-->

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

COMENTÁRIO AO EVANGELHO DA FESTA DE NOSSA SENHORA APARECIDA

COMENTÁRIO AO EVANGELHO Jo 2, 1-11 - BODAS DE CANÁ
Antes e depois de Maria
Uma nova era na espiritualidade do gênero humano se inicia publicamente com o milagre das Bodas de Caná. Além de conferir ao casamento um altíssimo significado, Jesus inaugura a mais excelente via para se obter o perdão e a graça: confiar na mediação e na onipotência suplicante de Maria.
Três dias depois, celebravam-se bodas em Caná da Galiléia, e achava-se ali a mãe de Jesus. 2 Também foram convidados Jesus e os seus discípulos. 3 Como viesse a faltar vinho, a mãe de Jesus disse-lhe: Eles já não têm vinho. 4 Respondeu-lhe Jesus: Mulher, isso compete a nós? Minha hora ainda não chegou. 5 Disse, então, sua mãe aos serventes: Fazei o que ele vos disser. 6 Ora, achavam-se ali seis talhas de pedra para as purificações dos judeus, que continham cada qual duas ou três medidas. 7 Jesus ordena-lhes: Enchei as talhas de água. Eles encheram-nas até em cima. 8 Tirai agora, disse-lhes Jesus, e levai ao chefe dos serventes. E levaram. 9 Logo que o chefe dos serventes provou da água tornada vinho, não sabendo de onde era (se bem que o soubessem os serventes, pois tinham tirado a água), chamou o noivo 10 e disse-lhe: É costume servir primeiro o vinho bom e, depois, quando os convidados já estão quase embriagados, servir o menos bom. Mas tu guardaste o vinho melhor até agora. 11 Este foi o primeiro milagre de Jesus; realizou-o em Caná da Galiléia. Manifestou a sua glória, e os seus discípulos creram nele (Jo 2, 1-11).
I — ANTECEDENTES
Riqueza teológica do Evangelho de São João
“Jesus fez ainda muitas outras coisas. Se fossem escritas uma por uma, penso que nem o mundo inteiro poderia conter os livros que se deveriam escrever” (Jo 21, 25).
Assim termina São João o 4º Evangelho, o de sua lavra. Quando o escreveu, por certo já conhecia — e de há muito — os três anteriores. Daí seu empenho em completá-los nos detalhes e aspectos mais necessários para os dias de sua divulgação. Na Ásia Menor, onde se espraiava a Igreja nascente, pululavam os erros de uma perigosa gnose ameaçadora da boa e sã doutrina deixada em herança por Jesus aos seus discípulos. Nessas circunstâncias, importava antes de tudo provar a divindade de Nosso Senhor, o Messias.
Que um homem possa ser inteligente tanto quanto um puro espírito, não é difícil excogitar. Mas admitir a união de duas naturezas — uma eterna e absoluta, outra criada e contingente — numa só Pessoa, e esta divina, seria totalmente inconcebível até pelos Anjos, em sua pura natureza, se não fosse o dom da Fé. Ora, foi bem esse o objetivo de São João em seu Evangelho, ou seja, expor os principais fatos e doutrinas de modo a servirem de base para a ação do Espírito Santo sobre as almas, ajudando-as a crerem em Jesus, Homem e Deus.
Na época, não havia computadores nem impressoras, os livros se reduziam aos rolos de pergaminho, a escrita era lenta e quase desenhada. Era, pois, indispensável a São João, em vez de fazer uma narração exaustiva, condensar em poucas palavras todo um universo de pensamento e considerações. Aqui está uma das razões pelas quais, na Escritura Sagrada, cada palavra é densa de significação.
Os cinco primeiros discípulos
Inicia ele seu Evangelho com uma das mais belas descrições doutrinárias, e ao mesmo tempo poética, sobre a geração eterna do Verbo e a união das duas naturezas (divina e humana) na Segunda Pessoa da Santíssima Trindade: “E o Verbo se fez carne” (Jo I, 14). Nos seus dezoito primeiros versículos, João sintetiza de maneira magistral a teologia católica relativa à divindade de Cristo.
