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segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Evangelho XXXI Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 - Lc 19, 1-10

Continuação dos comentários ao Evangelho 31º Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 - Lc 19, 1-10

Nosso Senhor fixa seu olhar no publicano
5a “Quando Jesus chegou ao lugar, olhou para cima e disse: ‘Zaqueu, desce depressa!’”.
Paremos por um instante para imaginar a cena. Como fizera ao curar o cego à entrada da cidade, Jesus se detém diante da árvore onde se encontra Zaqueu e lhe dirige um olhar pervadido de bondade. O povo se aglomera, curioso de ver o que ia suceder, talvez na expectativa de que o Mestre tomasse uma atitude de censura em relação ao cobrador de impostos. Entretanto, em lugar de repreendê-lo, Jesus chama-o afetuosamente pelo nome, e o manda descer.
Por sua ciência humana, Nosso Senhor não conhecia ainda esse publicano. Entretanto aqui revela não ignorar quem ele era, nem as virtudes que começavam a despontar em sua alma. Muito a propósito, comenta São Cirilo: “Cristo já contemplara aquela cena com seus olhos de Deus, e ao levantar as vistas, fitou essa pessoa com os olhos da carne. E como seu objetivo é que todos os homens se salvem, estendeu a esse homem sua bondade”.11
Qual não teria sido a surpresa do publicano quando ouviu pronunciar seu próprio nome! E quão grande sua alegria!” — observa o padre Truyols.12 E Jesus ainda lhe infundiu maior ânimo e confiança ao dizer-lhe “desce depressa”, pois, no acertado juízo do padre Tuya, “há nessas palavras um anseio espiritual por conquistá-lo”.13
É curioso notar que Zaqueu nada diz a Jesus. A julgar pelo relato evangélico, limita-se a olhá-Lo com enlevo e veneração, enquanto escuta, jubiloso, suas palavras.
Hoje vou hospedar-Me na tua alma”
5b“‘Hoje Eu devo ficar na tua casa’”.
Como se isso não bastasse, o Divino Mestre toma a iniciativa de convidar-Se à residência de Zaqueu, contrariando os costumes. Mas, observa Santo Ambrósio, Jesus “sabe que quem O acolhe como hóspede receberá uma abundante recompensa, e acontece que, embora não tivesse ouvido ainda seu convite, havia já lido em seu coração”.14 Enfrentando todas as murmurações que poderia suscitar sua presença na casa de um publicano, Nosso Senhor anuncia sua visita “de um modo ao mesmo tempo régio e familiar”.15
O episódio confirma que nada atrai mais as graças de Deus do que um espírito tomado pela admiração. Com certeza, afirma Maldonado, “Cristo chamou Zaqueu porque notava a disposição de sua alma e a diligência posta por ele para conseguir vê-Lo passar”.16 E Santo Agostinho comenta: “Quem considerava grande e inefável felicidade o fato de vê-Lo passar, mereceu imediatamente tê-Lo em casa. Infunde-se a graça, atua a fé por meio do amor, recebe-se em casa Cristo, que habitava já no coração”.17
Importa determo-nos nas palavras “na tua casa”. Sem dúvida, referia-Se Nosso Senhor à residência de Zaqueu, a qual precisava ser posta em ordem para acolhê-Lo. Para o chefe dos cobradores de impostos, isso não era difícil, pois, pela sua posição social, deveria receber com frequência visitas importantes. Não lhe faltariam criados nem recursos para isso.
Mas, do ponto de vista sobrenatural, é como se Jesus Se comunicasse com Zaqueu de olhar a olhar, de coração a coração, dizendo-lhe: “Hoje vou hospedar-Me na tua alma”. Portanto, a “casa” significa aqui também a alma que deve estar preparada para acolher o Senhor.
A admiração traz alegria
6 “Ele desceu depressa, e recebeu Jesus com alegria”.
Diante da misericordiosa iniciativa do Redentor, Zaqueu manifesta-se disposto a em tudo obedecer. Tomado de entusiasmo, “fez o que lhe mandava Cristo, e do modo como este lhe ordenara. Acabava de dizer-lhe que descesse depressa, e depressa desceu. Isso é corresponder à graça: seguir prontamente Aquele que chama, sem demora nem pretextos”.18
Mais ainda, aquele homem recebe Jesus “com alegria”, pois ao sentir-se inteiramente interpretado e compreendido por quem lhe é superior, sua alma se enche de júbilo e se abre para a fé. Vemos, assim, como a admiração é excelente antídoto para a má tristeza que leva ao desânimo. Quando, à semelhança de Zaqueu, nos sentimos atraídos por Jesus e procuramos ocasiões para encontrá-Lo — seja no Sacramento da Eucaristia, seja através dos seres criados — Ele nos recompensa vindo à nossa casa, isto é, entrando em nosso convívio e enchendo-nos de graças, muitas vezes sensíveis.
Surpresa e incompreensão da opinião pública
7 “Ao ver isso, todos começaram a murmurar, dizendo: ‘Ele foi hospedar-Se na casa de um pecador!’”.
Tomados de ódio contra aquele publicano, os presentes “não puderam vencer seus preconceitos, apesar de pouco antes terem dado glória a Deus pela cura do cego, operada por Jesus”,19 e começaram a murmurar contra Ele.
É importante notar que São Lucas afirma serem “todos”, e não apenas alguns, os que recriminavam Jesus por ir hospedar-Se na casa de um “pecador”. Esta palavra, sublinha o padre Tuya, “tinha para eles o sentido de um homem imerso em toda impureza ‘legal’, que neste caso podia ser também moral, devido às suas extorsões no exercício do cargo”.20 Entrar na residência de um cobrador de impostos significava, para os judeus de então, macular-se e atrair sobre si a maldição de Deus.
Essa rejeição à atitude de Jesus carecia, entretanto, de qualquer fundamento. Não havia ensinado já o Divino Mestre, em disputa contra os fariseus, que não viera “chamar à conversão os justos, mas sim os pecadores” (Lc 5, 32)? Bem conclui Santo Agostinho: querer impedir Jesus de visitar o lar do publicano equivalia “a censurar o médico por entrar na casa do enfermo”.21
Jesus, como observa o padre Truyols, não fez caso dessas murmurações. “Ele era o Bom Pastor, que viera ao mundo em busca da ovelha perdida. Para encontrá-la e reconduzi-la ao redil aceitara o convite do publicano Levi, deixara-Se tocar pela pecadora e não ignorava que a aparente delicadeza de consciência daqueles que reprovavam seu proceder não era senão um disfarce de refinado orgulho e de cruel egoísmo”.22
Submissão e generosidade de Zaqueu
8a “Zaqueu ficou de pé, e disse ao Senhor: ‘Senhor, eu dou a metade dos meus bens aos pobres...’”.
Este versículo mostra o quanto o publicano havia preparado a “casa” de sua alma para bem receber o Messias. Chegado àquela residência, Jesus deve ter Se recostado à moda oriental em um divã, e seria inusual que o anfitrião não fizesse o mesmo. Ora, Zaqueu permaneceu de pé, em sinal de submissão, veneração e reconhecimento da superioridade do seu Hóspede, no qual talvez vislumbrasse rasgos de divindade.
Nessas alturas, ele já deseja mudar de vida, converter-se, abandonando seus erros e pecados. De fato, inúteis teriam sido todas as graças recebidas, se não conduzissem a esse desfecho. “Jesus, o doce e misericordioso Salvador dos pecadores, era inexorável na luta contra o pecado. Exigia daqueles que queriam segui-Lo, e daqueles aos quais dispensava favores ou perdoava crimes, o propósito de romper definitivamente com todo e qualquer pecado”.23
O fato de Zaqueu dispor-se a dar aos pobres a metade dos seus bens prova sua sinceridade e boa-fé. Entretanto, Fillion vai mais longe, ao tomar esse gesto “como uma recordação da honra que lhe fizera Jesus, e como manifestação de que, com fé inquebrantável, O considerava o Messias prometido”.24
8b “‘...e, se defraudei alguém, vou devolver quatro vezes mais’”.
Contudo, a conversão do publicano não teria sido completa sem o desejo de reparar os males que fizera. Pois o pecado de roubo exige, além de pedir perdão a Deus, a restituição dos bens indevidamente adquiridos.
