Conclusão dos comentários ao Evangelho – XVIII Domingo do Tempo Comum – Ano B
Anúncio do verdadeiro Maná
32 Jesus respondeu: “Em verdade, em verdade
vos digo, não foi Moisés quem vos deu o pão que veio do céu. É meu Pai que vos
dá o verdadeiro pão do céu. 33 Pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e
dá vida ao mundo”.
Nosso
Senhor recorre à fórmula do juramento — “em verdade, em verdade” — para dar
ênfase às suas palavras. Obcecados, como foi dito acima, em sua visão humana da
realidade, eles atribuíam o milagre do maná ao poder de Moisés, que era apenas
o mediador entre Deus e o povo eleito.
Ora,
Quem lhes daria “o verdadeiro pão do céu” é o mesmo Deus que outrora sustentara
com o maná os seus antepassados. E ao dizer “meu Pai”, Jesus faz outra
referência à identidade de natureza; portanto, proclama mais uma vez sua
divindade.
Num crescendo de explicitação, foi
convidando seus ouvintes a reconhecerem n’Ele o Filho de Deus. Era uma
preparação para compreenderem o transcendental significado da Eucaristia, que seria
instituída na Santa Ceia.
Desejo ainda imperfeito
34 “Então pediram: ‘Senhor, dá-nos sempre
desse pão’”.
Embora
ainda não entendessem bem o alcance das palavras de Jesus, julgavam que
ficariam satisfeitos em sua busca da felicidade terrena se lhes fosse dado
sempre um pão assim. Precisavam deixar o homem velho, de espírito materialista,
e adquirir a mentalidade do homem novo (cf. Ef 4, 22-24), o qual “não vive
somente de pão, mas de toda palavra saída da boca de Deus” (Mt 4, 4), como diz
a Aclamação ao Evangelho.
Esta
Palavra é Jesus Cristo, o Verbo de Deus feito carne. É preciso viver desta
Palavra.
Eles
entenderam que aquele pão do qual se fartaram na véspera nada era comparado ao
que lhes estava sendo prometido. Por isso, Nosso Senhor vai revelar claramente
o grande dom da Eucaristia.
35“Jesus lhes disse: ‘Eu sou o Pão da Vida.
Quem vem a Mim não terá mais fome e quem crê em Mim nunca mais terá sede’”.
Era
chegada a hora do anúncio preparado por Deus durante longos séculos: o Pão da
Vida não é senão Aquele que dá, mantém e desenvolve a vida sobrenatural, o
Cordeiro imolado para a nossa salvação.
Esse
desejo ainda muito materialista, Nosso Senhor procura elevá-lo a uma
perspectiva sobrenatural, de maneira a eles aceitarem o que revelaria nos
versículos subsequentes, não contemplados na Liturgia deste domingo: “Quem se
alimenta com a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e Eu o
ressuscitarei no último dia” (Jo 6, 54). Escandalizados, até alguns discípulos
se afastaram do Divino Mestre após essa proclamação.
Um anúncio repetido até hoje
Embora
seres limitados, temos na alma uma janela voltada para o infinito que Deus teve
a delicadeza de colocar ao nos criar para favorecer nosso relacionamento com
Ele. Assim, nada deste mundo pode satisfazer inteiramente o homem porque “o
olho não se farta de ver, nem o ouvido se farta de ouvir” (Ecl 1, 8). Em
consequência, quando procuramos a felicidade nos prazeres ou nos bens terrenos,
nos decepcionamos.
Quem não
conhece Deus e, como os pagãos, vive atrás das coisas materiais, este sempre
padecerá fome e sede, pois nunca conseguirá satisfazer-se no seu orgulho e na
sua sensualidade. Quem, ao contrário, se alimenta do Pão verdadeiro, Pão
angélico, Pão divino que é o próprio Jesus Cristo, terá mais sede e fome de
Deus, do sobrenatural, da vida divina e, em consequência, menos será aguilhoado
pelo desejo de pecar.
Em
termos sublimes, exprime Santo Agostinho a felicidade de libertar-se da fome e
sede de pecado e arder de sede e fome de Deus: “Tarde demais Vos amei, ó beleza
tão antiga e tão nova! Tarde demais Vos amei! Estáveis dentro de mim, enquanto
eu estava fora e do lado de fora Vos procurava. E disforme como era, lançava-me
em busca da beleza das vossas criaturas. Comigo estáveis, e eu não estava
convosco. Retinham-me longe de Vós aquelas coisas que nada seriam se não
existissem em Vós. Chamastes-me, e vosso grito rompeu minha surdez. Brilhastes
e resplandecestes, e vosso fulgor expulsou minha cegueira. Exalastes vosso
perfume, eu o respirei e suspiro por Vós. Provei vosso sabor, e de Vós sinto
fome e sede. Tocastes-me e abrasei-me no desejo de vossa paz”.2
O mundo
do homem velho nos oferece toda espécie de bens materiais, de satisfação da
egolatria e dos apetites sensuais, mas não proporciona aquilo que dá paz à
alma, a Eucaristia, na qual está realmente presente Nosso Senhor Jesus Cristo.
Diante
desse inestimável dom, qual deve ser a nossa gratidão?
III – Não olhemos para trás
A
liturgia deste domingo se refere à felicidade do homem, quando este se lança
inteiramente nas vias do Divino Redentor. É o ensinamento de São Paulo aos
Efésios, contido na Segunda Leitura deste domingo: “Irmãos: Eis, pois, o que eu
digo e atesto no Senhor: não continueis a viver como vivem os pagãos, cuja
inteligência os leva para o nada” (Ef 4, 17). Recorrendo ao nome de Deus, ele
nos alerta a não sermos como os pagãos, os quais põem sua inteligência nas
coisas materiais e acabam adorando ídolos de madeira, metal, ou pedra, o que no
fundo constitui uma forma de adoração de si mesmo.
“Quanto
a vós, não é assim que aprendestes de Cristo, se ao menos foi bem Ele que
ouvistes falar, e se é Ele que vos foi ensinado, em conformidade com a verdade
que está em Jesus. Renunciando à vossa existência passada, despojai-vos do
homem velho, que se corrompe sob o efeito das paixões enganadoras, e renovai o
vosso espírito e a vossa mentalidade. Revesti o homem novo, criado à imagem de
Deus, em verdadeira justiça e santidade” (Ef 4, 20-24).
É
preciso renunciar aos erros da vida passada, aos maus ambientes, às amizades
inconvenientes, a tudo quanto leva ao pecado. O homem velho rege-se por uma
série de princípios errados e é dominado por suas paixões. Ora, o ser humano
deve escolher o rumo de sua vida mediante uma deliberação da sua vontade,
vencendo, portanto, a solicitação de suas más inclinações. Se nossa meta é a
glória de Deus, precisamos afastar-nos de tudo quanto nos liga ao homem velho,
sem sequer olhar para trás para contemplar o passado, como fez a mulher de Lot
(cf. Gn 19, 26). Diz a Escritura: “O cão volta a seu vômito” (II Pd 2, 22). Não
queiramos imitá-lo!
A
revelação da Eucaristia, alimento que abre a alma para uma imortalidade
bem-aventurada, constitui assim a coroação de uma didática desdobrada durante
séculos, desde a peregrinação do povo eleito pelo deserto até o grandioso
episódio narrado no Evangelho deste domingo.
Sejamos
gratíssimos a Deus, pois neste Sacramento recebemos benefícios muito superiores
àqueles concedidos ao povo judeu no deserto, ou às multidões que foram à
procura do Divino Redentor movidas pelo mero desejo do pão material. Estes O
viram e ouviram, mas não tiveram o privilégio, tão ao nosso alcance, de
recebê-Lo diariamente no banquete eucarístico!
1 SCHUSTER,
Ignacio; HOLZAMMER, Juan B. Historia Bíblica. 2.ed. Barcelona: Litúrgica
Española, 1946, t.I, p.247-248.
2 SANTO
AGOSTINHO. Confissões. L.X, c.27: ML 32, 795.
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