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terça-feira, 9 de setembro de 2014

Evangelho Festa da Exaltação da Santa Cruz - Jo 3, 13-17

Continuação dos comentários ao Evangelho da Festa da Exaltação da Santa Cruz - Jo 3, 13-17

O povo eleito se revolta contra Deus e contra seu profeta
Humanamente falando, a revolta seria uma reação compreensível na conjuntura em que os israelitas se encontravam. Entretanto, o texto relata que o povo não manifestou apenas inconformidade com a precariedade material, mas “se pôs a falar contra Deus e contra Moisés” (Nm 21, 5a). Dirigindo-se ao profeta, cobravam-the aquilo que exigiriam do próprio Deus, caso O encontrassem: “Por que nos fizestes sair do Egito para morrermos no deserto? Não há pão, falta água e já estamos com nojo desse alimento miserável” (Nm 21, 5b). Ora, o maná era um milagre renovado por Deus todos os dias! Imaginemos essas palavras sendo ditas pelo convidado de um banquete ao seu anfitrião... Não deve ter sido muito diferente a vociferação que Lúcifer lançou contra Deus quando se rebelou no Céu, tal é a falta de generosidade e de amor que esta queixa encerra! Foi um pecado contra o Primeiro Mandamento: “amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças” (Dt 6, 5).
O povo é castigado
Deus, porém, não tolera que haja revolta contra seus mediadores, a ponto de tomar as murmurações do povo como reclamações feitas a Si próprio. Também nós O provocamos de forma análoga quando não aceitamos os reveses, provações e dores da vida, pois essa atitude é, no fundo, um protesto contra Deus.
Para castigar os filhos de Israel, o Senhor mandou terríveis serpentes — “ardentes”,6 segundo o original hebraico —, que infestaram o acampamento. Não está dito que Deus as tenha criado naquele instante; decerto Ele as reuniu, em grande quantidade, e soltou-as ali. Sua venenosa picada causava febre altíssima que matava em pouco tempo, tendo sido grande o número de vítimas.
Depois de ter morrido “muita gente em Israel” (Nm 21, 6), o povo reconheceu nessa calamidade um castigo divino e, afinal, o medo, que nem sempre propicia a conversão, os levou ao arrependimento. E era este o objetivo de Deus. Foram eles pedir a intercessão de Moisés, admitindo que o pecado cometido tinha duplo alcance, pois ofendera o Altíssimo e seu representante: “Pecamos, falando contra o Senhor e contra ti” (Nm 21, 7).
A serpente de bronze
Deus respondeu aos rogos de Moisés com a seguinte recomendação: “Faze uma serpente de bronze e coloca-a como sinal sobre uma haste; aquele que for mordido e olhar para ela, viverá” (Nm 21, 8). E não eliminou as serpentes, permitindo que elas continuassem suas investidas contra os hebreus. Já perdoados por Deus — livres, portanto, da pena eterna daquele pecado —, os israelitas expiavam desse modo a pena temporal, à qual o pecador fica sujeito em virtude do apego desordenado aos bens terrenos, que todo pecado, seja mortal ou venial, acarreta.7
Moisés cumpriu a determinação divina, estabelecendo-se a partir de então uma situação de milagre permanente e incontestável diante de quantos haviam assistido a inúmeras mortes produzidas pelas abrasadoras serpentes. Quem era picado sabia que não existia remédio para o seu mal, e a única chance de sobrevivência estava junto a Moisés, pois o profeta sempre levava consigo o cajado em cuja extremidade fixara a serpente de bronze. Assim, Deus manifestava empenho em manter o princípio de mediação e fazia os israelitas comprovarem não só sua onipotência e bondade, como também os benefícios de ter um profeta que os guiasse e interviesse em favor deles.
A consequência de não aceitar o sofrimento
A narração presente no Livro dos Números chama a atenção para algo muito importante: a atitude dos homens perante a dor. O povo eleito, livre da escravidão dos egípcios e conduzido à Terra Prometida, já presenciara portentosos milagres realizados por Deus através de Moisés, como, por exemplo, a abertura do Mar Vermelho. Não obstante, quando se viram obrigados a enfrentar uma situação difícil, imediatamente culparam o profeta, seu libertador — e também o próprio Deus, por ter posto aquele varão no seu caminho —, acusando-o de ser a causa do infortúnio deles. Pretendendo suprimir todo e qualquer sofrimento, revoltaram-se eles contra Deus e caíram numa atribulação muito maior: o Senhor Se retraiu e castigou-os com as serpentes.
Cabe a nós extrair daí uma lição: nunca procurarmos fugir da cruz, pois, além de ser uma tentativa inútil, ela se tornará maior e mais pesada, como aconteceu aos hebreus no deserto.
III – A VERDADEIRA SERPENTE LEVANTADA NA HASTE
Á luz do Evangelho de São João proposto pela Liturgia desta festa, a imagem da serpente de bronze se reveste de novo colorido, apresentando-se como pré-figura da ação redentora de Jesus Cristo na Cruz. Deus quis que este mesmo animal, por cuja sugestão o pecado e a morte se introduziram no mundo, se transformasse em sinal de cura para os filhos de Israel, representando o Divino Redentor, que nos traria a verdadeira vida, como se lê no Livro da Sabedoria: “Quem se voltava para ele era salvo, não em vista do objeto que olhava, mas por Vós, Senhor, que sois o Salvador de todos” (16, 7). Explicando essa pré-figura, São Justino assevera que nela “Deus anunciava um mistério, por meio do qual haveria de destruir o poder da serpente, autora da transgressão de Adão, e, ao mesmo tempo, a salvação para os que cressem em quem era simbolizado por este sinal, ou seja, n’Aquele que haveria de ser crucificado e de livrá-los das picadas da serpente, que são as más ações, as idolatrias e demais iniquidades”.8
Apesar de nos causar certo choque, essa imagem da serpente é rica em simbolismo. Com efeito, trata-se de um animal perigoso e que, curiosamente, sempre esteve relacionado à medicina, sendo emblemático do poder curativo. Seu veneno é letal, mas também possui propriedades terapêuticas que, uma vez trabalhadas, são utilizadas como remédio. Eis a vida e a morte sintetizadas num mesmo animal, qual pedra de escândalo: quem sabe aproveitá-lo, obtém elementos para a restauração da saúde; quem se descuida, é picado e morre.
Ao contrastarmos a figura com a realidade, veremos que Deus também poderia ter operado a Redenção eliminando para sempre o pecado e seus efeitos, por uma simples deliberação, sem o concurso de nenhum intercessor. Todavia, permitiu que os homens continuassem pecáveis, deixando à disposição de todos a possibilidade de encontrar o perdão junto ao “mediador da Nova Aliança” (Hb 12, 24), Nosso Senhor Jesus Cristo. Por aí se entende porque Simeão, quando recebeu nos braços o Menino Jesus, proclamou que Ele seria pedra de escândalo, pois serviria para a salvação ou condenação de muitos (cf. Lc 2, 34). Ele é, de fato, divisor. Quem é tocado pelo pecado e O olha, encontra o remédio para seus males. Mas, ai de quem procura a solução fora d’Ele!
Continua no próximo post

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