Enlevado pela contemplação da Justiça em substância, que ante ele Se encontrava, Zaqueu manifesta a disposição de cumprir essa obrigação com largueza: “Se defraudei alguém, vou devolver quatro vezes mais”. Sua generosa atitude revela verdadeira dor pelo pecado e uma retidão de alma fruto da conversão obtida pela graça.
Esta passagem do Evangelho nos proporciona um valioso princípio para o apostolado: as autênticas conversões se conquistam sempre despertando nas almas a admiração por Nosso Senhor Jesus Cristo.
Apesar da falta de méritos, é justificado por Nosso Senhor
9 “Jesus lhe disse: ‘Hoje a salvação entrou nesta casa, porque também este homem é um filho de Abraão. 10 Com efeito, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido’”.
Nosso Senhor usa aqui a palavra “casa” também num sentido mais profundo, referindo-se, como vimos, à alma do anfitrião. Pois “foi nesse momento que a fé de Zaqueu, sua obediência, seu desinteresse e sua caridade fizeram dele um verdadeiro filho de Abraão”.25 Assim, ao afirmar “hoje a salvação entrou nesta casa”, Jesus declara solenemente que esse homem está perdoado.
Antes de se encontrar com o Divino Mestre, Zaqueu era um pecador que corria atrás do lucro, por vezes ilícito. Entretanto a graça introduziu em sua alma o desejo de ver aquele que “veio procurar e salvar o que estava perdido”, e o publicano correspondeu.
Buscar Nosso Senhor, subir na árvore, descer depressa ao ser chamado, receber com alegria e atender com generosidade: eram sintomas da aceitação das graças recebidas. Para consumar a conversão, faltava apenas Zaqueu reconhecer seus pecados, pedir perdão e manifestar-se disposto a reparar o mal. Foi isso o que ele fez na presença de Jesus.
A admiração transforma
Em certo sentido, todos somos Zaqueus. Estando nesta vida em estado de prova, a qualquer momento pode Nosso Senhor passar diante nós e nos chamar, servindo-Se de uma leitura, uma conversa, uma pregação, ou quiçá por meio de uma moção interior da graça.
Como responderemos nós se, como ao publicano, Ele nos disser: “desce depressa, porque hoje vou hospedar-Me em tua casa”? “Saberemos imitar a generosidade de Zaqueu e, antecipando-nos à admoestação do Senhor, responder-Lhe com espontânea prontidão: ‘doravante, quero firmemente não pecar mais’?”.26
Tudo dependerá da admiração que tivermos.
O caminho da conversão do publicano, narrado nesta passagem do Evangelho, começou com um mero sentimento de curiosidade para com aquele Homem do qual ele tanto ouvira falar. Mas, pela ação da graça, logo se transformou em desejo de conhecê-Lo, falar-Lhe e estar com Ele, dando início ao processo que haveria de torná-lo um verdadeiro “filho de Abraão”.
Como Zaqueu, assim devemos reagir também nós, fugindo das multidões e subindo na “árvore da admiração” para melhor contemplar o Divino Mestre. Porque quem está tomado de verdadeiro enlevo, escuta a palavra do Senhor, observa seus preceitos e enfrenta todas as dificuldades para segui-Lo, até o fim.
Árduo seria avaliar até que ponto são profundas as consequências desse voltar-se enlevado para o que é superior, se não fosse São Tomás de Aquino nos ensinar: “A primeira coisa que então [ao atingir o uso da razão] ocorre ao homem pensar é deliberar sobre si mesmo. E se se ordenar ao fim devido, conseguirá pela graça a remissão do pecado original”.27 Ou seja, derramam-se sobre ele os mesmos efeitos do Batismo sacramental!28
Essa ousada afirmação do Doutor Angélico é analisada em profundidade por Garrigou-Lagrange, segundo o qual, se um menino não batizado e educado entre os infiéis, ao chegar ao pleno uso da razão amar eficazmente “o bem honesto por si mesmo e mais do que a si mesmo”, estará justificado. “Por quê? Porque desse modo ama eficazmente a Deus, autor da natureza e soberano bem, confusamente conhecido; amor eficaz que no estado de queda não é possível senão pela graça, que eleva e cura”.29
Com efeito, na admiração pelo bem o homem se torna semelhante ao objeto de seu enlevo. Pelo contrário, ao fechar-se em si mesmo, julgando encontrar nisso a felicidade, enche a alma de amargura, tristeza e frustração, pois a desvia de sua finalidade suprema que é Deus. “Fizeste-nos, Senhor, para ti, e nosso coração estará inquieto enquanto não repousar em ti”,30 ensina o grande Santo Agostinho.
Através do enlevo pelos reflexos do Criador, a exemplo de Maria, Mãe de todas as admirações, melhor nos identificaremos com Jesus, modelo perfeitíssimo de todos os homens. Terá entrado, assim, a salvação em nossa casa, pela porta da admiração!


1 Cf. KELLER, Helen Adams. A história de minha vida. Rio de Janeiro: José Olympio, 1940, p.248-249.
2 SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, I-II, q.3, a.8, resp. Ver também q.32, a.8, resp.: “A admiração é um certo desejo de saber, que surge no homem porque vê o efeito e ignora a causa; ou porque a causa de certo efeito excede o conhecimento ou a potência de conhecer”.
3 TUYA, OP, Manuel de. Biblia comentada. Evangelios. Madrid: BAC, 1964, v.II, p.889.
4 SAN CIRILO DE ALEJANDRÍA. Comentario al Evangelio de Lucas, 19, 2, apud ODEN, Thomas C. e JUST Jr., Arthur A. La Biblia comentada por los Padres de la Iglesia – Nuevo Testamento, San Lucas. Madrid: Ciudad Nueva, 2000, v.III, p.392.
5 DUQUESNE. L ’Évangile medité. Lyon-Paris: Perisse Frères, 1849, p.309.
6 Respeitamos aqui a ordem cronológica da exposição de São Lucas, sem entrar na discussão exegética sobre se a cura do cego aconteceu realmente à entrada ou à saída da cidade.
7 Cf. DUQUESNE, op. cit., p.309.
8 WILLAM, Franz Michel. A vida de Jesus no país e no povo de Israel. Petrópolis: Vozes, s/d, p.338.
9 DUQUESNE, op. cit., p.311.
10 MALDONADO, SJ, Juan de. Comentarios a los cuatro Evangelios. Evangelios de San Marcos y San Lucas. Madrid: BAC, 1951, v.II, p.752.
11 SAN CIRILO DE ALEJANDRÍA, op. cit., p.392.
12 FERNÁNDEZ TRUYOLS, SJ, Andrés. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. 2.ed. Madrid: BAC, 1954, p.490.
13 TUYA, OP, op. cit., p.889.
14 SANCTUS AMBROSIUS. Expositio Evangelii secundum Lucam. l.8, 82: PL: 15, 1791.
15 FILLION, Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. Vida pública. Madrid: Rialp, s/d, v.II, p.457.
16 MALDONADO, SJ, op. cit., p.753.
17 SANCTUS AUGUSTINUS HIPPONENSIS. Sermo 174, c.IV: PL 38, 942.
18 MALDONADO, SJ, op. cit., p.753.
19 GOMÁ Y TOMÁS, Isidro. El Evangelio explicado. Barcelona: Casulleras, 1930, v.III, p.398.
20 TUYA, OP, op. cit., p.889.
21 SANCTUS AUGUSTINUS HIPPONENSIS. Sermo 174, c.V: PL 38, 943.
22 FERNÁNDEZ TRUYOLS, SJ, op. cit., p.490.
23 KOCH, SJ, Anton; SANCHO, Antonio. Docete. Formación básica del predicador y del conferenciante. La gracia. Barcelona: Herder, 1953, t.IV, p.303.
24 FILLION, op. cit., p.457.
25 DUQUESNE, op. cit., p.314.
26 KOCH, SJ; e SANCHO, op. cit., p.304.
27 SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., I-II, q. 89, a.6. Cf. Idem, III, q.66, a.11, ad.2 e q.68, a.2.
28 GARRIGOU-LAGRANGE, Réginald. El Sentido Común, la Filosofía del ser y las fórmulas dogmáticas. Buenos Aires: Desclée de Brouwer, 1944, p.338-339.
30 SANTO AGOSTINHO. Confissões, L.I, c.1.
"Maria, Mãe de Deus" - Mosteiro do Monte da Tentação, Jericó (Israel)

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