Continuação dos comentários ao Evangelho 29º Domingo do Tempo Comum – Ano C – 2013 (Lc, 18, 1-8) - Mons João Clá Dias
Mas, depois disse consigo: Ainda que eu não
tema a Deus nem respeite os homens, todavia, visto que esta viúva me
importuna, far-lhe-ei justiça, para que não venha continuamente
importunar- me.

Essa parábola retrata, de passagem, alguns
aspectos daquela jurisprudência consuetudinária. Apesar das
variações em confronto com o Direito Processual vigente nos países
ocidentais, o caso imaginado pelo Divino Mestre nos é inteiramente
assimilável, não necessitando de nenhuma adaptação. Em vista de
sua fácil compreensão, Jesus passa diretamente à aplicação.
O Supremo Juiz e as almas escolhidas
“Ouvi
o que diz este juiz iníquo. E Deus não fará justiça aos seus
escolhidos, que a Ele clamam dia e noite, e tardará em socorrê-los?”
O contraste é um ótimo instrumento de
didática. Jesus se serve das reacções de um julgador iníquo face
à obstinada insistência da fragilidade feminina, para compará-las
às atitudes do Supremo Juiz. Se um homem mau pratica uma boa ação
para deixar de ser importunado, quanto mais não fará Deus, a
Bondade em substância? Muito diferentemente da parábola, na
aplicação trata-se do Verdadeiro Juiz, o qual é a própria
Dadivosidade. Por outro lado, quem pede não é uma importuna viúva
mas sim os escolhidos de Deus. Estes não são indesejáveis. Ao
contrário, a eles cabem os títulos de “privilegiados”, “amigos”
e “fiéis”.
Jesus
focaliza de maneira especial os escolhidos, neste versículo. Quem
são eles? Aqueles que amam e temem a Deus, seus servidores, os quais
vivem no estado de graça, lastimam-se de suas fraquezas e se
penitenciam de suas faltas, purificando-se no divino perdão. Com o
avanço claro e firme da Teologia, pode-se afirmar serem eleitos
todos os fiéis, conforme declara São Pedro: “Vós,
porém, sois uma geração escolhida, um sacerdócio real, uma nação
santa, um povo adquirido por Deus”
(I Ped 2, 9).
Supõe-se erroneamente que um eleito jamais
cometeria uma falta, e seu espírito nada teria de comum com a
miséria. Não é real! A debilidade é útil para realçar o poder
de Deus: “Porque é na fraqueza que o meu poder se manifesta por
completo”, diz Nosso Senhor a São Paulo, o qual, por sua vez,
complementa: “Portanto, de boa vontade me gloriarei nas minhas
fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo” (II Cor 12,
9).
Esses eleitos são aqueles que, muitas vezes,
“sofrem perseguição por amor à justiça” (Mt 5,10) e, não
tendo a quem recorrer nesta terra, voltam-se para Deus, rogando
socorro, amparo e proteção. E com frequência, assim procedem dia e
noite. Tal será que o juiz iníquo da parábola atenda ao clamor da
viúva, e Deus, sendo Pai, não ouça as súplicas de seus amigos
eleitos!
Mas,
poderá alguém se perguntar, quando atenderá Deus a essas preces?
Sem demora, conforme está no versículo 8: “Digo-Vos
que depressa lhes fará justiça.”
Mas quando vier o Filho do Homem, porventura
encontrará fé sobre a terra?
Esta frase causou uma certa dificuldade de
interpretação a numerosos exegetas. Alguns afirmam ser a parábola
e sua respectiva aplicação referentes aos acontecimentos do fim do
mundo.
Em concreto, essa vinda do Filho do Homem tanto
poderá significar a parusia (volta gloriosa de Nosso Senhor Jesus
Cristo no fim dos tempos), quanto uma notável intervenção d’Ele
em benefício de seus eleitos.
Encontrará Ele a fé sobre a terra?
Jesus nos descreve com detalhes os
acontecimentos imediatamente próximos ao fim do mundo (Mt 24, 3-51),
e nesse seu discurso encontramos elementos a respeito da raridade da
fé ao longo dos últimos dias: “Porque se levantarão falsos
cristos e falsos profetas, e farão grandes milagres e prodígios, de
tal modo que, se fosse possível, até os eleitos seriam enganados”
(Mt 24, 24). Conclui-se facilmente ser a fé perseverante desses
atribulados fiéis cheios de confiança na bondade de Deus, em sua
intervenção e poder. Fé paciente nas adversidades, transbordante
de amor a Deus e por isso contínua na súplica, calorosa de
esperança em obter logo o que pede.
A
essa pergunta feita pelo próprio Jesus: “encontrará
fé sobre a terra?”,
não nos deixou Ele resposta alguma. Seus ouvintes devem ter saído
pensativos à busca de elementos para melhor entender seu
significado, e um tanto estimulados a fazerem um exame de
consciência. Erroneamente julgaríamos ser essa pergunta dirigida
apenas aos circunstantes. Ela nos atinge também a nós, ao lermos o
Evangelho de hoje. Se Jesus viesse a nós na época atual,
encontraria Ele fé sobre a face da terra?
VIGILÂNCIA E ORAÇÃO
Constituía um verdadeiro sonho, para todo
judeu, a implantação de um reino messiânico, de caráter político,
sobre a terra. O anseio constante dos israelitas era o de ver seu
povo dominando sobre as outras nações. Os próprios Apóstolos, em
ocasiões diversas, procuravam saber do Divino Mestre se não havia
chegado a hora para a implantação dessa nova era.
A parábola do juiz e da viúva se insere bem
exatamente nas considerações a esse propósito. Nos versículos
anteriores (Lc 17, 20-37), Jesus discorre sobre o Reino de Deus
estendido a todos os homens pela vinda do Salvador, já presente
entre eles. Adverte os circunstantes a respeito de quanto é
indispensável estarem prevenidos para o grande dia do Juízo, dado
que não se pode saber sua data. Sobre a vigilância, impossível
haver melhores conselhos.
Mas
só esta não é suficiente: “Vigiai
e orai para que não entreis em tentação”,
disse Nosso Senhor (Mt 26, 41). Faltava uma palavra de incentivo à
oração. Daí a “parábola para mostrar que importa rezar sempre e
não cessar de o fazer”.
Esse “sempre” não significa que devemos
rezar a cada segundo das vinte e quatro horas do dia, mas torna-se
indispensável manter uma continuidade moral, uma incansável
frequência na oração. Esse “sempre” pode ser sinônimo de
“vida inteira”. “Não cessar de o fazer”, apesar dos atrasos
em ser atendido, enfrentando ou não obstáculos, na saúde ou na
enfermidade, na consolação ou na aridez.
Ninguém
pode se dispensar da oração
Não julguemos tratar-se aqui de um simples
conselho de Jesus. Não! É um preceito, uma obrigação, ninguém
pode se dispensar da oração. E quanto mais se sobe na vida
interior, maior será o dever e constância da prece.
“Vigiai
e orai”,
diz-nos o Divino Mestre, e São Paulo insistirá: “Permanecei
vigilantes na oração”
(Col 4, 2) e “Orai
sem interrupção”
(I Tes 5, 17). Nossa própria natureza tisnada pelo pecado exige de
nós essa postura face à oração; e, mais ainda, assim nos manda
proceder a Santa Igreja, conforme determina o Concílio de Trento:
“Deus não manda impossíveis; e ao mandar-nos uma coisa,
determina-nos fazer o que podemos e pedir-Lhe o que não podemos, bem
como ajuda para poder”.
Por outro lado, o atendimento da parte de Deus
será completo. Ele não olha para o tipo de necessidade, nem para a
origem ou o tamanho da mesma, pois nada Lhe é impossível.
Acontecimentos, ameaças, riscos, homens, demônios, etc., tudo está
nas mãos d’Ele e bastará um ínfimo ato de sua vontade para
resolver qualquer problema. Porém, não nos esqueçamos de que se
quisermos nos lançar contra uma dificuldade, usando exclusivamente
de nossos dons naturais e forças, não estará aí engajada a
palavra de Deus! É preciso importuná-Lo! Ele assim o exige. Ainda
mais, é preciso ser incessante e fazer-Lhe uma espécie de “pressão
moral”, sem nos cansarmos.
A contínua oração dos eleitos, em meio às
dificuldades clamando a seu Pai, é infalível! Ademais, consideremos
a absoluta necessidade da oração, no que diz respeito à salvação
eterna, conforme as calorosas palavras de um grande Doutor da Igreja,
Santo Afonso Maria de Ligório:
“Terminemos
este ponto, concluindo, de tudo quanto dissemos, que quem ora
certamente se salva e quem não ora por certo será condenado. Todos
os bem-aventurados, excepto as crianças, salvaram-se pela oração.
Todos os condenados perderam-se por não orarem; se tivessem rezado
não se teriam perdido. E este é e será no inferno o maior
desespero, poderem ter alcançado a salvação com tanta facilidade
quando bastava pedir a Deus as graças necessárias, e agora esses
miseráveis não têm tempo de pedir.”
Lembremo-nos
do maternal conselho de Maria: “Fazei
tudo o que Ele vos disser”
(Jo 2, 5). Com essas palavras, Ela nos confirma ainda mais, ao
encerrarmos os comentários ao Evangelho de hoje, o quanto é
indispensável rezar sempre. E se quisermos ser atendidos em maior
profusão e prontamente, façamo-lo por intermédio de sua poderosa
intercessão. Assim, estaremos agradando a Jesus que se tornará
ainda mais propício às nossas súplicas.
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