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terça-feira, 16 de junho de 2015

Evangelho XII Domingo do Tempo Comum - Ano B - Mc 4, 35-41

Continuação dos comentários ao Evangelho — 12º Domingo do Tempo  Comum
Levantou-se uma grande tempestade
37 Começou a soprar uma ventania muito forte e as ondas se lançavam dentro da barca, de modo que a barca já começava a se encher.
Essa tempestade não se armou por acaso. Não poucas vezes, por causa de uma preocupação naturalista, quer-se atribuir aos elementos a causa, a força e a glória dos milagres. Essa simplória tendência chama a atenção de certos autores de fama, como, por exemplo, Fillion: “Em cada uma das categorias dos milagres evangélicos já ficaram indicadas as objeções mais comuns e mais recentes do racionalismo, e os princípios que ajudam a refutá-las. Não é, pois, necessário ocupar-nos das elucubrações da crítica liberal acerca dos milagres do Salvador, considerados isoladamente. (3). E, a seguir, o conceituado autor expõe o pensamento de vários dos racionalistas contemporâneos.
Infelizmente, os limites deste artigo não permitem discorrer sobre esse recalcitrante racionalismo, um mal muito mais difundido do que parece. Contra seu dogmatismo, lembremo-nos de que “pela palavra do Senhor foram feitos os céus; e pelo sopro de sua boca [formaram-se] todos os seu exércitos. Ele junta como num odre as águas do mar; Ele põe as ondas como em reservatórios” (Sl 32, 6-7). Esse é o poder de Deus, muito acima do poder da razão humana, também por Ele criada.
“Começou a soprar uma ventania muito forte”. Alguns autores admitem ter sido essa tempestade ordenada pelo próprio Senhor, e foi ela grande para que grande também fosse o prodígio. Ademais, quanto maior fosse o medo dos seus discípulos, maior seria o alívio de, por Ele, terem sido salvos.
As tormentas interiores

