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segunda-feira, 15 de junho de 2015

Evangelho XII Domingo do Tempo Comum - Ano B - Mc 4, 35-41

Comentário ao Evangelho — 12º Domingo do Tempo  Comum
Mons João Clá Dias
35 Naquele dia, ao cair da tarde, Jesus disse a seus discípulos: “Vamos para a outra margem!” 36 Eles despediram a multidão e levaram Jesus consigo, assim como estava, na barca. Havia ainda outras barcas com ele. 37 Começou a soprar uma ventania muito forte e as ondas se lançavam dentro da barca, de modo que a barca já começava a se encher. 38 Jesus estava na parte detrás, dormindo sobre um travesseiro. Os discípulos o acordaram e disseram: “Mestre, estamos perecendo e tu não te importas?” 39 Ele se levantou e ordenou ao vento e ao mar: “Silêncio! Cala-te!” O vento cessou e houve uma grande calmaria. 40 Então Jesus perguntou aos discípulos: “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” 41 Eles sentiram um grande medo e diziam uns aos outros: “Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?” Mc 4, 35-41
A borrasca: um castigo ou uma graça?
É bem paradigmática — não só para cada alma, mas também para a Igreja — essa tempestade pela qual passaram os Apóstolos: após as borrascas, a Igreja ergue-se sempre mais forte, mais jovem e com a sua beleza incomparavelmente acrescida.
I – Um pouco de História
Entre os grandes sermões sobre o Reino (o da Montanha e o das Parábolas) deu-se a viagem narrada no Evangelho de hoje, tendo como ponto de partida a famosa cidade de Cafarnaum, à qual Jesus e seus discípulos ainda retornariam.
Sempre rodeado de muita gente, conseguia ser mais visto e ouvido por todos quando utilizava a natural inclinação da praia e os momentos de calmaria das águas, ao pregar de dentro de uma barca no Lago de Tiberíades. Esse “mar” de Genesaré, ou da Galiléia, como costumeiramente é chamado, e que se localiza ao nordeste da Palestina, com o tempo passou a ser a fronteira oriental da Galiléia. Tem um tamanho considerável, sobretudo para as diminutas concentrações populacionais daqueles tempos, pois chega a ter 12 quilômetros de largura e 21 de comprimento, com uma superfície de 170 km2, e 12 a 18 metros de profundidade em certas partes.
É junto às margens desse lago que se encontra a famosa cidade de Mágdala, na qual Maria, irmã de Lázaro, decaíra moralmente. Ali viveu durante anos, num castelo à beira das águas, antiga propriedade de sua família. Cidade, naqueles tempos, de grande circulação de mercadorias, de refinado luxo e, como conseqüência, de costumes corrompidos. É nas proximidades desse lago que, além de Cafarnaum, encontramos as outras duas cidades que mais assistiram aos milagres do Senhor, sem se converter: Corozaim e Betsaida.
Nessas regiões Nosso Senhor atuou seguidamente, realizando retumbantes milagres como a multiplicação dos pães e dos peixes, e empreendendo uma de suas mais famosas viagens.

II – O acontecimento
A multidão se espremia a cada instante para melhor acompanhar as maravilhas saídas dos lábios do Salvador. De fato, dissera Ele: “Está escrito: Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4, 4). Todos estavam presos àquela adorável voz. Queriam aproveitar as nesgas de luz solar que ainda restavam, para se alimentar daqueles manjares eternos. Por outro lado, em meio ao cansaço daquela ininterrupta jornada, Jesus planejava lançar mão de um de seus refúgios, assim classificados por São Remígio: “Lê-se que o Senhor teve três refúgios, a saber: o barco, o monte e o deserto. Sempre que a multidão O assediava, refugiava-se em um deles” (1).
O Divino Mestre, antes do anoitecer, determinou aos Apóstolos que rumassem ao outro lado, ou seja, à cidade de Gerasa. Chegara o momento dos últimos pedidos e das incontáveis despedidas finais, naquele alvoroço tão próprio ao temperamento oriental. Não deviam faltar aqueles ou aquelas que, não se importando em algo molhar suas vestimentas, aproximaram-se da embarcação para se beneficiar das derradeiras graças daquele abençoado convívio.
Para melhor exercitar a confiança no Pai, alçadas as âncoras, partiram as embarcações sem nenhuma provisão. Comenta Andrés Fernández Truyols SJ:
“O mar estava em bonança; o barco deslizava, suave e ágil, sobre o liso cristal das águas.
“Os Apóstolos conversavam tranquilamente e faziam seus cálculos: dentro de umas duas horas, antes do cair da noite, chegariam à margem oposta, distante apenas uns doze quilômetros. Estavam longe de pensar que pouco depois uma súbita tempestade poria sua fé e confiança a dura prova, proporcionando ao Divino Mestre a ocasião de dar uma esplêndida mostra de seu soberano poder.
“Esse diminuto Mar da Galileia, que de ordinário apresenta-se na aprazível tranquilidade de suas águas, guarda sempre latente a ameaça de alguma furiosa tempestade.
“Situado a mais de duzentos metros abaixo do nível do Mediterrâneo, e apertado de quase todos os lados por um cinturão de montes, recebe sobre sua lisa superfície os ventos que se precipitam do alto do Hermon. Sob esse duro golpe, suas águas se revoltam e saltam como fogoso corcel golpeado pelo chicote. Foi o que se passou nesse dia em que os Apóstolos, ao deixarem a pequena enseada, viram as águas muito tranquilas, sem notar o menor indício de tormenta próxima.
“Jesus aproveitou essa tranquilidade para descansar das fadigas do dia. Estendeu-se na popa, apoiando a cabeça sobre o travesseiro, como nota Marcos (4, 38), provavelmente um pequeno saco de couro cheio de lã, simples e tosco, que, para comodidade dos próprios marinheiros, ou talvez de algum viajante distinto, com certeza as barcas costumavam levar, uma vez que o Evangelista trata disso como algo bem determinado e conhecido, acrescentando o artigo definido (έπί τò πρσχεφάλατσυ). Como os anjos do Céu deveriam estar contemplando seu Rei e Senhor deitado sobre a dura madeira: restaurando suas forças com o sono, Ele, que vigia desde toda a eternidade; vencido pela fadiga, Ele, que move com seu dedo o universo inteiro!
“De súbito, desenhou-se no rosto dos Apóstolos um movimento de inquietação; interrompeu-se a conversa, fixaram-se as vistas no horizonte: sua longa experiência lhes fazia pressentir a tormenta. E ela se precipitou, e desde logo com um ímpeto formidável.
“Enquanto a tempestade fremia, Jesus continuava dormindo. “No princípio, os Apóstolos respeitariam o sono do Mestre. Desceriam as velas, tomariam os remos, poriam em jogo os meios sugeridos por sua perícia na arte de navegar para enfrentar o perigo ameaçador. Mas o mar se enfurecia mais e mais, e a embarcação corria o risco de ser tragada pelas ondas. Então, como supremo recurso, achegamse ao Mestre: ‘Senhor, salva-nos, pois perecemos!’ Ou, segundo a expressão mais viva de São Marcos: ‘Mestre, não Te importa que pereçamos?’
“Tais palavras revelam bem quão turbados estavam os Apóstolos e como havia diminuído sua confiança. No entanto, não estava Jesus com eles? Não estava ali quem disse: ‘Fui Eu quem pôs a areia por limite do mar (...) Por mais que se lhe agitem as ondas, são impotentes, murmuram, mas não vão além’? (Jr 5, 22)” (2).
III – O Evangelho
35 Naquele dia, ao cair da tarde, Jesus disse a seus discípulos: “Vamos para a outra margem!”
São Lucas também assim nos relata esse fato (8, 22-25). São Mateus se cala sobre esse particular. Embora nenhum dos dois Evangelistas declare as razões que levaram o Divino Mestre a tomar essa decisão, são elas facilmente dedutíveis. Como anteriormente dissemos, sintetizam-se na estafa física depois de um laborioso dia. Não nos esqueçamos da natureza humana de Jesus, se bem estivesse unida à divina. Assim, São João também menciona o cansaço do Salvador naquela ocasião em que Ele, estando sentado junto ao poço, vê surgir a samaritana, momento no qual ainda manifesta ter sede (cf. Jo 4, 6-7).
No presente episódio, a plausibilidade dessa hipótese se torna clara pelo profundo sono no qual Jesus caiu, logo depois de subir à barca.
36 Eles despediram a multidão e levaram Jesus consigo, assim como estava, na barca. Havia ainda outras barcas com ele.
Maldonado interpreta o fato de tomarem os Apóstolos a mesma embarcação de Jesus como algo providencial, pois assim, quando Ele os repreendesse pela falta de fé, isso poderia ser feito com toda a liberdade. Parece-nos, porém, mais provável que as circunstâncias assim o exigissem, uma vez que a barca lhes pertencia. Além disso, já se tornara tradicional estarem eles com o Mestre.
Também tradicional era a falta de preparativos para a viagem. Quantos pães e peixes possuíam eles por ocasião dos dois milagres de sua multiplicação? “Não leveis nada para o caminho, nem bastão, nem alforje, nem pão, nem dinheiro, nem leveis duas túnicas” (Lc 9, 3), dissera-lhes Ele. Por isso conduziram-n’O na barca na situação em que se encontravam. De outro lado, pondera São João Crisóstomo, Jesus quis tê-los por testemunhas de seus milagres, mas desejava evitar aos outros o escândalo de verem que eles tinham tão diminuta fé.

Levantou-se uma grande tempestade 
Continua no próximo post

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