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segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Evangelho XIX Domingo Tempo Comum - Ano C - 2013



  Continuação dos comentários ao Evangelho 29º Domingo do Tempo Comum – Ano C – 2013 (Lc, 18, 1-8) - Mons João Clá Dias

 Mas, depois disse consigo: Ainda que eu não tema a Deus nem respeite os homens, todavia, visto que esta viúva me importuna, far-lhe-ei justiça, para que não venha continuamente importunar- me.
A ressonância é um fenômeno físico que tem se mostrado poderoso até em relação a pontes sólidas e robustas. Aquele bater contínuo e ritmado sobre uma superfície rígida, ameaça toda a sua constituição. Há na psicologia humana uma reversibilidade dessa figura: a insistência importuna. A viúva não dava sossego ao juiz , obrigando-o a saltar de dentro de sua inação para, entre dois incômodos — ou ter de lhe dar ganho de causa, ou encontrá-la suplicante a toda hora —, escolher o menor. Ele ficou enfarado e, para evitar revê-la a todo instante, resolveu atender ao seu pedido. O motivo que o levou a tomar tal decisão não foi nada nobre, nem elegante, mas a viúva não se acanhou e nem se deixou tomar pelo respeito humano; seu único empenho era de obter um justo pronunciamento.
Essa parábola retrata, de passagem, alguns aspectos daquela jurisprudência consuetudinária. Apesar das variações em confronto com o Direito Processual vigente nos países ocidentais, o caso imaginado pelo Divino Mestre nos é inteiramente assimilável, não necessitando de nenhuma adaptação. Em vista de sua fácil compreensão, Jesus passa diretamente à aplicação.
O Supremo Juiz e as almas escolhidas
Ouvi o que diz este juiz iníquo. E Deus não fará justiça aos seus escolhidos, que a Ele clamam dia e noite, e tardará em socorrê-los?”
O contraste é um ótimo instrumento de didática. Jesus se serve das reacções de um julgador iníquo face à obstinada insistência da fragilidade feminina, para compará-las às atitudes do Supremo Juiz. Se um homem mau pratica uma boa ação para deixar de ser importunado, quanto mais não fará Deus, a Bondade em substância? Muito diferentemente da parábola, na aplicação trata-se do Verdadeiro Juiz, o qual é a própria Dadivosidade. Por outro lado, quem pede não é uma importuna viúva mas sim os escolhidos de Deus. Estes não são indesejáveis. Ao contrário, a eles cabem os títulos de “privilegiados”, “amigos” e “fiéis”.
Jesus focaliza de maneira especial os escolhidos, neste versículo. Quem são eles? Aqueles que amam e temem a Deus, seus servidores, os quais vivem no estado de graça, lastimam-se de suas fraquezas e se penitenciam de suas faltas, purificando-se no divino perdão. Com o avanço claro e firme da Teologia, pode-se afirmar serem eleitos todos os fiéis, conforme declara São Pedro: “Vós, porém, sois uma geração escolhida, um sacerdócio real, uma nação santa, um povo adquirido por Deus” (I Ped 2, 9).
Supõe-se erroneamente que um eleito jamais cometeria uma falta, e seu espírito nada teria de comum com a miséria. Não é real! A debilidade é útil para realçar o poder de Deus: “Porque é na fraqueza que o meu poder se manifesta por completo”, diz Nosso Senhor a São Paulo, o qual, por sua vez, complementa: “Portanto, de boa vontade me gloriarei nas minhas fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo” (II Cor 12, 9).
Esses eleitos são aqueles que, muitas vezes, “sofrem perseguição por amor à justiça” (Mt 5,10) e, não tendo a quem recorrer nesta terra, voltam-se para Deus, rogando socorro, amparo e proteção. E com frequência, assim procedem dia e noite. Tal será que o juiz iníquo da parábola atenda ao clamor da viúva, e Deus, sendo Pai, não ouça as súplicas de seus amigos eleitos!
Mas, poderá alguém se perguntar, quando atenderá Deus a essas preces? Sem demora, conforme está no versículo 8: “Digo-Vos que depressa lhes fará justiça.”
Mas quando vier o Filho do Homem, porventura encontrará fé sobre a terra?
Esta frase causou uma certa dificuldade de interpretação a numerosos exegetas. Alguns afirmam ser a parábola e sua respectiva aplicação referentes aos acontecimentos do fim do mundo.
Em concreto, essa vinda do Filho do Homem tanto poderá significar a parusia (volta gloriosa de Nosso Senhor Jesus Cristo no fim dos tempos), quanto uma notável intervenção d’Ele em benefício de seus eleitos.
Encontrará Ele a fé sobre a terra?
Jesus nos descreve com detalhes os acontecimentos imediatamente próximos ao fim do mundo (Mt 24, 3-51), e nesse seu discurso encontramos elementos a respeito da raridade da fé ao longo dos últimos dias: “Porque se levantarão falsos cristos e falsos profetas, e farão grandes milagres e prodígios, de tal modo que, se fosse possível, até os eleitos seriam enganados” (Mt 24, 24). Conclui-se facilmente ser a fé perseverante desses atribulados fiéis cheios de confiança na bondade de Deus, em sua intervenção e poder. Fé paciente nas adversidades, transbordante de amor a Deus e por isso contínua na súplica, calorosa de esperança em obter logo o que pede.
A essa pergunta feita pelo próprio Jesus: “encontrará fé sobre a terra?”, não nos deixou Ele resposta alguma. Seus ouvintes devem ter saído pensativos à busca de elementos para melhor entender seu significado, e um tanto estimulados a fazerem um exame de consciência. Erroneamente julgaríamos ser essa pergunta dirigida apenas aos circunstantes. Ela nos atinge também a nós, ao lermos o Evangelho de hoje. Se Jesus viesse a nós na época atual, encontraria Ele fé sobre a face da terra?
VIGILÂNCIA E ORAÇÃO
Constituía um verdadeiro sonho, para todo judeu, a implantação de um reino messiânico, de caráter político, sobre a terra. O anseio constante dos israelitas era o de ver seu povo dominando sobre as outras nações. Os próprios Apóstolos, em ocasiões diversas, procuravam saber do Divino Mestre se não havia chegado a hora para a implantação dessa nova era.
A parábola do juiz e da viúva se insere bem exatamente nas considerações a esse propósito. Nos versículos anteriores (Lc 17, 20-37), Jesus discorre sobre o Reino de Deus estendido a todos os homens pela vinda do Salvador, já presente entre eles. Adverte os circunstantes a respeito de quanto é indispensável estarem prevenidos para o grande dia do Juízo, dado que não se pode saber sua data. Sobre a vigilância, impossível haver melhores conselhos.
Mas só esta não é suficiente: “Vigiai e orai para que não entreis em tentação”, disse Nosso Senhor (Mt 26, 41). Faltava uma palavra de incentivo à oração. Daí a “parábola para mostrar que importa rezar sempre e não cessar de o fazer”.
Esse “sempre” não significa que devemos rezar a cada segundo das vinte e quatro horas do dia, mas torna-se indispensável manter uma continuidade moral, uma incansável frequência na oração. Esse “sempre” pode ser sinônimo de “vida inteira”. “Não cessar de o fazer”, apesar dos atrasos em ser atendido, enfrentando ou não obstáculos, na saúde ou na enfermidade, na consolação ou na aridez.
 Ninguém pode se dispensar da oração
Não julguemos tratar-se aqui de um simples conselho de Jesus. Não! É um preceito, uma obrigação, ninguém pode se dispensar da oração. E quanto mais se sobe na vida interior, maior será o dever e constância da prece.
Vigiai e orai, diz-nos o Divino Mestre, e São Paulo insistirá: “Permanecei vigilantes na oração” (Col 4, 2) e “Orai sem interrupção” (I Tes 5, 17). Nossa própria natureza tisnada pelo pecado exige de nós essa postura face à oração; e, mais ainda, assim nos manda proceder a Santa Igreja, conforme determina o Concílio de Trento: “Deus não manda impossíveis; e ao mandar-nos uma coisa, determina-nos fazer o que podemos e pedir-Lhe o que não podemos, bem como ajuda para poder”.
Por outro lado, o atendimento da parte de Deus será completo. Ele não olha para o tipo de necessidade, nem para a origem ou o tamanho da mesma, pois nada Lhe é impossível. Acontecimentos, ameaças, riscos, homens, demônios, etc., tudo está nas mãos d’Ele e bastará um ínfimo ato de sua vontade para resolver qualquer problema. Porém, não nos esqueçamos de que se quisermos nos lançar contra uma dificuldade, usando exclusivamente de nossos dons naturais e forças, não estará aí engajada a palavra de Deus! É preciso importuná-Lo! Ele assim o exige. Ainda mais, é preciso ser incessante e fazer-Lhe uma espécie de “pressão moral”, sem nos cansarmos.
A contínua oração dos eleitos, em meio às dificuldades clamando a seu Pai, é infalível! Ademais, consideremos a absoluta necessidade da oração, no que diz respeito à salvação eterna, conforme as calorosas palavras de um grande Doutor da Igreja, Santo Afonso Maria de Ligório:
Terminemos este ponto, concluindo, de tudo quanto dissemos, que quem ora certamente se salva e quem não ora por certo será condenado. Todos os bem-aventurados, excepto as crianças, salvaram-se pela oração. Todos os condenados perderam-se por não orarem; se tivessem rezado não se teriam perdido. E este é e será no inferno o maior desespero, poderem ter alcançado a salvação com tanta facilidade quando bastava pedir a Deus as graças necessárias, e agora esses miseráveis não têm tempo de pedir.”
Lembremo-nos do maternal conselho de Maria: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2, 5). Com essas palavras, Ela nos confirma ainda mais, ao encerrarmos os comentários ao Evangelho de hoje, o quanto é indispensável rezar sempre. E se quisermos ser atendidos em maior profusão e prontamente, façamo-lo por intermédio de sua poderosa intercessão. Assim, estaremos agradando a Jesus que se tornará ainda mais propício às nossas súplicas.


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