Comentários ao Evangelho – XVIII Domingo do Tempo Comum – Ano B
Naquele tempo, 24quando a multidão viu que
Jesus não estava ali, nem os seus discípulos, subiram às barcas e foram à
procura de Jesus, em Cafarnaum. 25Quando o encontraram no outro lado do mar,
perguntaram-lhe: “Rabi, quando chegaste aqui?”
26Jesus respondeu: “Em verdade, em verdade,
eu vos digo: estais me procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes
pão e ficastes satisfeitos. 27Esforçai-vos não pelo alimento que se perde, mas
pelo alimento que permanece até a vida eterna, e que o Filho do Homem vos dará.
Pois este é quem o Pai marcou com seu selo”.
28Então perguntaram: “Que devemos fazer para
realizar as obras de Deus?” 29Jesus respondeu: “A obra de Deus é que acrediteis
naquele que ele enviou”.
30Eles perguntaram: “Que sinal realizas,
para que possamos ver e crer em ti? Que obra fazes? 31Nossos pais comeram o
maná no deserto, como está na Escritura: ‘Pão do céu deu-lhes a comer’”. 32Jesus
respondeu: “Em verdade, em verdade vos digo, não foi Moisés quem vos deu o pão
que veio do céu. É meu Pai que vos dá o verdadeiro pão do céu. 33Pois o pão de
Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo”. 34Então pediram: “Senhor,
dá-nos sempre desse pão”.
35Jesus lhes disse: “Eu sou o pão da vida.
Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede”. ( Jo 6, 24-35)
O pedagogo incomparável
Com insuperável didática, utilizando a figura material da
multiplicação dos pães, o Divino Mestre prepara o povo para a aceitação do
verdadeiro Pão da Vida, anunciado através dos séculos.
Mons.
João Scognamiglio Clá Dias, EP
I – Deus educa o
povo eleito
Os
textos da liturgia do 18º Domingo do Tempo Comum contemplam episódios que,
apesar da grande distância cronológica, guardam íntima relação entre si. A
primeira leitura, tirada do Livro do Êxodo, relata uma murmuração dos filhos de
Israel por causa da escassez de alimento pela qual passavam no deserto. Estado de
espírito que revela a ingratidão característica de pessoas de “cabeça dura e
coração de pedra” (Ez 2, 4).
Sem
dúvida, como facilmente se compreende, muito árdua deveria ser aquela caminhada
de um povo inteiro rumo à Terra Prometida. “Os vales eram cada vez mais
estreitos; os montes, mais sombrios. E aquela grandiosa paisagem montanhosa —
com seus desfiladeiros pelos quais precisavam passar apertados — tornava-se
cada vez mais estranha aos israelitas, acostumados às planícies do Baixo Egito.
Essa marcha foi penosa em extremo; a alimentação era escassa, e indizíveis as
preocupações pelo descanso e por suas mulheres e filhos. Recordaram-se então do
Egito, onde as fadigas haviam sido maiores, mas onde contavam pelo menos com o
descanso e a comodidade da noite. Apoderou-se deles uma profunda nostalgia”.1
No
Egito, apesar da aspereza inerente à escravidão, após a ingrata labuta diária,
não lhes faltava comida em casa. Tenhamos presente que, além da abundância de
peixes, as cheias regulares do rio Nilo fertilizavam as terras de modo a, já
naquela época, possibilitar três colheitas ao ano. E, naturalmente, nas
precariedades de uma marcha pelo deserto, não dispunham das mesmas regalias.
Agora, em tudo dependiam da Providência, e muitas vezes, pela intercessão de Moisés,
a água tinha de ser obtida da rocha... Ou seja, a instabilidade material era
completa, devendo eles a todo momento praticar atos de confiança no auxílio
divino, em tantas ocasiões contra todas as aparências.
Os filhos de
Israel se revoltam contra Deus
Naquela
difícil situação, por infidelidade, murmurava o povo judeu contra Moisés e, no
fundo, contra o próprio Deus, dizendo: “Oxalá tivéssemos morrido pela mão do
Senhor no Egito, quando nos sentávamos junto às panelas de carne e comíamos pão
com fartura! Por que nos trouxestes a este deserto para matar de fome toda esta
gente?” (Ex 16, 3).
Olvidando
todos os prodígios realizados por Deus até aquele momento para livrá-los da
escravidão e alheios aos superiores planos divinos, os israelitas se revoltaram
diante da perspectiva de morrer de fome. A bem dizer, naquelas circunstâncias,
viviam do milagre cotidiano. Entretanto, não tiveram suficiente elevação de vistas
para compreender que tudo estava previsto pelo Deus de Israel.
“O
Senhor disse a Moisés: ‘Farei chover para vós o pão do céu’” (Ex 16, 4). E a
seguir, foram-lhes dadas as indicações sobre o modo de proceder com o milagroso
alimento vindo do alto. Essas instruções nos explicam a razão da prova: Deus
está educando na virtude da confiança esse povo de cerviz dura.
Uma prova para educa-los
na confiança
O fundo
da questão, o verdadeiro drama dos judeus consistia na falta de fé e na pouca
confiança na Divina Providência. Preferiam uma segurança material que excluísse
toda incerteza a respeito do futuro. Deles, contudo, Deus pedia um abandono
inteiro em suas mãos para convertê-los — como veremos na segunda leitura — de
homens velhos em homens novos, com perspectivas mais elevadas, com outra
mentalidade, inteiramente dóceis aos desígnios celestes.
A
confiança dia a dia era a condição exigida: “O povo sairá diariamente e só
recolherá a porção de cada dia; assim o porei à prova, para ver se anda ou não
na minha lei” (Ex 16, 4). Bem podemos supor que, embora eles tivessem ouvido
com clareza a ordem do Senhor, logo na primeira vez muitos devem ter recolhido
além do necessário, na incerteza da repetição do milagre nos dias subsequentes.
Ora, essa porção cuidadosamente reservada apodrecia... Tratava-se de uma prova
para educá-los na fé, na confiança e na disponibilidade plena nas mãos divinas.
Pois o Deus de Abraão saberia cuidar deles melhor do que eles próprios.
E é
curioso ressaltar o quanto esta solicitude foi meticulosa: a fim de preservar o
culto divino, somente na sexta-feira era permitida a coleta de duas medidas, de
maneira a poupar o povo de trabalho aos sábados, os quais deveriam ser
dedicados inteiramente à oração. Diz ainda Deus a Moisés: “‘Eu ouvi as
murmurações dos filhos de Israel’. Dize-lhes, pois: ‘Ao anoitecer comereis
carne, e pela manhã vos fartareis de pão. Assim sabereis que Eu sou o Senhor
vosso Deus’. Com efeito, à tarde, veio uma multidão de codornizes que cobriu
completamente o acampamento; e, pela manhã formou-se uma camada de orvalho ao
redor das tendas. Quando se evaporou o orvalho que caíra, apareceu na
superfície do deserto uma coisa miúda, em forma de grãos, fina como a geada
sobre a terra” (Ex 16, 12-14).
Apesar
da murmuração, manifestando um amor incondicional ao povo eleito, generosamente
o Senhor lhes deu alimento em abundância: “vos fartarei de pão”. Saciou-os
também de carne: eles a comeram “até lhes saírem pelas narinas e ficarem
enjoados” (Nm 11, 20).
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