Logo após, São João se apóia no testemunho dado pelo Batista para confirmar toda a exposição feita anteriormente, já agora na linha dos fatos históricos, seguindo os rigores de uma nobre, eficaz e irrefutável didática. O Precursor havia produzido uma verdadeira comoção em todo Israel a ponto de julgar necessário declarar: “não sou o Cristo” (v. 20), e afirmar categoricamente não ser “digno de desatar a correia das sandálias” (v. 27) de Quem viria depois dele.
A palavra de João Batista tinha peso de lei em Israel e ecoou mesmo além de suas fronteiras, ao longo de muitas décadas. Ouvia-se ainda esse eco nos dias em que o Discípulo Amado escreveu seu Evangelho. O testemunho do Apóstolo selava o do Precursor: “Eu o vi e dei testemunho de que ele é o Filho de Deus” (Jo 1, 34).
Na sequência — depois de documentar sua transferência, juntamente com André, das mãos do Batista para as de Jesus — o Evangelista narra o chamado aos outros três discípulos (Pedro, Filipe e Natanael). Digna de nota é a manifestação do discernimento divino de Jesus em relação a Natanael, provocando neste a exclamação: “Mestre, tu és o Filho de Deus...” (Jo 1, 49).
Estes são os pressupostos para melhor se entender o primeiro e portentoso milagre do Senhor, nas Bodas de Caná.
II — O PORQUÊ DO MILAGRE
Frequentemente, os profetas no Antigo Testamento se viam na contingência de comprovar por algum prodígio a autenticidade de suas previsões. Assim se deu, por exemplo, com Moisés (Ex 4, 30-31), Elias (1 Rs 18, 19-39) ou Samuel (1 Sm 12, 16-18). Ora, depois de chamar os cinco primeiros seguidores, quis o Mestre operar algo para confirmá-los na Fé, como o fizera com Natanael. Foi provavelmente por essa razão que Jesus “manifestou sua glória”, efetuando seu primeiro milagre nas Bodas de Caná, ou seja, para levar seus discípulos a crerem na divindade de sua origem e missão (Jo 2, 11).
E assim procedeu devido a uma suave e afetuosa súplica de sua Mãe. O Evangelho ressalta o importante papel de intercessora de Maria e deixa entrever seu maternal carinho para com os futuros Apóstolos ali presentes. Era o começo da realização da promessa feita por Jesus a Natanael, três dias antes:
“Verás coisas maiores do que esta” (Jo 1, 50). Seu intuito de robustecer até tornar inabalável a Fé daqueles que o acompanhavam só atingiu sua plenitude com a descida do Espírito Santo. Antes disso, apesar de todas as maravilhas operadas pelo Salvador, essa virtude continuou sendo débil e imperfeita em todos eles.
Com despretensiosa simplicidade e vivacidade de colorido, João descreve a cena da qual foi testemunha ocular, deixando transparecer a grande impressão por ela causada em sua própria alma e nas de seus companheiros.
Por que durante a celebração de umas bodas?
Nesse solene começo da vida pública de Jesus, sobressai-se de forma muito especial o fato de ter Ele escolhido uma festa nupcial como cenário do início de sua missão pública. O casamento não havia ainda sido elevado à categoria de sacramento. Entretanto, não devemos nos esquecer de seu alto significado na sociedade judaica de então, pois, esperando a vinda do Messias, o povo atribuía não pouca importância à união entre o homem e a mulher com vistas a perpetuar a raça até o seu nascimento. As cerimônias de noivado (um ano antes), assim como as das núpcias, eram revestidas de grande solenidade e precedidas de contratos financeiros entre os pais dos cônjuges. Seria ultrapassar os limites deste artigo, descrevê-las em seus pormenores.
Por outro lado, Jesus estava iniciando sua missão pública e desejava fundar a Igreja com vistas à santificação de todos. Ora, a célula mater da estruturação social sempre foi, e nunca deixará de sêlo, a família, como podemos constatar nas palavras de S.S. o Papa João Paulo II na Audiência Geral de 1/12/1999:
“A crise da família torna-se, por sua vez, causa da crise da sociedade. Numerosos fenômenos patológicos — indo da solidão à violência e à droga — explicam-se igualmente pelo fato de os núcleos familiares terem perdido sua identidade e sua função. Onde se desagrega a família, tende a desaparecer o entrelaçamento unitivo da sociedade, com desastrosas conseqüências para as pessoas, em particular as mais frágeis (...)
“No Catecismo da Igreja Católica lê-se: ‘A família é a célula originária da vida social. É a sociedade natural em que o homem e a mulher são chamados ao dom de si no amor e no dom da vida. A autoridade, a estabilidade e a vida de relações dentro dela constituem os fundamentos da liberdade, da segurança e da fraternidade no conjunto social. A família é a comunidade na qual, desde a infância, se podem assimilar os valores morais, tais como honrar a Deus e usar corretamente a liberdade. A vida em família é iniciação para a vida em sociedade’ (n. 2207).”
Nas Bodas de Caná, segundo a interpretação de famosos teólogos e exegetas, Jesus quis reafirmar a importância conferida pela sociedade antiga à união conjugal e santificá-la, preparando assim as vias para dar-lhe um caráter sacramental.
III — OS ENSINAMENTOS
A súplica onipotente de Maria
Caná era uma cidade de maior tamanho e influência que Nazaré. A História nada registra sobre a origem das relações entre a Sagrada Família e os nubentes, nem sequer por que Jesus e Maria foram convidados para a festa. As hipóteses a respeito se multiplicam. Entre elas, menciona-se um eventual estreitamento de relações, decorrente de serviços prestados por São José ao longo do tempo.
As peculiaridades e detalhes perderam-se pelo caminho, talvez por desígnio de Deus, a fim de concentrar a atenção dos séculos futuros na tão paradigmática festa das núpcias de Caná. Ali está simbolizado o lar católico como deve ser, e indicada a conduta a seguir face aos problemas e dificuldades da vida. Ali está prefigurada a família cristã assistida por Cristo, através da intercessão de Maria. A partir desse episódio, todos os cônjuges, até o fim do mundo, devem firmar-se na certeza de que Jesus solucionará qualquer drama ou aflição, se invocarem a onipotente mediação de Maria.
Harmonia conjugal
As épocas e os povos atingem seu esplendor quando a sociedade observa com rigor os princípios naturais e divinos relativos à constituição familiar. Este vasto e delicado assunto é de capital importância. Recordemos, a propósito, as palavras de sabedoria de um famoso Padre da Igreja, São João Crisóstomo:
Ouve, marido, o que te pede São Paulo: ‘Amai vossas mulheres como Cristo amou a Igreja’ (Ef 5, 25). Viste qual é a medida da obediência? Pois igual deve ser a do amor. Queres que tua mulher te obedeça como a Igreja a Cristo? Pois ama tua esposa como Cristo ama a Igreja. Ainda que tenhas de sacrificar a vida por seu amor, ainda que tenhas de suportar mil padecimentos, não terás igualado nunca o que fez Cristo. (...) Ainda quando vejas que ela te despreza e te insulta, tens de submetê-la a teus pés com cuidado, com afeto e com amizade. Não há um laço mais forte que o do amor para conciliar o marido e a mulher” (Homilia 20, sobre a Epístola aos Efésios).

A harmonia conjugal torna perene, exemplar e frutuosa toda e qualquer atividade do marido ou da esposa; sobretudo, desse virtuoso entendimento se beneficiam os filhos. Por isso afirma o Eclesiástico (25, 1 e 2): “De três coisas se compraz o meu espírito, as quais têm a aprovação de Deus e dos homens: (...) um marido e mulher que se dão bem entre si.”
Continua no próximo post

Nenhum comentário: