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quarta-feira, 14 de maio de 2014

Evangelho V Domingo da Páscoa – Ano A – Jo 14, 1-12

Continuação dos comentários ao Evangelho V Domingo da Páscoa – Ano A – Jo 14, 1-12
IV – Jesus revela a Sua divindade
São Filipe
7 “Se Me conhecêsseis, também certamente conheceríeis meu Pai; mas desde agora O conheceis e já O vistes”. Filipe disse-Lhe: “Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta”. Jesus disse-lhe: “Há tanto tempo que estou convosco, e ainda não Me conheces, Filipe? Quem Me viu, viu também o Pai. Como dizes, pois, mostra-nos o Pai? Não acreditais que Eu estou no Pai e que o Pai está em Mim? As palavras que vos digo, não as digo por Mim mesmo. O Pai, que está em Mim, faz as suas obras”.
Se os Apóstolos tivessem reconhecido toda divindade que havia no Homem que lhes falava, se discernissem Sua única personalidade, dar-se-iam conta da unidade de natureza que O ligava ao Pai. Não chegavam eles, entretanto, a penetrar esse profundo mistério da consubstancialidade entre o Filho e o Pai. É nesse episódio que Jesus os faz imergir nessa maravilha inatingível sequer pela pura e natural inteligência angélica, confidenciando-lhes essa revelação em plena intimidade, ao mesmo tempo em que lhes infunde graus de fé mais elevados em Sua divindade, e como conseqüência pervade suas almas das consolações daí resultantes.
Ali estava diante deles o Filho que, sendo homem, possui duas naturezas: uma humana, semelhante a nós com exceção da Pessoa, e a outra divina, pela qual é igual a Seu Pai. Mas, como poderiam eles descerrar os densos véus de tal arcano? Bem pondera São João Crisóstomo a esse propósito: Como que dizendo: “Se conhecêsseis minha substância e dignidade, conheceríeis também a de meu Pai”. Pois, embora O conhecessem, não era como convinha, até que, com a vinda do Espírito Santo, O conheceram de uma maneira perfeita. Por esta razão, continua: “E desde agora já O conheceis (referese ao conhecimento intelectivo), pois O tendes visto” (através de Mim). Manifesta assim que quem O vê, vê o Pai. Não O viram, porém, em sua pura essência, mas sim velada pela carne” 16.
As perguntas de Filipe e Tomé
Filipe possuía um temperamento e uma psicologia bem diferentes das de Tomé. Este era bem positivo e desconfiado. O outro demonstrava ingenuidade com sua pergunta: A pergunta de Filipe — o qual Lhe pede para mostrar o Pai, pensando que Cristo, que fez tantos milagres, O manifestaria agora com uma maravilhosa teofania, no estilo do que se pensava a respeito de Moisés ou Isaías, os quais tinham visto a Deus — deixa ver, uma vez mais, a rudeza e a incompreensão dos Apóstolos antes da grande iluminação de Pentecostes 17.
Passam-nos muitas vezes pela alma ingênuas curiosidades análogas às de Filipe; gostaríamos de ver, compreender e realizar certas verdades de nossa fé. Não é neste mundo que se dará a visão clara desejada por nós. Devemos nos contentar com as luzes envoltas em penumbras oferecidas pela nossa crença.
Em Jesus, o Invisível tornou-se visível
São Tomé
Por outro lado, as perguntas positivas de Tomé e as ingênuas de Filipe dão margem a um enriquecimento do acervo da Revelação: o mistério da união essencial e absoluta entre Filho e Pai. Como não nos é possível ver a Deus face a face, não podemos conhecê-Lo senão através de Suas obras (cf. Rm 1, 18-32). O universo criado nos faz concluir a existência de um poder absoluto, infinitamente superior a nós.
Ademais, nossa consciência nos leva a imaginar um Deus radical e justo contra nossas fraquezas e misérias, permanentemente em litígio conosco. É em Jesus Cristo que constatamos a Misericórdia, o Deus que perdoa, revela, ama e salva, enfim, o Pai de Bondade. Quem vê Jesus em Seus atos de infinita benquerença, vê o Pai; quem se enleva por Suas ações, adora o Pai; quem como humilde ovelha ouve Sua voz de Pastor, segue o Pai. Em Jesus, nada é de inspiração meramente humana. Tudo nEle reflete o eterno e onisciente pensamento do Pai. Todos os seus atos têm como fonte a perfeitíssima vontade do Pai. Em Sua natureza criada encontramos a expressão da sabedoria, amor e poder infinitos do Pai. Em Jesus, o Invisível e eterno tornou-se visível.
“Eu estou no Pai e o Pai está em Mim”
Em face deste versículo, de duas maneiras se pôde conhecer a divindade de Cristo: por suas palavras e doutrinas, e por suas obras, isto é, pelos milagres que fazia. Ambas as coisas, Ele as tinha em comum com o Pai, porque era o Pai que falava por Cristo, como por seu Verbo; e também por Ele, como por seu poder e seu braço, operava e fazia milagres, segundo a interpretação de Leôncio e de Cirilo. Mas então, como diz Ele que não fala de Si mesmo? Agostinho e Beda opinam que Cristo assim Se expressa, já não como homem, mas também como Deus, e afirma que não fala de Si mesmo, porque também enquanto Deus não é de Si mesmo, mas sim do Pai. Este, ao comunicar-Lhe a natureza, dá-Lhe também as palavras e as obras. Porém, Cirilo, Leôncio e Teodoro de Mopsuestia entendem que o Salvador fala como homem, como se dissesse: “Embora Me vejais homem, entretanto, as palavras que falo e as obras que faço não são humanas, mas divinas. Por elas, pois, deveis conhecer que sou algo mais do que homem e ver em Mim o Pai” 18.
“O Pai, que está em Mim, faz as suas obras”
Já sobre o versículo seguinte nos explica o Pe. Manuel de Tuya OP:
Desse “conhecer” o Pai e o Filho segue-se que também hão de saber que “estão” um no outro. Como? Poder-se-ia pensar que pela união vital e “imanencial” de um no outro, em razão da pessoa divina de Cristo, que a Teologia chama de pericóresis ou circunsessão. Provavelmente, porém, refere-se ao Verbo Encarnado, como João considera no Evangelho. Assim, o Pai está presente nEle, independentemente de outras presenças, “pelas obras que Lhe concede fazer”. Diz em um texto, que é a melhor interpretação deste: “Se não quiserdes crer em Mim, crede nas minhas obras, para que saibais e reconheçais que o Pai está em Mim e Eu no Pai” (Jo 10, 38; cf. Jo 14, 20). O Pai está nEle pela comunicação que Lhe faz, e Ele está no Pai pela dependência que sua humanidade tem do Pai para realizar os milagres e a “mensagem”.
Por fim, as ‘obras’ nEle realizadas pelo Pai, Ele as remete para a garantia dessa mútua presença e da verdade de que quem O vê, vê o Pai 19.
v –“Tudo posso naquele que me conforta”
11 “Crede em Mim: Eu estou no Pai e o Pai está em Mim. Crede-o ao menos por causa das mesmas obras. Em verdade, em verdade vos digo, que aquele que crê em Mim fará também as obras que Eu faço; e fará outras ainda maiores; porque Eu vou para o Pai”.
Dirá mais tarde Tiago, em sua epístola, que a fé sem as obras é morta. Aqui, o Salvador afirma o quanto essa fé por Ele exigida será profícua em realizações divinas. Essa virtude cria um liame divino. O próprio São Paulo afirmará: Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim (Gl 2, 20), e ainda: Tudo posso naquele que me conforta (Fl 4, 13). Indo para o Pai a fim de ser glorificado em Sua humanidade triunfante, estenderá aos discípulos que nEle crêem o poder de fazer milagres que recebeu do próprio Pai. Se os mistérios nos são difíceis de alcançar, as obras falam por si e nos facilitam a crença.
 Que esse dom concedido pelo Salvador aos Seus fiéis servidores não os envaideça, como adverte Santo Agostinho: Não se eleve o servo acima do Senhor, nem o discípulo acima do Mestre. Diz que os discípulos hão de fazer maiores obras do que Ele, mas entende-se que é Ele quem opera nos discípulos ou por meio dos discípulos, e não os discípulos por si mesmos. Nós costumamos cantar ao Senhor: “Ó Senhor que és a minha força, faze que eu Te ame”.
Quais são finalmente essas obras maiores? Seria porque, à passagem deles, a sua sombra curava os doentes? Era de fato obra mais admirável curar um doente com a sombra do que com a orla do vestido. Mas o Senhor curou doentes com a orla do vestido por Si mesmo, e com a sombra por meio dos discípulos. Num e noutro caso, foi Ele sempre o autor da obra 20.

1) Cf. LAGRANGE OP, M-J. Évangile selon Saint Jean. Paris: Librairie Lecoffre – J. Gabalda et Cie. EDITEURS, 1936, p. 372.
2) MALDONADO SJ, P. Juan de. Comentarios a los cuatro Evangelios. Madrid: BAC , 1954, v. III, p. 782.
3 ) LAGRANGE. Ibidem, p. 372.
4 ) TUYA OP, P. Manuel de. Biblia Comentada. Madrid: BAC, 1964, v. II, p. 1.228.
5 ) Apud AQUINO, São Tomás de. Catena Áurea.
6 ) MALDONADO. Ibidem, p. 784.
7 ) Cf. LAGRANGE. Ibidem, p. 372.
8 ) Apud AQUINO, São Tomás de. Catena Áurea.
9 ) Idem, Ibidem.
10 ) TUYA. Ibidem, p. 1.229.
11 ) Cf. MALDONADO. Ibidem, p. 786.
12 ) TUYA. Ibidem, p. 1.230.
13 ) Cf. MALDONADO. Ibidem, p. 787.
14 ) LAGRANGE, Ibidem, p. 375.
15 ) Apud AQUINO, São Tomás de. Catena Áurea.
16 ) Idem, Ibidem.
17 ) TUYA. Ibidem, p. 1.231.
18 ) MALDONADO. Ibidem, p. 793.
19 ) TUYA. Ibidem, p. 1.231.
20 ) Evangelho de São João, comentado por Santo Agostinho – A Ceia do Senhor. Coimbra: Gráfica Coimbra, 1952, v. IV, p. 123.

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