Ao longo dos dois últimos milênios, com frequência os comentaristas fazem uma aproximação entre esse paradigmático episódio e a Igreja ou a alma em sua vida espiritual. Quando falam da Igreja, referem-se mais às perseguições por ela sofridas, assim como às divisões e heresias surgidas em seu seio. Ao fazerem a aplicação à alma, concentram sua atenção nos justos e não nos pecadores, os quais, mesmo que possam ser considerados como uma “barca”, nesta não se encontrará Cristo, nem sequer dormindo.
Seja como for, todos nós passamos por tormentas interiores, às vezes, violentas. Dão-se elas por causas exteriores, mas com frequência também por razões interiores. Sobre estas se multiplicam as apreciações destes ou daqueles autores, como, por exemplo, as do Beato João de Ávila:
“Há aqueles que perderam essa joia da castidade por castigo de Deus que, como diz São Paulo, com justo juízo os abandonou ‘aos desejos desonestos de seus corações’ (Rm 1, 24), como nas mãos de cruéis carrascos. (...) E mesmo que isso seja geral com todos os pecados, é especialmente com o da soberba. Deus costuma castigar a soberba secreta com a luxúria manifesta. Nabucodonosor, por castigo de sua soberba, foi rebaixado ao nível dos animais (Dn 4, 20-31), no qual permaneceu até conhecer e confessar que a excelência do reino é de Deus.
“Há quem tem a soberba da castidade, crendo quase que ela é devida a suas forças. Deus o expulsa de entre os seus, e, uma vez fora da companhia dos anjos, ele cai entre os animais.
“Outros são soberbos e desprezam seus próximos por vê-los carentes de virtude, especialmente da castidade. Parecem-se com o fariseu em sua oração: ‘Não sou mau como os outros homens, nem adúltero’ (Lc 18, 11). Quantas pessoas já vi serem castigadas com a queda, por cometer este pecado! ‘Não condeneis e não sereis condenados’ (Lc 6, 37). ‘Com a mesma medida que medirdes sereis medidos’ (Mt 7, 2). ‘Ai de ti que desprezas, porque serás desprezado!’ (cf. Is 33, 1).
“Somos, todos os homens, da mesma massa, e todos podemos cair nos pecados em que tenham caído nossos próximos. Tiremos, pois, bem do mal alheio, tomando como salutar advertência a nós a queda de nosso próximo.
“Não nos esqueçamos de Davi, o qual, segundo diz São Basílio (cf. Hom. in Ps. 38: PG 30, 87) caiu porque, posto diante da abundância de graças, acreditou-se seguro. ‘Eu disse em minha abundância: Não serei jamais mudado’ (Sl 29, 7). Esqueceu-se da sentença do Eclesiástico: ‘Nos dias dos bens que temos, recordemo-nos dos males em que podemos cair’ (cf. 11, 27).
“Parecida com essa soberba é a vã confiança de quem procura a castidade apoiando-se apenas em suas próprias forças. Este pode repetir o que foi dito pelos apóstolos: ‘Trabalhamos a noite inteira em vão’ (Lc 5, 5), ou pelo Eclesiástico: ‘Quanto mais eu a procurava, tanto para mais longe fugiu de mim’ (7, 24). O que significa excesso de confiança em si mesmo e falta de oração ao Senhor e a Maria.
“Quando era o tempo em que os reis (cf. 2 Sm 11, 1-4) saíam para batalhar, Davi enviou seus generais, mas ele, acentua o livro santo, deixou-se ficar em casa e, passeando, caiu na tentação e no pecado de adultério. Quem foge do trabalho e do cumprimento de suas obrigações, logo será tentado.
“Por fim, a rebeldia da carne, de que sofre a humanidade, vem da desobediência de Adão. Quem desobedece a Deus e a seus representantes — os superiores —, costuma ser logo castigado com a revolta de suas potências inferiores à razão” (4).
A quem Deus castiga? Por incrível que pareça, Ele permite à tempestade desabar sobre as almas amadas por Ele. É o próprio Deus que declara fazer uso desse procedimento: “Não desprezes, meu filho, as lições de teu Deus; nem te irrites quando Ele te repreender, pois o Senhor castiga aquele a quem ama, como a um filho querido” (Pr 3, 11-12). “Aos que amo, Eu os repreendo e castigo. Sê, pois, zeloso e arrepende-te” (Ap 3, 19).
Deus nos corrige através da tribulação
Santo Agostinho é também categórico a esse propósito, pois assevera não pertencer à classe dos filhos quem não passa por atribulações. E em São Paulo encontramos a perfeita explicação: “É para vossa emenda que sofreis provação. Deus vos trata como filhos. E qual é o filho a quem seu pai não corrige? Se, porém, fôsseis privados da correção, da qual todos são participantes, então seríeis bastardos, e não filhos legítimos. Além disso, visto que nossos pais segundo a carne nos castigam, e nós os respeitamos, quanto mais não devemos ser obedientes ao Pai das nossas almas, para termos a vida? E aqueles castigavam-nos por um período de poucos dias, como bem lhes parecia. Este, porém, para nosso bem, para nos tornar participantes da sua santidade” (Hb 12, 7-10).
Esses trechos das Escrituras fazem-nos melhor compreender quanto o aparente sucesso dos maus, suas delícias e prosperidade muitas vezes podem significar um dos piores castigos. Davi nos ensina como “o ímpio diz em sua arrogância: Não há castigo! Deus não existe! (...) Diz em seu coração: Jamais serei abalado, não hei de cair na desgraça” (Sl 9, 25-27).
Assim, podemos dizer de Deus que, sendo Pai de toda consolação, é também o Pai da tribulação. Através desta, Ele nos corrige. Castiga-nos a fim de nos emendarmos, pois jamais quer a morte do pecador, mas sim que se converta e viva (cf. Ez 33, 11).

Bons e maus passam por borrascas
 Em síntese, bons e maus passam por borrascas; o problema está na disposição interior de uns e de outros durante elas, conforme explica Santo Agostinho:
“Apesar de os justos e os maus sofrerem o mesmo tormento, virtude e vício não são a mesma coisa. Porque, assim como com um mesmo fogo o ouro resplandece, descobrindo seus quilates, e a palha fumega, e com o mesmo debulhador se quebra a arista da espiga do trigo e limpa-se o grão, assim também uma mesma adversidade prova, purifica e aprimora os bons, enquanto reprova, destrói e aniquila os maus. Por conseguinte, quando atingidos por uma mesma calamidade, os pecadores abominam a Deus e blasfemam contra Ele, e os justos O glorificam e pedem misericórdia. A diferença entre tão variados sentimentos consiste, não na qualidade do mal que se padece, mas nas pessoas que o sofrem; porque, revolvidos da mesma maneira, o lodo exala um fedor insuportável, e o perfume precioso, uma fragância suavíssima” (5).
O “sono” de Jesus em nossa alma
Continua no próximo post

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