COMENTÁRIOS AO EVANGELHO – XVIII DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO A – Mt 14, 13-21
Os discípulos manifestam fé fraca
16 Jesus porém lhes disse: “Eles não precisam ir embora.
Dai-lhes vós mesmos de comer” 17 Os discípulos responderam: ‘Só temos aqui
cinco pães e dois peixes”.

A resposta permite
supor a reação dos discípulos perante as palavras de Jesus: “Este homem pede
coisas impossíveis... Como vamos alimentar toda essa gente com cinco pães e
dois peixes? Terá Ele noção de quantas pessoas estão aqui?”. Sua objeção
demonstra o quanto estavam longe de viver segundo a convicção de que tudo é de
Deus, tudo está n’Ele e por Ele é dirigido, ou seja, nada acontece sem sua
permissão.
Cabe aqui uma
consideração a este respeito. Existe um corte que divide drasticamente os
homens em duas categorias bem definidas: os que têm fé e os que não a têm; os
que se orientam
conforme o prisma sobrenatural da fé e aqueles que pautam sua existência em
função do concreto, do material, do palpável e sensível. Estes constituem uma
grande fatia da humanidade, talvez avassaladoramente maior do que a dos homens de
fé, os quais, por sua vez, sabem encontrar o dedo de Deus em tudo, inclusive na
dor, mas sobretudo quando Ele resolve as situações de modo maravilhoso.
A multiplicação dos pães e dos peixes
18 Jesus disse: “Trazei-os aqui”. Jesus mandou que as
multidões se sentassem na grama. Então pegou os cinco pães e os dois peixes,
ergueu os olhos para o Céu e pronunciou a bênção. Em seguida, partiu os pães e
os deu aos discípulos. Os discípulos os distribuíram às multidões.
Ao contrário do que
queriam os Apóstolos, Nosso Senhor não despede as multidões, mas assume a
responsabilidade de alimentá-las; não abandona aqueles milhares de homens, mulheres
e crianças que se puseram sob sua proteção com tanta confiança e entusiasmo. O
cuidado em distribuí-las ordenadamente pela relva, que era abundante por ser
primavera, facilitava o cálculo do número de presentes e estava de acordo com o
costume oriental de fazer as refeições em grupo.
Jesus toma os pães e
os peixes, eleva os olhos ao Céu — Ele que é o Dono do Céu, da Terra e do
universo inteiro —, abençoa os alimentos e entrega-os aos discípulos para serem
distribuídos a todos os circunstantes. Maldonado comenta — segundo São João
Crisóstomo e Leôncio — que Jesus manda trazer os pães para demonstrar que “quem
dá de comer a todo o orbe terrestreé o Senhor, e Ele não depende de hora nem de
tempo algum, pois em qualquer ocasião e conjuntura pode fazer de qualquer matéria
quantos pães quiser”.5
O padre Manuel de
Tuya 6 propõe uma interessante questão: esses pães se multiplicaram nas mãos de
Cristo ou nas dos Apóstolos, quando estes os distribuíam? E responde que não se
sabe ao certo, dada a concisão do relato evangélico. São João Crisóstomo, por
sua vez, observa que, ao entregá-los aos discípulos para eles fazerem a
distribuição e comprovarem pessoalmente a grandeza do milagre, o Divino Mestre
“não pretendia apenas honrá-los com isso. Queria também que, ao realizar-se o
milagre, eles lhe dessem fé e não o relegassem depois ao esquecimento, pois
suas próprias mãos haveriam de atestá-lo. [...] Enfim, toma os pães de suas
mãos para que haja muitas testemunhas do fato e tenham muitas recordações do milagre”7
.
A superabundância de um milagre
20 Todos comeram e ficaram satisfeitos, e dos pedaços que
sobraram, recolheram ainda doze cestos cheios, 21 E os que haviam comido eram
mais ou menos cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças.
Concluída a miraculosa
refeição, ainda sobrou abundante quantidade de pães que foram recolhidos,
segundo os usos do tempo, e cada um dos Apóstolos precisou carregar um cesto na
volta. Curioso contraste com o início da distribuição, quando tinham pouco peso
nas mãos. Por isso não pode ter sido pequena a impressão dos discípulos e da
multidão ante a magnitude do prodígio.
De acordo com uma
crença difundida nos meios judaicos, o Messias faria cair do céu maná, mais do
que o fizera Moisés no deserto,8 e com isso haveria grande fartura de víveres
na terra de Israel.9 Depois de verem Nosso Senhor curar numerosos doentes e de
comerem um pão de incomparável sabor, fruto de mais um grande milagre, compreende-se
que aqueles homens não quisessem mais deixar a companhia de quem operava tantas
maravilhas, pois julgavam tratar-se do tão esperado Messias. “Este é
verdadeiramente o Profeta que há de vir ao mundo” (Jo 6, 14), afirmavam,
constatando como Ele resolvia todos os problemas.
Atende às necessidades e sana as miserias
O Evangelho nos
apresenta Nosso Senhor Jesus Cristo enquanto sendo Aquele que atende a todas as
nossas necessidades e nos fortalece nas debilidades. Ora, estão entre estas,
mais do que as deficiências físicas, sobretudo as inclinações para o mal, as
paixões desordenadas que não conseguimos dominar sem o auxílio permanente da
graça. Estas misérias, no entanto, nos ajudam a reconhecer nossa total
dependência da verdadeira seiva que provém d’Ele.
Disto dá-nos claro
ensinamento a primeira leitura (Is 55, 1-3),do Livro do Profeta Isaías: “O vós
todos que estais com sede, vinde às águas; vós que não tendes dinheiro,
apressai-vos, vinde e comei, vinde comprar sem dinheiro, tomar vinho e leite,
sem nenhuma paga” (55, 1). Como tantas vezes nas Escrituras, é utilizada aqui
uma linguagem simbólica. A sede à qual se refere o profeta é principalmente
espiritual. Com efeito, temos em nossa alma uma apetência insaciável de
felicidade, porque somos criados para o infinito. Como escreveu Santo
Agostinho,10 fomos feitos para Deus e o nosso coração não estará tranquilo
enquanto não repousar n’Ele. Quando virmos a Deus face a face, todo o resto se
tornará nada para nós, porque comprovaremos quanto só Ele satisfaz inteiramente
essa sede das águas límpidas da graça.
Uma bela pré-figura da Eucaristia
Com tão só cinco pães
e dois peixes Nosso Senhor alimentou uma multidão de cinco mil homens, sem
contar as mulheres e as crianças. Numa época em que as famílias eram, em geral,
numerosas, é possível supor que a quantidade de gente fosse muito maior. Talvez
o dobro, o triplo, ou até mais. Mede-se a importância desse milagre pelo fato
de ser o único relatado pelos quatro evangelistas. Teve ele grande repercussão,
também, por
se encontrarem na região caravanas vindas das mais variadas partes a caminho de
Jerusalém, para a festa da Páscoa que se aproximava.
Ao realizá-lo, Jesus
tinha em vista não só alimentar os corpos, mas, sobretudo, preparar as almas
para aceitarem a Eucaristia.
Multiplicando pães e
peixes, manifestou seu poder sobre a matéria. Caminhando sobre as águas, poucas
horas depois, tornou patente o domínio sobre seu próprio Corpo (cf. Mt 14,
22-27). Desta maneira, ia o Divino Mestre predispondo os Apóstolos a crerem,
mais tarde, na Eucaristia, pois quem é capaz de operar tais prodígios pode
perfeitamente instituir um Sacramento no qual a substância do pão cede lugar à
do seu sagrado Corpo. Este milagre é, pois, uma esplêndida pré-figura da
Eucaristia. Temos hoje o Santíssimo Sacramento à nossa disposição nas Missas
diariamente celebradas pelo mundo inteiro: é a multiplicação dos Pães
Consagrados, o Pão da Vida, até o fim dos séculos.
Continua no próximo post
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