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quarta-feira, 17 de junho de 2015

Evangelho XII Domingo do Tempo Comum - Ano B - Mc 4, 35-41

Conclusão dos comentários ao Evangelho — 12º Domingo do Tempo  Comum
O “sono” de Jesus em nossa alma
38 Jesus estava na parte detrás, dormindo sobre um travesseiro.
Tal como a tempestade, o sono de Jesus naquele momento parecia ser preconcebido segundo uma finalidade que Ele tinha em vista. Era altamente formativo para seus discípulos sentirem a própria contingência e, assim, serem estimulados a recorrer a Ele em última instância. Com isso estariam criadas as condições para a manifestação de seu poder divino. A esse respeito nos diz São João Crisóstomo: “Se Ele tivesse estado acordado, ou eles não tivessem temido nem tivessem rogado que os salvasse quando a tempestade se levantou, não teriam pensado que pudesse fazer tal milagre” (6).
Com muito acerto, fazem os autores uma aproximação entre esse fato ocorrido com os Apóstolos e o mistério do “sono” de Jesus, que às vezes se repete durante a tempestade pela qual passam nossas almas. Esse “sono” de Jesus poderá ser real ou aparente.
Quando nós nos afastamos de Jesus: “sono real”
Se, por desgraça, abraçamos o pecado mortal, nós nos afastamos de Jesus. Este é o mais terrível dos “sonos”, pois somos nós que O obrigamos a distanciar-Se de nós, além de perdermos a graça santificante. Logo em seguida arma-se a tempestade de nossas más tendências e paixões desordenadas, e submerge nosso senso moral. E se, nessa situação, somos apanhados pela morte, Deus dormirá em relação a nós o “sono eterno” de nossa terrível condenação ao inferno. Não haverá jamais, neste caso, meios de despertá-Lo.

Para o progresso de nossas almas: “sono aparente”
Há circunstâncias dolorosas em nossa vida espiritual, nas quais Jesus parecerá dormir, causando-nos a sensação de estarmos abandonados. Essa será uma ótima oportunidade para combater nossa presunção e compreender que sem Ele nada podemos fazer (cf. Jo 15, 5). O temor de Deus não só é o princípio da Sabedoria, mas também excelente meio de santificação (cf. Fl 2, 12). Privados por um período das delícias de suas consolações, mais facilmente nos purificamos das desordens de nossos afetos.
Também nosso sono deve ser santificado
Por outro lado, conforme comenta Santo Agostinho, levando-se em conta que as menores ações de Jesus contêm lições de alta sabedoria para nós, o sono de Jesus na barca mostra-nos quanto devemos santificar nosso repouso. Afinal de contas, o sono ocupa uma considerável parte de nossa existência sobre a terra e, em certo sentido, é imagem da morte. Se desejamos que nossa morte seja santa e piedosa, é indispensável que também o seja sua prefiguração. É fundamental adormecermos sob as bênçãos do Sagrado Coração de Jesus e de Maria Santíssima: “Guardai-nos também quando dormimos! (...) nosso corpo repouse em sua paz!” (7). Para tal, nada melhor do que evitar atitudes e modos de ser penetrados pelo espírito de moleza, a falta de pudor ou a sensualidade.
Na hora da tempestade, desperta tua fé e virá a bonança
38 Jesus estava na parte detrás, dormindo sobre um travesseiro. Os discípulos o acordaram e disseram: “Mestre, estamos perecendo e tu não te importas?”
Quando, porém, sem culpa nossa, damo-nos conta de estarmos involucrados em algum perigo, sigamos o conselho de Santo Agostinho:
“Cristão! em tua embarcação dorme Cristo; desperta-O, e Ele ameaçará a tempestade e será restabelecida a calma. Os discípulos, a ponto de naufragarem junto a Cristo adormecido, representam os cristãos em perigo de soçobrar porque sua fé dorme. Já sabes o que disse São Paulo: ‘que Cristo habite pela fé em vossos corações’ (Ef 3, 17). Segundo a presença de sua formosura e divindade, Cristo está sempre com o Pai. Segundo sua presença corporal, vive agora no Céu sentado à direita do Onipotente. Segundo a presença da fé, está dentro de nós. Portanto, se te vires em perigo, será porque Cristo dorme, isto é, será porque não vences as concupiscências que se levantam como vendavais de mau conselho, será porque tua fé está adormecida. No que consiste esse sono da fé? Em te esqueceres dela. E no que consiste despertar a Cristo? Em despertar a tua fé, em recordar o que crias. Recorda, portanto, tua fé, desperta a Cristo, e tua própria fé dominará as ondas que te turbam e os ventos que te aconselham o mal. Virá então a bonança, pois mesmo que os conselhos perversos não se calem, não mais sacudirão a embarcação, não encresparão as ondas nem poderão afundar o barquinho em que navegas” (8).
Não O viram senão como homem
39 Ele se levantou e ordenou ao vento e ao mar: “Silêncio! Cala-te!” O vento cessou e houve uma grande calmaria. 40 Então Jesus perguntou aos discípulos: “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” 41 Eles sentiram um grande medo e diziam uns aos outros: “Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?”
É bem paradigmática para nós essa tempestade pela qual passaram os Apóstolos. Por quantos perigos não passamos nós também, durante a vida? Se eles são evitáveis, não devemos enfrentá-los; se a eles nos expusermos, se os procurarmos e os amarmos, é certo que pereceremos. A fuga, nesses casos, acompanhada de oração, é o melhor remédio.
Comenta Frei Manuel de Tuya OP: “Se bem que os Apóstolos já tivessem presenciado alguns milagres de Cristo, não se lembraram de seu poder ante um espetáculo tão imponente. Mas seu império diante de forças cósmicas desencadeadas produz-lhes tão forte admiração que se perguntam quem é esse que tem tais poderes” (9).
Devido à união das duas naturezas — divina e humana — na Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, “o homem recebeu no tempo a onipotência que o Filho de Deus teve ab aeterno”, diz São Tomás de Aquino (10). A alma de Nosso Senhor recebeu o poder divino de fazer milagres numa tal superabundância que é por transmissão d’Ele que os Santos assim também operam, como vemos em Mateus (10, 1) (11). Por essa razão manifestou todo o seu poder, inclusive sobre as criaturas irracionais, como os ventos, o mar, a tempestade; ou, durante sua Paixão, sobre vários elementos quando o véu do Templo se rasgou, os túmulos se abriram, a terra tremeu e as rochas se fenderam (12).
A respeito desta passagem, comenta Teófilo: “Se tivessem fé, eles teriam acreditado que, mesmo dormindo, [Jesus] podia conservá-los incólumes (...). Acalmando, pois, o mar com uma ordem — e não com uma vara como Moisés (Ex 14), nem com a oração como Eliseu no Jordão (2 Sm 2), nem com a arca como Josué (Js 3) —, Se mostrou a eles como Deus, e como homem, quando Se entregou ao sono” (13).
IV – As borrascas sobre a igreja
Ao longo de dois milênios, a Igreja viu abater-se sobre Ela toda espécie de tempestades, ameaçando sua existência. Ora foram perseguições declaradas e cruentas, ora silenciosas e hipócritas. Ódios mortais e ingratidões históricas vincaram o curso das heresias e dos cismas.
Entretanto, a Igreja nunca duvidou d’Aquele que vela por seu imortal destino. E mesmo quando Ele parece dormir, faz ecoar no interior dos fiéis sua infalível promessa: Ecce ego vobiscum sum omnibus diebus, usque ad consummationem saeculi — “Eu estarei convosco todos os dias até o fim do mundo” (Mt 28, 20). A Igreja aprendeu com os Apóstolos a invocá-Lo e, dominando ou não a tempestade, a barca, mesmo em meio aos mais terríveis perigos, jamais vai ao fundo. Pelo contrário, como que ressurge sempre mais forte, mais jovem e com beleza invariavelmente acrescida. A cada ameaça, sua glória se eleva, por ser inquebrantável sua fé.
Quão grande bênção e que incomensurável graça sermos filhos da Igreja!
1) Apud São Tomás de Aquino, Catena Aurea.
2 ) Vida de Nuestro Señor Jesucristo, BAC, Madrid, 1954, pp. 316-318.
3 ) Vida de Nuestro Señor Jesucristo, Ed. Voluntad, 1926, t. III, p. 564.
4 ) Obras espirituales del Padre Maestro Beato Juan de Ávila, Apostolado de la Prensa, Madrid, 1951, pp. 49-50.
5) A Cidade de Deus, Livro 1, cap. 8.
6) Hom in Matt, 28, apud S. Tomás de Aquino, Catena Aurea.
7 ) Ofício Divino – Completas.
8 ) Serm. 361: PL 39, 1602.
9 ) Biblia Comentada, BAC, Madrid, 1964, v. II, p. 656.
10 ) Suma Teológica, III q. 13 a.1 ad 1.
 11 ) Cf. Idem, III q. 13 a.2 ad 3.
12 ) Cf. Mt 27, 51-52 e Suma Teológica, III q. 44 a.4 ad 3.

13 ) Apud Catena Aurea.

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