Comentário ao Evangelho – Solenidade de São Pedro e São Paulo
Ao chegar à região de Cesaréia de Filipe, Jesus fez a
seguinte pergunta aos seus discípulos: “Quem dizem os homens que é o Filho do
Homem?” Eles responderam: “Uns dizem que é João Batista; outros, que é Elias; e
outros, que é Jeremias ou algum dos profetas”. Perguntou-lhes de novo: “E vós,
quem dizeis que Eu sou?”. Tomando a palavra, Simão Pedro respondeu: “Tu és o
Messias, o Filho de Deus vivo”. Jesus disse-lhe em resposta: “És feliz, Simão,
filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu
Pai que está no Céu. Também Eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta Pedra
edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno nada poderão contra ela.
Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu; tudo o que ligares na Terra ficará ligado
no Céu e tudo o que desligares na Terra será desligado no Céu” (Mt 16, 13-19).
A Pedra Inabalável
Um simples pescador
da Betsaida proclama que o filho de um carpinteiro é realmente o Filho de Deus,
por natureza. Ali é plantado o grão de mostarda, do qual nasceria a Santa
Igreja Católica Apostólica e Romana.
Mons. João
Scognamiglio Clá Dias, EP
I – Considerações iniciais
Difícil é encontrar
alguém que nunca tenha comprovado a consonância da sonoridade obtida através de
cristais harmônicos. Basta um simples golpe, em um só deles, para os outros
ressoarem em concomitância. É, até, uma prova para se conhecer a autenticidade
destas ou daquelas taças.
Assim, também, no
campo das almas. Discernimos a que é entranhadamente católica e com facilidade
a diferenciamos da tíbia, atéia ou herética, quando fazemos “soar” uma simples
nota: o amor ao Papado, seja quem for o Papa. Tornam-se encandescidas as almas
fervorosas, indiferentes as tíbias, indispostas algumas, etc.
Pois esta é a matéria
do Evangelho de hoje. A fim de nos prepararmos para contemplar as perspectivas
que ele nos manifesta, ocorreu-nos reproduzir as considerações transcritas a
seguir. Poderemos, assim, ter uma noção da qualidade do “cristal” de nossa
alma:
“Tudo quanto na
Igreja há de santidade, de autoridade, de virtude sobrenatural, tudo isto, mas
absolutamente tudo sem exceção, nem condição, nem restrição, está subordinado,
condicionado, dependente da união à Cátedra de São Pedro. As instituições mais
sagradas, as obras mais veneráveis, as tradições mais santas, as pessoas mais
conspícuas, tudo enfim que mais genuína e altamente possa exprimir o
Catolicismo e ornar a Igreja de Deus, tudo isto se torna nulo, maldito,
estéril, digno do fogo eterno e da ira de Deus, se separado do Romano
Pontífice. Conhecemos a parábola da videira e dos sarmentos. Nessa parábola, a
videira é Nosso Senhor, os sarmentos são os fiéis. Mas como Nosso Senhor Se
ligou de modo indissolúvel à Cátedra Romana, pode-se dizer com toda segurança
que a parábola seria verdadeira entendendo-se a videira como a Santa Sé, e os
sarmentos como as várias Dioceses, Paróquias, Ordens Religiosas, instituições
particulares, famílias, povos e pessoas que constituem a Igreja e a
Cristandade. Isto tudo só será verdadeiramente fecundo na medida em que estiver
em íntima, calorosa, incondicional união com a Cátedra de São Pedro.
“‘Incondicional’,
dissemos, e com razão. Em moral, não há condicionalismos legítimos. Tudo está
subordinado à grande e essencial condição de servir a Deus. Mas, uma vez que o
Santo Padre é infalível, a união a seu infalível magistério [só] pode ser
incondicional.
“Por isto, é sinal de
condição de vigor espiritual, uma extrema susceptibilidade, uma vibratilidade
delicadíssima e vivaz dos fiéis por tudo quanto diga respeito à segurança,
glória e tranqüilidade do Romano Pontífice. Depois do amor a Deus, é este o
mais alto dos amores que a Religião nos ensina. Um e outro amor se confundem
até. Quando Santa Joana d’Arc foi interrogada por seus perseguidores que a
queriam matar, e que para isto procuravam fazê-la cair em algum erro teológico
por meio de perguntas capciosas, ela respondeu: ‘Quanto a Cristo e à Igreja,
para mim são uma só coisa’. E nós podemos dizer: ‘Para nós, entre o Papa e Jesus
Cristo não há diferença’. Tudo o que diga respeito ao Papa diz respeito direta,
íntima, indissoluvelmente, a Jesus Cristo”1.
II – O Evangelho: “Tu es Petrus”
Pergunta de Jesus e circunstância em que foi feita
Ao chegar à região de Cesaréia de Filipe, Jesus fez a
seguinte pergunta aos seus discípulos: “Quem dizem os homens que é o Filho do
Homem?”.
A cidade na qual se
desenvolve o Evangelho de hoje havia sido construída pelo tetrarca Filipe que,
para angariar a simpatia do imperador César Augusto, deu-lhe o nome de
Cesaréia. Desconhece a História o exato percurso empreendido pelo Senhor e
pelos Apóstolos àquela altura dos acontecimentos; a hipótese mais provável é a
de que tenham atravessado a via de Damasco a Jerusalém, perto da ponte das
Filhas de Jacó. O território onde nasce o rio Jordão, compreendido entre Julias
e Cesaréia, é rochoso, solitário e acidentado. Foi nessa localidade montanhosa
e pétrea que Herodes, o Grande, erigiu um vistoso templo de mármore branco em
homenagem ao imperador César Augusto. Calcando as pedras da região, e talvez à
vista do tal templo sobre o alto das rochas, foi que se estabeleceu o diálogo
durante o qual se tornaram explícitas para os Apóstolos a natureza divina de
Jesus e a edificação da Santa Igreja.
Convém não
esquecermos o quanto a divina pedagogia de Jesus escolhia os acidentes da
natureza sensível para efeito didático, e assim poderem seus ouvintes ter
melhor compreensão das realidades invisíveis do universo da Fé. A esse
respeito, seriam inúmeros os casos a serem citados, mas basta-nos lembrar o
modo pelo qual Ele convocou os dois irmãos pescadores, Pedro e André: “Segui-me
e Eu farei de vós pescadores de homens” (Mt 4, 19). Não se trata, portanto, de
nos basearmos em razões meramente poéticas para supor que o desenrolar dessa
conversa verificou-se sobre as pedras; há por detrás, um elevado teor
simbólico. Ali estavam rochas que deviam perpetuar-se, e a contemplação dessas
criaturas minerais, fruto de sua onipotência, tornava mais bela a solene
profecia da edificação de sua indestrutível Igreja.
Alguns autores
ressaltam outro importante aspecto: o fato de Jesus ter escolhido uma região
pertencente à gentilidade para manifestar-Se como Filho de Deus e fundar o
primado de sua Igreja. Eles interpretam como sendo um prenúncio da rejeição do
reino messiânico, pelos judeus, e sua definitiva transferência para os gentios.
“Aconteceu que
estando a orar, em particular...” (Lc 9, 18). Conforme nos relata São Lucas,
toda a conversa narrada no Evangelho de hoje realizou-se depois de Jesus ter-Se
recolhido e deixado “perder-Se”, com suas faculdades humanas, nas infinitudes
de seu Pai eterno. Utilizou-Se desse meio infalível de ação, a prece, para
conferir raízes e seiva imortais à obra que lançaria.
Segundo a Glosa,
“querendo confirmar seus discípulos na Fé, o Salvador começa por afastar de
seus espíritos as opiniões e os erros que outros poderiam ter infundido neles”
2; ou seja, convidando-os a terem clara consciência dos equívocos da opinião
pública a respeito da identidade dEle, fortificava-lhes as convicções. É
curioso o comentário de São João Crisóstomo sobre o caráter “sumamente
malicioso” 3 do juízo emitido pelos escribas e fariseus a respeito do Divino
Mestre, muito diferente daquele da opinião pública que, apesar de errôneo, não
era movido por nenhuma malícia.
Jesus não pergunta o
que pensam os outros a respeito dEle, mas sim do Filho do Homem, “a fim de
sondar a Fé dos Apóstolos e dar-lhes ocasião de dizer livremente o que sentiam,
embora Ele não ultrapassasse os limites daquilo que poderia lhes sugerir sua
santa Humanidade” 4. Por todos os conhecimentos que Lhe eram próprios, do
divino ao experimental, Jesus sabia quais eram as opiniões que circulavam com
relação à Sua figura, não necessitava, portanto, informar-Se; desejava, isto
sim, levá-los a proclamar a verdade em contestação aos equívocos da opinião
pública.
Continua no próximo post
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