim o fossem.
Pobre fariseu! Não se dava conta dos males que despencavam sobre ele, pelo fato de procurar a glória onde não existia. Não percebia ele, o quanto o vício da soberba é o primeiro, não só em se manifestar exteriormente, como também em ser discernido por todos, com rapidez. Ele morreria, talvez, sem tê-lo explicitado, mas aqueles que com ele conviviam já o haviam catalogado.
Como poderia corrigir-se o fariseu desse defeito, uma vez que não queria reconhecer-se vítima de tão grave mal? Já se tinha por santo... Era-lhe muito difícil converter-se, pois tal como diz Santa Teresa, a humildade é a verdade 4.
Ser-lhe-ia indispensável que se visse, e até se sentisse, tal qual era; que discernisse claramente a procedência dos lados bons e maus de sua alma. Se assim fosse, reconheceria o bem que havia nele, para de imediato atribuí-lo a Deus. Da mesma forma, ao constatar sua maldade própria, suas faltas e seus pecados, atribui-los-ia à sua vontade deteriorada e perversa. Impostando assim, seu espírito, com flexibilidade admitiria que sem o auxílio da graça, o cristão não só deixa de cumprir de modo estável os Mandamentos da Lei de Deus, como até mesmo, é incapaz de pronunciar uma palavra boa. Ele jamais falaria de si próprio ou de suas virtudes e, se por razões de força maior, fosse obrigado a fazê-lo, imitaria São Paulo: “Gratia Dei sum id quod sum” — “Pela graça de Deus, sou o que sou” (1 Cor 15, 10).
Se entrasse por essas vias, seu “interior seria luminoso” porque seu olho seria limpo (cf. Mt 6, 22); já não mais teria vendadas suas vistas pelo amor próprio. Discerniria a presença de Deus a cada passo, em todas as circunstâncias de sua vida e, por outro lado, não faria ilusões sobre a debilidade, as inclinações e a malícia da criatura humana.
Faltava ao fariseu aprender com Santa Teresa o quanto é necessário andar na verdade: “Certa vez eu estava considerando a razão pela qual Nosso Senhor era tão amigo dessa virtude da humildade, e ocorreu-me — na minha opinião, sem ponderações, mas de repente — o seguinte: é porque Deus é a suprema Verdade, e a humildade consiste em andar na verdade; e é uma verdade muito grande saber que em nós nada há de bom, mas só miséria e nada; e quem assim não entenda, anda na mentira. E quem mais assim entenda agrada mais à suprema Verdade, porque nela anda” 5.
Se esse caminho trilhasse o fariseu, jamais poria sua confiança em si próprio, mas só em Deus, submetendo-se em tudo à Sua santíssima vontade. Teria para com os outros uma real caridade, como recomenda São Tomás de Aquino: “Devemos não só reverenciar a Deus em Si mesmo, mas também o que é de Deus, em toda e qualquer pessoa” 6 . “Pode alguém, sem falsidade, ‘reconhecer-se e mostrar-se como o mais indigno de todos’, levando em conta os defeitos ocultos que traz em si mesmo e os dons de Deus ocultos nos outros. Por isso, Agostinho diz: Estimai, interiormente, superiores os que vos são, exteriormente, inferiores. Do mesmo modo, sem fingimento, pode alguém se confessar e se acreditar indigno e inútil para tudo, pelas forças próprias, atribuindo a Deus toda a sua capacidade, conforme se diz: ‘Não é por causa de uma capacidade pessoal, que poderíamos atribuir a nós mesmos, que somos capazes de pensar; é de Deus que vem a nossa capacidade’” 7. Por isso mesmo, o fariseu, ao constatar os progressos espirituais realizados por auxílio da graça, na prática da virtude, deveria considerá-los como relativos, e reconhecer o quanto poderia ter correspondido mais aos dons de Deus.

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