Conclusão dos comentários ao Evangelho — 12º Domingo do Tempo Comum
O “sono” de Jesus em nossa alma
38 Jesus estava na parte detrás, dormindo
sobre um travesseiro.
Tal
como a tempestade, o sono de Jesus naquele momento parecia ser preconcebido
segundo uma finalidade que Ele tinha em vista. Era altamente formativo para
seus discípulos sentirem a própria contingência e, assim, serem estimulados a
recorrer a Ele em última instância. Com isso estariam criadas as condições para
a manifestação de seu poder divino. A esse respeito nos diz São João
Crisóstomo: “Se Ele tivesse estado acordado, ou eles não tivessem temido nem
tivessem rogado que os salvasse quando a tempestade se levantou, não teriam
pensado que pudesse fazer tal milagre” (6).
Com
muito acerto, fazem os autores uma aproximação entre esse fato ocorrido com os
Apóstolos e o mistério do “sono” de Jesus, que às vezes se repete durante a
tempestade pela qual passam nossas almas. Esse “sono” de Jesus poderá ser real
ou aparente.
Quando nós nos afastamos de
Jesus: “sono real”
Se, por
desgraça, abraçamos o pecado mortal, nós nos afastamos de Jesus. Este é o mais
terrível dos “sonos”, pois somos nós que O obrigamos a distanciar-Se de nós,
além de perdermos a graça santificante. Logo em seguida arma-se a tempestade de
nossas más tendências e paixões desordenadas, e submerge nosso senso moral. E
se, nessa situação, somos apanhados pela morte, Deus dormirá em relação a nós o
“sono eterno” de nossa terrível condenação ao inferno. Não haverá jamais, neste
caso, meios de despertá-Lo.
Para o progresso de nossas almas:
“sono aparente”
Há
circunstâncias dolorosas em nossa vida espiritual, nas quais Jesus parecerá
dormir, causando-nos a sensação de estarmos abandonados. Essa será uma ótima
oportunidade para combater nossa presunção e compreender que sem Ele nada
podemos fazer (cf. Jo 15, 5). O temor de Deus não só é o princípio da
Sabedoria, mas também excelente meio de santificação (cf. Fl 2, 12). Privados
por um período das delícias de suas consolações, mais facilmente nos
purificamos das desordens de nossos afetos.
Também nosso sono deve ser
santificado
Por
outro lado, conforme comenta Santo Agostinho, levando-se em conta que as menores
ações de Jesus contêm lições de alta sabedoria para nós, o sono de Jesus na
barca mostra-nos quanto devemos santificar nosso repouso. Afinal de contas, o
sono ocupa uma considerável parte de nossa existência sobre a terra e, em certo
sentido, é imagem da morte. Se desejamos que nossa morte seja santa e piedosa,
é indispensável que também o seja sua prefiguração. É fundamental adormecermos
sob as bênçãos do Sagrado Coração de Jesus e de Maria Santíssima: “Guardai-nos
também quando dormimos! (...) nosso corpo repouse em sua paz!” (7). Para tal,
nada melhor do que evitar atitudes e modos de ser penetrados pelo espírito de
moleza, a falta de pudor ou a sensualidade.
Na hora da tempestade, desperta
tua fé e virá a bonança
38 Jesus estava na parte detrás, dormindo
sobre um travesseiro. Os discípulos o acordaram e disseram: “Mestre, estamos
perecendo e tu não te importas?”
Quando,
porém, sem culpa nossa, damo-nos conta de estarmos involucrados em algum
perigo, sigamos o conselho de Santo Agostinho:
“Cristão!
em tua embarcação dorme Cristo; desperta-O, e Ele ameaçará a tempestade e será
restabelecida a calma. Os discípulos, a ponto de naufragarem junto a Cristo
adormecido, representam os cristãos em perigo de soçobrar porque sua fé dorme.
Já sabes o que disse São Paulo: ‘que Cristo habite pela fé em vossos corações’
(Ef 3, 17). Segundo a presença de sua formosura e divindade, Cristo está sempre
com o Pai. Segundo sua presença corporal, vive agora no Céu sentado à direita
do Onipotente. Segundo a presença da fé, está dentro de nós. Portanto, se te
vires em perigo, será porque Cristo dorme, isto é, será porque não vences as
concupiscências que se levantam como vendavais de mau conselho, será porque tua
fé está adormecida. No que consiste esse sono da fé? Em te esqueceres dela. E
no que consiste despertar a Cristo? Em despertar a tua fé, em recordar o que
crias. Recorda, portanto, tua fé, desperta a Cristo, e tua própria fé dominará
as ondas que te turbam e os ventos que te aconselham o mal. Virá então a
bonança, pois mesmo que os conselhos perversos não se calem, não mais sacudirão
a embarcação, não encresparão as ondas nem poderão afundar o barquinho em que
navegas” (8).
Não O viram senão como homem
39 Ele se levantou e ordenou ao vento e ao
mar: “Silêncio! Cala-te!” O vento cessou e houve uma grande calmaria. 40 Então
Jesus perguntou aos discípulos: “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes
fé?” 41 Eles sentiram um grande medo e diziam uns aos outros: “Quem é este, a
quem até o vento e o mar obedecem?”
É bem
paradigmática para nós essa tempestade pela qual passaram os Apóstolos. Por
quantos perigos não passamos nós também, durante a vida? Se eles são evitáveis,
não devemos enfrentá-los; se a eles nos expusermos, se os procurarmos e os
amarmos, é certo que pereceremos. A fuga, nesses casos, acompanhada de oração,
é o melhor remédio.
Comenta
Frei Manuel de Tuya OP: “Se bem que os Apóstolos já tivessem presenciado alguns
milagres de Cristo, não se lembraram de seu poder ante um espetáculo tão
imponente. Mas seu império diante de forças cósmicas desencadeadas produz-lhes
tão forte admiração que se perguntam quem é esse que tem tais poderes” (9).
Devido
à união das duas naturezas — divina e humana — na Segunda Pessoa da Santíssima
Trindade, “o homem recebeu no tempo a onipotência que o Filho de Deus teve ab
aeterno”, diz São Tomás de Aquino (10). A alma de Nosso Senhor recebeu o poder
divino de fazer milagres numa tal superabundância que é por transmissão d’Ele
que os Santos assim também operam, como vemos em Mateus (10, 1) (11). Por essa
razão manifestou todo o seu poder, inclusive sobre as criaturas irracionais,
como os ventos, o mar, a tempestade; ou, durante sua Paixão, sobre vários
elementos quando o véu do Templo se rasgou, os túmulos se abriram, a terra
tremeu e as rochas se fenderam (12).
A
respeito desta passagem, comenta Teófilo: “Se tivessem fé, eles teriam
acreditado que, mesmo dormindo, [Jesus] podia conservá-los incólumes (...).
Acalmando, pois, o mar com uma ordem — e não com uma vara como Moisés (Ex 14),
nem com a oração como Eliseu no Jordão (2 Sm 2), nem com a arca como Josué (Js
3) —, Se mostrou a eles como Deus, e como homem, quando Se entregou ao sono”
(13).
IV – As borrascas sobre a igreja
Ao
longo de dois milênios, a Igreja viu abater-se sobre Ela toda espécie de
tempestades, ameaçando sua existência. Ora foram perseguições declaradas e
cruentas, ora silenciosas e hipócritas. Ódios mortais e ingratidões históricas
vincaram o curso das heresias e dos cismas.
Entretanto,
a Igreja nunca duvidou d’Aquele que vela por seu imortal destino. E mesmo
quando Ele parece dormir, faz ecoar no interior dos fiéis sua infalível
promessa: Ecce ego vobiscum sum omnibus
diebus, usque ad consummationem saeculi — “Eu estarei convosco todos os
dias até o fim do mundo” (Mt 28, 20). A Igreja aprendeu com os Apóstolos a
invocá-Lo e, dominando ou não a tempestade, a barca, mesmo em meio aos mais
terríveis perigos, jamais vai ao fundo. Pelo contrário, como que ressurge
sempre mais forte, mais jovem e com beleza invariavelmente acrescida. A cada
ameaça, sua glória se eleva, por ser inquebrantável sua fé.
Quão
grande bênção e que incomensurável graça sermos filhos da Igreja!
1) Apud
São Tomás de Aquino, Catena Aurea.
2 )
Vida de Nuestro Señor Jesucristo, BAC, Madrid, 1954, pp. 316-318.
3 )
Vida de Nuestro Señor Jesucristo, Ed. Voluntad, 1926, t. III, p. 564.
4 )
Obras espirituales del Padre Maestro Beato Juan de Ávila, Apostolado de la
Prensa, Madrid, 1951, pp. 49-50.
5) A
Cidade de Deus, Livro 1, cap. 8.
6) Hom
in Matt, 28, apud S. Tomás de Aquino, Catena Aurea.
7 )
Ofício Divino – Completas.
8 )
Serm. 361: PL 39, 1602.
9 )
Biblia Comentada, BAC, Madrid, 1964, v. II, p. 656.
10 )
Suma Teológica, III q. 13 a.1 ad 1.
11 ) Cf. Idem, III q. 13 a.2 ad 3.
12 )
Cf. Mt 27, 51-52 e Suma Teológica, III q. 44 a.4 ad 3.
13 )
Apud Catena Aurea.
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