Continuação dos comentários ao Evangelho — 12º Domingo do Tempo Comum
Levantou-se uma grande tempestade
37 Começou a soprar uma ventania muito
forte e as ondas se lançavam dentro da barca, de modo que a barca já começava a
se encher.
Essa
tempestade não se armou por acaso. Não poucas vezes, por causa de uma
preocupação naturalista, quer-se atribuir aos elementos a causa, a força e a
glória dos milagres. Essa simplória tendência chama a atenção de certos autores
de fama, como, por exemplo, Fillion: “Em cada uma das categorias dos milagres
evangélicos já ficaram indicadas as objeções mais comuns e mais recentes do
racionalismo, e os princípios que ajudam a refutá-las. Não é, pois, necessário
ocupar-nos das elucubrações da crítica liberal acerca dos milagres do Salvador,
considerados isoladamente. (3). E, a seguir, o conceituado autor expõe o pensamento
de vários dos racionalistas contemporâneos.
Infelizmente,
os limites deste artigo não permitem discorrer sobre esse recalcitrante
racionalismo, um mal muito mais difundido do que parece. Contra seu dogmatismo,
lembremo-nos de que “pela palavra do Senhor foram feitos os céus; e pelo sopro
de sua boca [formaram-se] todos os seu exércitos. Ele junta como num odre as
águas do mar; Ele põe as ondas como em reservatórios” (Sl 32, 6-7). Esse é o
poder de Deus, muito acima do poder da razão humana, também por Ele criada.
“Começou
a soprar uma ventania muito forte”. Alguns autores admitem ter sido essa
tempestade ordenada pelo próprio Senhor, e foi ela grande para que grande
também fosse o prodígio. Ademais, quanto maior fosse o medo dos seus
discípulos, maior seria o alívio de, por Ele, terem sido salvos.
As tormentas interiores
Ao
longo dos dois últimos milênios, com frequência os comentaristas fazem uma
aproximação entre esse paradigmático episódio e a Igreja ou a alma em sua vida
espiritual. Quando falam da Igreja, referem-se mais às perseguições por ela
sofridas, assim como às divisões e heresias surgidas em seu seio. Ao fazerem a
aplicação à alma, concentram sua atenção nos justos e não nos pecadores, os
quais, mesmo que possam ser considerados como uma “barca”, nesta não se
encontrará Cristo, nem sequer dormindo.
Seja
como for, todos nós passamos por tormentas interiores, às vezes, violentas.
Dão-se elas por causas exteriores, mas com frequência também por razões
interiores. Sobre estas se multiplicam as apreciações destes ou daqueles
autores, como, por exemplo, as do Beato João de Ávila:
“Há
aqueles que perderam essa joia da castidade por castigo de Deus que, como diz
São Paulo, com justo juízo os abandonou ‘aos desejos desonestos de seus
corações’ (Rm 1, 24), como nas mãos de cruéis carrascos. (...) E mesmo que isso
seja geral com todos os pecados, é especialmente com o da soberba. Deus costuma
castigar a soberba secreta com a luxúria manifesta. Nabucodonosor, por castigo
de sua soberba, foi rebaixado ao nível dos animais (Dn 4, 20-31), no qual
permaneceu até conhecer e confessar que a excelência do reino é de Deus.
“Há
quem tem a soberba da castidade, crendo quase que ela é devida a suas forças.
Deus o expulsa de entre os seus, e, uma vez fora da companhia dos anjos, ele
cai entre os animais.
“Outros
são soberbos e desprezam seus próximos por vê-los carentes de virtude,
especialmente da castidade. Parecem-se com o fariseu em sua oração: ‘Não sou
mau como os outros homens, nem adúltero’ (Lc 18, 11). Quantas pessoas já vi
serem castigadas com a queda, por cometer este pecado! ‘Não condeneis e não
sereis condenados’ (Lc 6, 37). ‘Com a mesma medida que medirdes sereis medidos’
(Mt 7, 2). ‘Ai de ti que desprezas, porque serás desprezado!’ (cf. Is 33, 1).
“Somos,
todos os homens, da mesma massa, e todos podemos cair nos pecados em que tenham
caído nossos próximos. Tiremos, pois, bem do mal alheio, tomando como salutar
advertência a nós a queda de nosso próximo.
“Não
nos esqueçamos de Davi, o qual, segundo diz São Basílio (cf. Hom. in Ps. 38: PG
30, 87) caiu porque, posto diante da abundância de graças, acreditou-se seguro.
‘Eu disse em minha abundância: Não serei jamais mudado’ (Sl 29, 7). Esqueceu-se
da sentença do Eclesiástico: ‘Nos dias dos bens que temos, recordemo-nos dos
males em que podemos cair’ (cf. 11, 27).
“Parecida
com essa soberba é a vã confiança de quem procura a castidade apoiando-se
apenas em suas próprias forças. Este pode repetir o que foi dito pelos
apóstolos: ‘Trabalhamos a noite inteira em vão’ (Lc 5, 5), ou pelo
Eclesiástico: ‘Quanto mais eu a procurava, tanto para mais longe fugiu de mim’
(7, 24). O que significa excesso de confiança em si mesmo e falta de oração ao
Senhor e a Maria.
“Quando
era o tempo em que os reis (cf. 2 Sm 11, 1-4) saíam para batalhar, Davi enviou
seus generais, mas ele, acentua o livro santo, deixou-se ficar em casa e,
passeando, caiu na tentação e no pecado de adultério. Quem foge do trabalho e
do cumprimento de suas obrigações, logo será tentado.
“Por
fim, a rebeldia da carne, de que sofre a humanidade, vem da desobediência de
Adão. Quem desobedece a Deus e a seus representantes — os superiores —, costuma
ser logo castigado com a revolta de suas potências inferiores à razão” (4).
A quem
Deus castiga? Por incrível que pareça, Ele permite à tempestade desabar sobre
as almas amadas por Ele. É o próprio Deus que declara fazer uso desse
procedimento: “Não desprezes, meu filho, as lições de teu Deus; nem te irrites
quando Ele te repreender, pois o Senhor castiga aquele a quem ama, como a um
filho querido” (Pr 3, 11-12). “Aos que amo, Eu os repreendo e castigo. Sê,
pois, zeloso e arrepende-te” (Ap 3, 19).
Deus nos corrige através da
tribulação
Santo
Agostinho é também categórico a esse propósito, pois assevera não pertencer à
classe dos filhos quem não passa por atribulações. E em São Paulo encontramos a
perfeita explicação: “É para vossa emenda que sofreis provação. Deus vos trata
como filhos. E qual é o filho a quem seu pai não corrige? Se, porém, fôsseis
privados da correção, da qual todos são participantes, então seríeis bastardos,
e não filhos legítimos. Além disso, visto que nossos pais segundo a carne nos
castigam, e nós os respeitamos, quanto mais não devemos ser obedientes ao Pai
das nossas almas, para termos a vida? E aqueles castigavam-nos por um período
de poucos dias, como bem lhes parecia. Este, porém, para nosso bem, para nos
tornar participantes da sua santidade” (Hb 12, 7-10).
Esses
trechos das Escrituras fazem-nos melhor compreender quanto o aparente sucesso
dos maus, suas delícias e prosperidade muitas vezes podem significar um dos
piores castigos. Davi nos ensina como “o ímpio diz em sua arrogância: Não há
castigo! Deus não existe! (...) Diz em seu coração: Jamais serei abalado, não
hei de cair na desgraça” (Sl 9, 25-27).
Assim,
podemos dizer de Deus que, sendo Pai de toda consolação, é também o Pai da
tribulação. Através desta, Ele nos corrige. Castiga-nos a fim de nos
emendarmos, pois jamais quer a morte do pecador, mas sim que se converta e viva
(cf. Ez 33, 11).
Bons e maus passam por borrascas
“Apesar
de os justos e os maus sofrerem o mesmo tormento, virtude e vício não são a
mesma coisa. Porque, assim como com um mesmo fogo o ouro resplandece,
descobrindo seus quilates, e a palha fumega, e com o mesmo debulhador se quebra
a arista da espiga do trigo e limpa-se o grão, assim também uma mesma adversidade
prova, purifica e aprimora os bons, enquanto reprova, destrói e aniquila os
maus. Por conseguinte, quando atingidos por uma mesma calamidade, os pecadores
abominam a Deus e blasfemam contra Ele, e os justos O glorificam e pedem
misericórdia. A diferença entre tão variados sentimentos consiste, não na
qualidade do mal que se padece, mas nas pessoas que o sofrem; porque,
revolvidos da mesma maneira, o lodo exala um fedor insuportável, e o perfume
precioso, uma fragância suavíssima” (5).
O “sono” de Jesus em nossa alma
Continua no próximo post
Nenhum comentário:
Postar um comentário