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segunda-feira, 9 de junho de 2014

EVANGELHO – SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE – Jo 3, 16-18 – ANO A

CONTINUAÇÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO – SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE –  Jo 3, 16-18 – ANO A

II – O AMOR DA SANTÍSSIMA TRINDADE À SUA OBRA
Riquíssimos são os três versículos extraídos da narração de São João acerca da famosa conversa noturna de Nosso Senhor com Nicodemos. Encerram eles verdades extraordinárias que, se agora pertencem ao domínio comum dos católicos, naquele momento significaram uma prodigiosa abertura de horizontes no campo sobrenatural. Esse colóquio — um dos trechos mais substanciosos da Escritura —, além de ser de grande beleza, também constitui um autêntico tratado de teologia a respeito da obra redentora de Cristo, do Reino de Deus e de outros aspectos da Revelação.
O Discípulo Amado escreveu o teor desse diálogo a partir do que ouviu, quiçá de Nosso Senhor, de sua Mãe Santíssima — a quem Jesus o deve ter contado — ou do próprio Nicodemos. Tinha este fariseu muito boa formação religiosa e, ao que tudo indica, coração reto, pelo que o Divino Mestre procurava abrir sua inteligência. Infelizmente houve certa resistência de sua parte, pois custava-lhe aderir a doutrinas tão diferentes daquelas que já havia assimilado na religião hebraica, segundo lhe fora transmitida por seus mestres. O fato de ter ido à procura do Salvador durante a noite é evocativo, como ressalta um abade medieval: “É dito bem oportunamente que veio de noite, porque obscurecido nas trevas da ignorância ainda não tinha chegado a adquirir a luz necessária para crer que Jesus era Deus, com toda perfeição. A palavra noite, na Sagrada Escritura, é usada muitas vezes para significar ignorância”.7
Eis o risco que corre quem possui muito conhecimento: sua dificuldade de crer pode ser maior. A conversa de Jesus com a samaritana, mulher cheia de fé e de entusiasmo (cf. Jo 4, 7-26), comprova tal realidade: ela se converte mais rapidamente que Nicodemos. Este, todavia, passado algum tempo seria discípulo do Senhor e estaria entre os que prepararam seu sagrado Corpo para sepultá-Lo, depois da Crucifixão (cf. Jo 19, 38-42). Seguiu a Nosso Senhor e santificou-se porque a graça acabou por abrir seu coração aos valiosos ensinamentos recebidos nessa noite.
A caridade divina é eminentemente difusiva
16 Deus amou tanto o mundo...
Deus, sendo todo-poderoso, tem a capacidade de nunca fazer o mal.8 Tudo quanto Ele cria é bom e, por conseguinte, ama suas obras. A certas coisas que Ele viu em Si mesmo desde toda a eternidade, amou-as de forma especial e lhes deu a existência,9 tirando-as do nada a fim de participarem da sua felicidade. Um exemplo nos ajudará a melhor entender esse modo de proceder: se alguém possui notáveis dotes culinários é normal que, quando elabora com prazer deliciosos pratos, deseje convidar os outros para apreciá-los. Há na própria natureza humana, aperfeiçoada pela virtude, um pendor de favorecer os semelhantes e torná-los partícipes da própria felicidade, porque o bem é eminentemente difusivo.10 Ora, se isso se passa com a nossa natureza, que é inclinada ao egoísmo, como será em Deus? N’Ele o amor é infinito — “Deus é amor” (I Jo 4, 8) — e tende a se propagar, pois Ele quer comunicar sua bondade. Não sem razão criou o universo, que é uma emanação dessa caridade, segundo comenta São Tomás: “As criaturas saíram da mão [divina] aberta pela chave do amor”.11
Vendo tudo quanto havia feito, o Altíssimo constatou que o conjunto não era apenas bom, como cada parte da criação, mas ótimo (cf. Gn 1, 31). No entanto, uma parte dos Anjos e os homens não foram gratos pelos benefícios recebidos, não souberam restituir a Deus aquilo que Lhe pertencia, nem corresponder a seu amor. Os anjos maus pecaram e, depois deles, Adão e Eva também, sendo introduzida a maldição na ordem do universo, e as portas do Céu se fecharam para a humanidade.
Uma conversa na eternidade…
16b …que deu o seu Filho Unigênito, para que não morra todo o que n’Ele crer…
Deus é radical ou, com mais exatidão, é a Radicalidade, e por isso ama por inteiro, até as últimas consequências. Ora, Ele quis salvar a sua obra! Com vistas a esboçarmos uma ideia do que terá acontecido entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo para determinar a Redenção, podemos imaginar, segundo padrões humanos, um colóquio no seio da Trindade, ainda que no plano divino tudo seja muito diferente. Nessa conversa hipotética, uma das três Pessoas, como que, diz às outras:
— O nosso desígnio em relação à humanidade está frustrado. Que faremos?
O Filho, que é a Sabedoria, dirige-Se ao Pai:
— Eu assumo a dívida! Hei de Me encarnar e, em minha natureza humana, enquanto Segunda Pessoa da Trindade, um simples gesto meu poderá reparar a ofensa que Nos fizeram, reabrir as portas do Céu e derramar sobre os homens um caudal de graças ainda mais abundante do que se Adão não tivesse pecado.
Então, o Pai acrescenta:
— Meu Filho, Eu almejo mais. Embora bastasse um mero ato de tua parte para reparar o pecado cometido, vou exigir que aceites o tormento da crucifixão e do abandono, pois quero para Ti toda a glória possível e a máxima exaltação, inclusive, da humanidade que irás assumir.
E o Filho consente, sem hesitação:
— Meu Pai, “eis que venho para fazer a tua vontade” (Hb 10, 9).
Por fim, o Espírito Santo completa:
— Eu sempre desejei dar mais ao Pai e ao Filho e retribuir a ambos, pelo fato de proceder do seu mútuo amor. Agora, com esta entrega do Filho, isso será possível, pois Me caberá a missão de revelá-Lo aos homens, santificando-os e dispondo seus corações para acolhê-Lo.

Vemos, portanto, como Deus amou o mundo com radicalidade e sem limites, a ponto de condescender em dar seu Filho Unigênito, gerado antes de todos os séculos, para salvar a humanidade que entrara pelas vias do pecado e lhe servir de modelo. Ensina São Tomás de Aquino: “O amor se demonstra pela doação […]. E Deus deu-nos o dom máximo, porque deu o seu Filho Unigênito. Por isso se diz: ‘para dar o seu Filho Unigênito’; ‘não poupou o seu próprio Filho, mas O entregou por todos nós’ (Rm 8, 32)”.12
Continua no próximo post.

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