-->

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Evangelho Festa da Exaltação da Santa Cruz - Jo 3, 13-17

Continuação dos comentários ao Evangelho da Festa da Exaltação da Santa Cruz - Jo 3, 13-17

O Filho desceu do Céu para abraçar a Cruz
Qual foi a via escolhida por Deus para consumar a entrega de seu Filho ao mundo? A mais perfeita de todas — pois Ele não pode desejar para Si nada que seja inferior — mas causa espanto: a morte de Cruz! Nós preferiríamos que Ele triunfasse sobre o mal desde o início e não sofresse os tormentos da Paixão. Na verdade, se Jesus oferecesse ao Pai um simples fechar de olhos, um gesto, uma palavra ou um ato de vontade, seria suficiente para reparar nosso pecado. Contudo, segundo ensina São Paulo na segunda leitura de hoje (Fl 2, 6-11), “Jesus Cristo, existindo em condição divina, não fez do ser igual a Deus uma usurpação, mas Ele esvaziou-Se a Si mesmo, assumindo a condição de escravo e tornando-Se igual aos homens. Encontrado com aspecto humano, humilhou-Se a Si mesmo, fazendo-Se obediente até a morte, e morte de Cruz” (Fl 2, 6-8). Sendo Deus, o Filho possui a alegria eterna e poderia ter dado à sua natureza humana uma vida terrena cheia de deleites. Não obstante, a natureza divina comunicou a Cristo-Homem o gozo de abraçar a Cruz, ser nela pregado e morrer, cumprindo a vontade d’Aquele que O enviara (cf. Jo 5, 30), para salvar os homens da morte eterna.
Símbolo da perfeição do universo
17 “De fato, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele”.
Ao ouvir estas palavras, Nicodemos entendeu, decerto — ainda que de modo um tanto nebuloso —, que se iniciava um novo regime na história do povo eleito: a era da justiça inclemente estava terminada e começava a era da misericórdia. E esta, tão mais forte do que aquela! A tal ponto, que o irretorquível ímpeto da justiça, capaz de levar suas determinações até as últimas consequências, se rende quando encontra a misericórdia. Porque a misericórdia é como a água, e a justiça, como o fogo. Este queima, destrói e consome, mas no contato com a água, ele se extingue, desaparecendo as chamas, as brasas e todo o ardor. À humanidade que gemia sob a ameaça de um castigo, a Providência mandou o oxigênio da misericórdia, do qual vivemos há mais de dois milênios.
Em suma, foi com o intuito de nos salvar que a Santíssima Trindade promoveu a vinda do Filho ao mundo. Desde toda a eternidade a Cruz esteve na mente de Deus, com um papel central na História, como instrumento para a realização da perfeição das perfeições do universo, sua maior honra e sua excelsa beleza: a Redenção. Diante deste panorama é possível, inclusive, entender porque Deus permitiu o pecado. No plano da criação, a suprema glória não é a inexistência deste mal, mas o Homem-Deus, que Se deixou prender e crucificar, por amor a nós.
IV – A CRUZ, FONTE DE GLÓRIA
À primeira vista, então, pareceria contraditório o que comemoramos nesta festa: a Exaltação da Santa Cruz. No entanto, a Cruz, outrora considerada como o pior dos desastres na vida de alguém, um símbolo de ignomínia que serviu para a execução de tantos criminosos, é hoje exaltada pela Igreja porque Nosso Senhor Jesus Cristo veio ao mundo mostrando o quanto ela Lhe é própria. É “o sinal do Filho do Homem” (Mt 24, 30) e Ele a transformou em sinal de triunfo! Por isso, a Cruz triunfa no alto das catedrais, na ponta das coroas e no centro das mais importantes medalhas.
A Cruz é a via da glória. Com quanta razão se diz: “Per crucem ad lucem — É pela cruz que se chega à luz”. E é este o princípio que a Liturgia de hoje oferece para nosso benefício espiritual: se queremos atingir a santidade, nada é tão central quanto saber sofrer. O traço comum de todos os Santos é justamente sua atitude diante da Cruz. De fato, o momento decisivo de nossa perseverança não é aquele em que a graça sensível nos toca e damos passos vigorosos na virtude, mas, sim, a hora da provação, quando as tentações nos assaltam e experimentamos nossa debilidade. Não foi sem motivo que, ao ensinar o Pai Nosso, o Divino Mestre disse “livrai-nos do mal”; mas Ele não empregou o mesmo verbo no pedido referente às tentações: “não nos deixeis cair em tentação”. Ser tentado é algo inevitável e necessário depois do pecado original. Nessa hora, devemos resistir abraçados à cruz, certos de que nela se encontra nossa única esperança: “Ave Crux, spes unica!”. E quando cometemos uma falta ou nossa vida interior parecer encalhada, dando-nos a impressão de não sermos amados por Deus, lembremo-nos de que esta sensação é contrária à revelação feita por Nosso Senhor no Evangelho que acabamos de considerar; pensemos que Deus nos ama tanto, que o Filho teria Se encarnado e sofrido a Paixão de Cruz para salvar a cada um de nós, individualmente.
Glorifiquemos transbordantes de júbilo, nesta festa, o sinal de nossa salvação e o penhor da ressurreição futura, e saibamos carregar sempre a própria cruz com amor e veneração, tal como o fez nosso Salvador antes de começar a Via-Sacra.
1) Cf. SAO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.25, a.4. Tal adoração não se presta só à Cruz na qual Nosso Senlior foi crucificado, mas também às imagens desta, como explica o Doutor Angélico neste mesmo artigo: “Se falamos da imagem da Cruz de Cristo, feita de qualquer outra matéria, por exemplo, de pedra, madeira, prata ou ouro, a Cruz é venerada só como imagem de Cristo, com uma adoração de latria”.
2) Cf. Idem, I, q.25, a.6, ad 4.
3) Cf. Idem, ad 3.
4) Cf. COLUNGA, OP, Alberto; GARCIA CORDERO, OP, Maximiliano. Biblia Comentada. Pentateuco. Madrid: BAC, 1960, v.1, p.847.
5) Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., T-II, q, a.2.
6 COLUNGA; GARCIA CORDERO, op. cit., p.847.
7 Cf. CCE 1472-1473.
8 SÃO JUSTINO. Diálogo con Trifón, 94, 2. In: RUIZ BUENO, Daniel (Org.). Padres Apologetas Griegos (s.II). 2.ed. Madrid: BAC, 1979, p.470.
9 SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. Homilía XXIV, n.1. In: Homilías sobre el Evangelio de San Juan (1-29). 2.ed. Madrid: Ciudad Nueva, 2001, v.I, p.289.

10 Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., III, q.52, a.5, ad 1.
Continua no próximo post

Nenhum comentário: