Comentários ao Evangelho 33º Domingo do Tempo Comum - Ano C
Naquele tempo, 5 algumas pessoas comentavam a
respeito do Templo que era enfeitado com belas pedras e com ofertas votivas.
Jesus disse: 6 ‘Vós admirais estas coisas? Dias virão em que não ficará pedra
sobre pedra. Tudo será destruído'. 7 Mas eles perguntaram: ‘Mestre, quando
acontecerá isto? E qual vai ser o sinal de que estas coisas estão para
acontecer?'. 8 Jesus respondeu: ‘Cuidado para não serdes enganados, porque
muitos virão em meu nome, dizendo: ‘Sou eu!'; e ainda: ‘O tempo está próximo'.
Não sigais essa gente! 9 Quando ouvirdes falar de guerras e revoluções, não
fiqueis apavorados. É preciso que estas coisas aconteçam primeiro, mas não será
logo o fim'. 10 E Jesus continuou: ‘Um povo se levantará contra outro povo, um
país atacará outro país. 11 Haverá grandes terremotos, fomes e pestes em muitos
lugares; acontecerão coisas pavorosas e grandes sinais serão vistos no céu. 12
Antes, porém, que estas coisas aconteçam, sereis presos e perseguidos; sereis
entregues às sinagogas e postos na prisão; sereis levados diante de reis e
governadores por causa do meu nome. 13 Esta será a ocasião em que
testemunhareis a vossa fé. 14 Fazei o firme propósito de não planejar com
antecedência a própria defesa; 15 porque Eu vos darei palavras tão acertadas,
que nenhum dos inimigos vos poderá resistir ou rebater. 16 Sereis entregues até
mesmo pelos próprios pais, irmãos, parentes e amigos. E eles matarão alguns de
vós. 17 Todos vos odiarão por causa do meu nome. 18 Mas vós não perdereis um só
fio de cabelo da vossa cabeça. 19 É permanecendo firmes que ireis ganhar a
vida!'" (Lc 21, 5-19).
Ao longo de sua bimilenar História, a Igreja caminhou sempre sob o signo
da perseguição. Entretanto, a cada investida das forças adversárias, brilha ela
com maior esplendor.
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
I - O sinal dos
verdadeiros discípulos
Conta-se que São Pio X, durante audiência aos
membros de um dos colégios eclesiásticos romanos, perguntou aos jovens
estudantes:
- Quais são as notas distintivas da verdadeira
Igreja de Cristo?
- São quatro, Santo Padre: Una, Santa, Católica e
Apostólica - respondeu um deles.
- Não há mais de quatro? - indagou o Papa.
- Ela é também Romana: Una, Santa, Católica,
Apostólica e Romana.
- Exatamente, mas não falta mencionar ainda uma
característica das mais evidentes? -- insistiu o Pontífice.
Após um instante de silêncio, ele próprio
respondeu:
- Ela é também perseguida! Esse é o sinal de sermos
verdadeiros discípulos de Jesus Cristo.
Ódio contra Cristo e
sua Igreja
A Igreja é perseguida. De fato, sem essa nota não
se entende bem a história da Esposa de Cristo, que já começa sob esse signo na
mais tenra infância do seu Divino Fundador. Que mal poderia fazer a Herodes
aquele Menino, filho de carpinteiro, nascido numa gruta e deitado numa
manjedoura? Nenhum. Mas na ímpia tentativa de tirar-Lhe a vida, o tetrarca não
hesitou em mandar assassinar crianças inocentes.
Ao longo da vida pública de Jesus, o ódio contra
Ele não fez senão crescer, e chegou ao paroxismo quando os fariseus tomaram a
decisão de matá-Lo e obtiveram de Pilatos a iníqua sentença de condenação. De
tal forma detestavam o Divino Mestre, que não toleravam sequer vê-Lo fazer o
bem, ou ensinar a doutrina da Salvação.
Nessa mesma inimizade encontra-se a fonte das
investidas sofridas pela Igreja após a subida de Nosso Senhor ao Céu. Assim,
foi movido por ódio furibundo contra os cristãos que Nero deu início, no ano
64, à sangrenta perseguição que haveria de durar, com intermitências, até 313,
quando o Imperador Constantino concedeu liberdade à Igreja, pelo Edito de
Milão.1
E ao longo dos séculos subsequentes, a Esposa de
Cristo nunca deixou de enfrentar os mais variados ataques - por vezes cruentos
- e incessantes oposições, ora abertas, ora solapadas. Mesmo em nossos dias,
este ódio contra aqueles que praticam o bem não deixa de se manifestar em seus
múltiplos aspectos.
Os maus não suportam os
bons
"Se o mundo vos aborrece, sabei que aborreceu
primeiro a Mim. Lembrai-vos da palavra que Eu vos disse: ‘O servo não é maior
que seu Senhor'. Se Me perseguiram a Mim, também a vós vos perseguirão"
(Jo 15, 18.20). Por estas palavras de Jesus, vemos serem a adversidade e a
incompreensão inerentes à existência terrena do verdadeiro fiel, pela
irreversível incompatibilidade entre a doutrina do mundo e a de Cristo. Pois,
desde o tempo dos nossos primeiros pais, há entre a bendita posteridade de
Maria Santíssima e a raça da serpente maldita o irreconciliável antagonismo
descrito pelo Gênesis: "Porei inimizades entre ti e a mulher, entre a tua
descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o
calcanhar" (Gn 3, 15).
Os maus não suportam os bons, e para estes, o ódio
daqueles indica eleição por parte de Deus, conforme se depreende destas
palavras de São Jerônimo a Santo Agostinho: "Sois celebrado por todo o
mundo. Os católicos veneram e reconhecem em vós o restaurador da antiga Fé, e -
o que é sinal de glória ainda maior - todos os hereges vos detestam e perseguem
com o mesmo ódio que a mim, anelando matar-nos com o desejo, já que não podem
fazê-lo com as armas".2 É na fidelidade dos justos diante das perseguições
que reluz de modo especial a glória de Deus.
II - Anúncio do fim do
mundo
A liturgia escolhida pela Igreja para este
penúltimo Domingo do Tempo Comum significa praticamente o término do Ano Litúrgico
C, uma vez que antecede à Solenidade de Cristo Rei. A perspectiva do fim do
mundo e do Juízo Final é muito acentuada nos textos, e convida-nos a considerar
com mais atenção a justiça, contraponto indispensável da bondade e da
misericórdia divinas.
"Naquele tempo, 5 algumas pessoas comentavam a
respeito do Templo que era enfeitado com belas pedras e com ofertas
votivas".
Após acerba discussão com os escribas e fariseus,
ocorrida justamente no recinto do Templo (cf. Lc 20, 45-47; Mt 23, 13-36; Mc
12, 38-40), dirigia-Se Jesus ao Monte das Oliveiras. No caminho, os discípulos
manifestavam seu encanto com a beleza daquela "construção de imensa
opulência", no dizer de Tácito,3 rica em simbologias que elevavam a mente
para Deus, como convém a todo edifício religioso.
Ponto de referência máximo do povo judeu, para o
Templo se voltavam os corações dos israelitas do mundo inteiro. Extraordinária
era sua história, desde o momento em que, erigido por Salomão, uma densa e
miraculosa nuvem dele tomara conta: ali ofereciam-se os verdadeiros
sacrifícios, eram recebidas insignes graças e os devotos entravam num contato
mais intenso com o sobrenatural. Embelezar o Templo era, então, realçar ainda
mais o seu significado espiritual.
Entretanto, a julgar pelas palavras ditas a seguir
por Nosso Senhor, tudo indica que estavam eles contemplando a Casa de Deus com
uma visualização meramente naturalista.
Admiravam o Templo, mas
não adoravam Quem o habitava
"Jesus disse: 6 ‘Vós admirais estas coisas?
Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído'".
Os Apóstolos tinham diante de si Alguém que valia
muito mais do que o Templo: o Criador, o Redentor, a Sabedoria eterna e
encarnada. Ao contemplarem com olhos mundanos aquele prédio, manifestavam-se
cegos para Deus, porque detinham-se na admiração da criatura sem se elevar até
o Criador; compreendiam o símbolo, mas não o Simbolizado. Esta é a razão da
contundente advertência de Nosso Senhor.
Pelas mãos de Maria, fora o Menino Jesus
apresentado no Templo. Suas muralhas testemunharam as pregações e os inúmeros
milagres de Jesus, mas as pedras vivas que o compunham - os sacerdotes e os
fiéis - não aceitaram o Messias: "Ele veio para os seus e os seus não O
receberam" (Jo 1, 11). Eis por que caiu sobre tão faustoso edifício a
terrível condenação: "Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo
será destruído".
E essa dura profecia tardaria menos de quarenta
anos em realizar-se do modo mais radical possível. "Permitiu a Divina
Providência a destruição de toda a cidade e do Templo para que nenhum daqueles
que ainda estavam débeis na fé - admirado por subsistirem ainda os ritos de
seus sacrifícios - fosse seduzido por suas diversas cerimônias", comenta
São Beda.4
A ruína de Jerusalém e
a parusia
7 "Mas eles perguntaram: ‘Mestre, quando
acontecerá isto? E qual vai ser o sinal de que estas coisas estão para
acontecer?'".
Os Apóstolos nada perguntam sobre a causa dessa
destruição, mas sim quando ela ocorreria. Como bons israelitas, de espírito
previdente, queriam saber com exatidão o que iria suceder.
O arrasamento do edifício sagrado, símbolo da
grandeza do povo eleito, parecia-lhes impossível antes do fim dos tempos, pois,
"para um judeu, a ruína da cidade e do Templo equivale à ruína do
mundo".5 Não podiam eles conceber que algum dia lhes faltaria aquele Lugar
Santo, único no mundo. Esta é a razão de juntarem em suas perguntas dois fatos
totalmente distintos: a ruína de Jerusalém e a parusia.6
Como observa São Cirilo, os Apóstolos "não
perceberam a força de suas palavras e julgavam que Ele falava da consumação dos
séculos".7 Por isso, Nosso Senhor, "sem deixar de responder à
pergunta com clareza suficiente para eles conjecturarem os acontecimentos
vaticinados, 8 falará em dois sentidos: um, a destruição do Templo material;
outro, o fim do mundo. Na realidade, o desaparecimento dessa grandiosa
construção significava o fim de um mundo: a época da antiga Lei cedia lugar à
era da Graça.
Ver todos os
acontecimentos na perspectiva divina
8 "Jesus respondeu: ‘Cuidado para não serdes
enganados, porque muitos virão em meu nome, dizendo: ‘Sou eu!'; e ainda: ‘O
tempo está próximo.' Não sigais essa gente! 9 Quando ouvirdes falar de guerras
e revoluções, não fiqueis apavorados. É preciso que estas coisas aconteçam
primeiro, mas não será logo o fim'. 10 E Jesus continuou: ‘Um povo se levantará
contra outro povo, um país atacará outro país. 11 Haverá grandes terremotos,
fomes e pestes em muitos lugares; acontecerão coisas pavorosas e grandes sinais
serão vistos no céu'".
Jesus responde aos discípulos com uma linguagem
enigmática, sem procurar desfazer o equívoco em que incorriam, nem
responder-lhes com exatidão. Prefere deixar num lusco-fusco os aspectos
cronológicos da pergunta, com vistas à formação moral e espiritual dos seus
ouvintes.
Com efeito, a expectativa do fim do mundo como um
evento próximo habituava-os a contemplar os acontecimentos desde a perspectiva
divina, e preparava as almas daqueles primeiros cristãos para as perseguições
que teriam de enfrentar, prefiguras dos últimos tempos, pelo ódio e crueldade
dos perseguidores.
Ora, sempre que os pecados da humanidade passam de
certo limite, Deus intervém manifestando sua cólera e castigando os caprichos e
egoísmos dos homens.
Com a Encarnação, Deus levara seu amor às criaturas
a um ponto inexcogitável pelos homens, e mesmo pelos anjos. Uma extrema bondade
caracterizou a vida pública de Jesus, marcada por inúmeras curas e milagres.
Porém, Ele não seria Deus se não manifestasse também o esplendor da sua
justiça, virtude não menor que a misericórdia. Tem Ele, por assim dizer, duas
mãos: a da misericórdia e a da justiça. Com a primeira, perdoa e protege; com a
segunda, cobra e castiga. De uma dessas mãos divinas, ninguém escapa.
Para contemplar a Deus na perspectiva verdadeira,
sem distorções nem unilateralismos, é preciso amar n'Ele esses dois aspectos.
Considerar a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade morrendo na Cruz para nos
redimir, é poderoso estímulo para a nossa piedade. Mas não podemos também
deixar de admirar sua severidade, ainda quando ela possa vir a nos atingir.
Porque, como ensina Santo Afonso Maria de Ligório,
"não merece a misericórdia de Deus quem se serve dela para ofendê-Lo. A
misericórdia é para quem teme a Deus, e não para o que dela se serve com o
propósito de não temê-Lo. Aquele que ofende a justiça - diz o Abulense - pode
recorrer à misericórdia; mas a quem pode recorrer o que ofende a própria
misericórdia?".9
III - Sereis presos e
perseguidos
12 "Antes, porém, que estas coisas aconteçam,
sereis presos e perseguidos; sereis entregues às sinagogas e postos na prisão;
sereis levados diante de reis e governadores por causa do meu nome".
Ao anunciar aos Apóstolos as perseguições e
sofrimentos que haveriam de enfrentar, Nosso Senhor tinha em vista também
instruir os cristãos de todos os tempos, porque inúmeras vezes ao longo da
História a proclamação do nome de Jesus Cristo lhes trará como consequência
serem injustamente presos, perseguidos ou conduzidos aos tribunais. E isto
chegará ao auge nos últimos tempos, pois quanto maior for a decadência moral da
humanidade, inelutavelmente mais ódio haverá contra os justos, cuja mera
existência já representa muda censura aos maus.
Bem pondera São Gregório Magno: "A última
tribulação será precedida de muitas outras, porque devem vir antes muitos males
que possam anunciar o mal sem fim".10
Testemunhas da fé na
hora da provação
13 "Esta será a ocasião em que testemunhareis
a vossa fé".
Errôneo seria pensar que durante as perseguições
cabe aos bons ficarem encolhidos e timoratos, incapazes de qualquer ação. Pelo
contrário, dão-lhes elas ensejo a testemunharem com coragem a boa doutrina
diante daqueles que se desviaram do caminho certo.
Ao afirmar que as portas do inferno não
prevalecerão contra a sua Igreja (cf. Mt 16, 18), estabeleceu o Divino Fundador
que ela será não apenas invencível, mas sempre triunfante. Assim, por mais que
os infernos, não podendo destruí-la, se organizem para sufocá-la, jamais
conseguirão impedir sua atuação. E, sejam quais forem as aparências, a Luz de
Cristo permanecerá em sua Esposa com todo o seu poder e grandeza, aguardando o
momento de manifestar-se de forma intensa, majestosa e irresistível.
Nessas horas de tempestade, suscita a Providência
testemunhas da fé que sejam fachos da Luz de Cristo a rasgar a obscuridade da
provação. Muitas vezes, inclusive, Deus Se utiliza de instrumentos frágeis, de
modo a deixar mais patente sua onipotência: Gedeão, último homem da tribo de
Manassés; Judite, piedosa viúva; e os próprios Apóstolos, simples pescadores.
E, se percorrermos as grandes aparições da Virgem Maria, desde Guadalupe até
Fátima, a quem vemos como receptores da mensagem, senão pessoas de escassa
cultura e predicados?
Quanto aos acontecimentos do fim do mundo, serão
justamente a firmeza na fé e a força impetratória dos fiéis, perante o ódio
insaciável dos sequazes do anticristo, que atrairão a intervenção divina,
desencadeando o castigo final.
Conselho divino
confirmado pela História
14 "Fazei o firme propósito de não planejar
com antecedência a própria defesa; 15 porque Eu vos darei palavras tão
acertadas, que nenhum dos inimigos vos poderá resistir ou rebater".
Com esta surpreendente afirmação, parece Nosso
Senhor convidar seus discípulos à negligência, ao invés de incentivá-los a se
prevenirem perante a perspectiva da perseguição. Ora, esclarece o Cardeal Gomá,
Jesus "não lhes manda que não procurem precaver-se nos transes difíceis
pelos quais passarão, mas sim que não se aflijam por isso, pois nos momentos de
crises mais agudas poderão contar com a inspiração especial de Deus".11
De fato, na luta de todos os dias, vale o princípio
atribuído a Santo Inácio: "Rezai como se tudo dependesse de Deus e
trabalhai como se tudo dependesse de vós".12 Mas nesta passagem do
Evangelho refere-Se o Mestre aos momentos de extrema aflição em que tudo parece
perdido. Nessas horas, comenta São Gregório, "é como se o Senhor dissesse
a seus discípulos: ‘Não vos atemorizeis. Vós ireis ao combate, mas Eu é que
combaterei; vós pronunciareis palavras, mas quem falará sou Eu'".13
E a História comprova com abundância a esplêndida
realização dessa profecia de Nosso Senhor, nos julgamentos iníquos promovidos
contra os filhos da luz. Santa Joana d'Arc, por exemplo, era uma camponesa sem
estudos; suas respostas, entretanto, confundiram o tribunal que a julgava, pela
extraordinária profundidade teológica.
Deserção e traição nas
próprias fileiras
16 "Sereis entregues até mesmo pelos próprios
pais, irmãos, parentes e amigos. E eles matarão alguns de vós. 17 Todos vos
odiarão por causa do meu nome".
Até no seio das próprias famílias haverá divisão,
multiplicando o sofrimento daqueles que serão entregues por "pais, irmãos,
parentes e amigos". Pois, como ensina São
Gregório, "os mais cruéis tormentos para nós são os causados pelas pessoas
mais queridas, porque, além da dor corporal, sentimos o carinho
perdido".14
Já o Cardeal Gomá interpreta este versículo num
sentido simbólico, mais abrangente: "Aos vexames que deverão sofrer da
parte dos inimigos, se acrescentará um mal mais grave: a deserção e a traição
nas próprias fileiras".15 Com efeito, quantas vezes não foram hereges ou
apóstatas os mais acirrados adversários da Igreja?
Deus é o principal Ator
da História
18 "Mas vós não perdereis um só fio de cabelo
da vossa cabeça".
Julgamos, por vezes, serem raríssimas as
intervenções de Deus nos acontecimentos terrenos. Como se Ele, após criar o
universo, deixasse os fatos correrem por si, procedendo de forma semelhante a
alguém que planta uma árvore e se despreocupa totalmente do seu crescimento.
Nada mais contrário à realidade. Deus não só age na História, mas, sobretudo, é
seu principal Ator. Tudo está em suas santíssimas mãos, nada foge ao seu
governo: "Em Deus vivemos, nos movemos, e somos" (At 17, 28).
Às vezes, a ação da Divina Providência nos fatos
concretos é visível aos olhos de todos, por ser desígnio seu torná-la patente.
Porém, na maior parte das ocasiões, Ela opera de forma oculta ou discreta,
deixando por conta do nosso entendimento e da nossa fé discernir o cunho de sua
atuação.
O Criador tem tudo contado, pesado e medido. E, ao
agir sobre os acontecimentos, tem sempre em vista, junto com a própria glória,
a salvação dos que são seus. Por isso, afirma São Paulo: "Tudo quanto
acontece, concorre para benefício dos justos" (Rm 8, 28).
Cada um dos nossos atos, gestos ou atitudes serão
consignados no Livro da Vida. Nenhum ato de virtude ficará sem recompensa,
conforme afirma São Beda: "Não cairá um só fio de cabelo da cabeça dos
discípulos do Senhor, porque não somente as grandes ações e as palavras dos
santos, mas também o menor de seus pensamentos será dignamente
premiado".16
Esperança na vida
verdadeira
19 "É permanecendo firmes que ireis ganhar a
vida!".
Todos nós, como os Apóstolos, estamos sujeitos a
passar por situações difíceis em razão de nossa fidelidade a Cristo. Como
devemos nos comportar diante delas?
Antes de tudo, precisamos crer firmemente na
onipotência de Nosso Senhor e ter bem presente seu amor por cada um de nós,
conforme nos exorta Santo Agostinho: "Essa é a Fé cristã, católica e apostólica.
Confiai em Cristo que diz: ‘não cairá sequer um fio de vossos cabelos', e, uma
vez eliminada a incredulidade, considerai o quanto valeis. Quem de nós pode ser
desprezado por nosso Redentor, se nem sequer um fio de cabelo o será? Ou: como
duvidaremos de que dará a vida inteira à nossa carne e à nossa alma Aquele que,
por amor a nós, recebeu alma e carne na qual morreu, e a recobrou para que
desaparecesse o temor de morrer?".17
Mas também não podemos duvidar de que Jesus Se
encarnou para nos fazer partícipes de sua ressurreição: "Se Cristo não
ressuscitou, vossa fé é vã" (I Cor 15, 17), proclama São Paulo.
Uma vez compenetrados de estarmos de passagem nesta
Terra, a caminho da eternidade, todos os males que possamos sofrer tomam outra
dimensão. "Quem sabe que é um peregrino neste mundo, independentemente do
local onde se encontre corporalmente; quem sabe que tem uma pátria eterna no
Céu; quem tem certeza de que ali se encontra a região da vida feliz, a qual
aqui é lícito desejar, mas não é possível ter, e arde nesse desejo tão bom,
santo e casto - esse vive aqui pacientemente".18
É permanecendo firmes na Fé que ganharemos a
verdadeira vida; é só na perspectiva da glória eterna que teremos forças para
perseverar na hora das provações. E isto não depende tanto do nosso esforço
quanto da graça divina, que devemos pedir sem cessar.
IV - Proclamar a beleza
triunfante da Igreja
Dois significativos episódios históricos, entre
tantos outros, podem ilustrar o ensinamento da liturgia deste domingo.
O filósofo iluminista François-Marie Arouet, mais
conhecido pelo pseudônimo de Voltaire, foi um dos mais festejados ímpios de
todos os tempos. Seu ódio contra a Igreja o levou a afirmar: "Estou
cansado de ouvir dizer que bastaram doze homens para implantar o Cristianismo
no mundo, e quero provar que basta um para destruí-lo".19 Mas, o atrevido
ateu morreu e a ridícula ameaça caiu no vazio.
Não menos arrogante com a Esposa de Cristo foi
Napoleão Bonaparte. Após ser excomungado pelo Papa Pio VII, teve a petulância
de perguntar sarcasticamente ao legado papal, Cardeal Caprara, se por causa
disso iriam cair as armas das mãos dos seus soldados. Ora, segundo narram
testemunhas oculares, entre as quais o Conde de Ségur, foi o que aconteceu
durante a campanha da Rússia: "As armas dos soldados pareciam ser de um
peso insuportável para seus braços intumescidos; em suas frequentes quedas,
escapavam-lhes das mãos, quebravam-se ou perdiam-se na neve".20
Meses depois, Bonaparte viu-se obrigado a assinar o
decreto de sua própria destituição no palácio de Fontainebleau, onde mantivera
cativo o Vigário de Cristo, e partiu para o exílio. Pio VII, entretanto, a quem
ele chamara despectivamente de "velho", ainda haveria de reinar por
quase uma década, sobrevivendo por dois anos ao prisioneiro da Ilha de Santa
Helena. E, assim, poderíamos multiplicar os exemplos mostrando "ser uma
característica da Igreja vencer quando atacada, ser melhor compreendida quando
contestada e ganhar terreno quando abandonada", segundo ensina Santo
Hilário de Poitiers.21 Ao que o padre Monsabré acrescenta: "muitas vezes,
no curso da Era Cristã, pôde-se ver o Corpo Místico do Filho de Deus a ponto de
perecer, muitas vezes pôde-se vê-lo recobrar vida e avançar com passo resoluto
rumo aos dias da eternidade".22
Os períodos de perseguição nos convidam a depositar
uma fé inquebrantável em Cristo e em sua Igreja, mas também a amá-Los de um
modo todo especial. "Em tempo de grandes prevaricações", afirma o
Cardeal Gomá, "até os bons se tornam tíbios. Contudo, em meio às defecções
e tibiezas, perseverarão os fortes, os que guardarem a fé e os bons costumes
cristãos. Estes se salvarão: "Quem perseverar até o fim, será salvo"
(Mt 24, 13). Sendo constantes, obtereis a salvação".23
Ao nos situar diante de uma grandiosa perspectiva
escatológica, o Evangelho deste domingo nos incita a proclamar a beleza
triunfante da Santa Igreja, na confiança plena de que quem permanecer
filialmente no seu seio obterá como prêmio o próprio Deus!
1 "Osório, que utilizou fontes hoje perdidas,
escreveu: ‘Nero condenou os cristãos a diversas formas de morte, e os perseguiu
não só em Roma, mas também em todas as províncias, e procurou suprimir o nome
cristão' [...] Refere Lactâncio que ‘a causa da perseguição foi o ódio de Nero
contra os cristãos'". (WEISS, Juan Bautista. Historia Universal.
Barcelona: La Educación, 1927, v.III, p.708-709).
2 SANCTUS HIERONYMUS. Epistola CXLI: PL 33, 891.
2 SANCTUS HIERONYMUS. Epistola CXLI: PL 33, 891.
3 Cf. GOMÁ Y TOMAS, Isidro El Evangelio explicado.
Barcelona: Casulleras, 1930, v.IV,
p.109.
4 SAN BEDA, apud SANTO TOMÁS DE AQUINO, Catena
Aurea.
5 GOMÁ Y TOMÁS, op. Cit., p.110.
6 Isto se vê com maior clareza no Evangelho de São
Mateus: "Dize-nos, quando será isso? Qual será o sinal de tua vinda e do
fim do mundo?" (Mt 24, 3).
7 SAN CIRILO, apud SANTO TOMÁS DE AQUINO, Catena
Aurea.
8 GOMÁ Y TOMAS, op.cit., p.114.
9 SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO. Preparação para a
morte. Cons. XVII, ponto I.
10 SAN GREGORIO MAGNO, apud SANTO TOMÁS DE AQUINO,
Catena Aurea.
11 GOMÁ Y TOMÁS, op. Cit., p.112.
12 Catecismo da Igreja Católica, n.2834.
13 SAN GREGORIO MAGNO, apud SANTO TOMÁS DE AQUINO,
Catena Aurea.
14 Idem, ibidem.
15 GOMÁ Y TOMÁS, op. Cit., p.112.
16 SAN BEDA, apud SANTO TOMÁS DE AQUINO. Catena
Aurea.
17 SAN AGUSTÍN, Sermón 214, 12 apud ODEN, Thomas C.
E JUST Jr., Arthur A. La Biblia comentada por los Padres de la Iglesia - Nuevo
Testamento, San Lucas. Madrid: Ciudad Nueva, 2000, v.III, p.429.
18 SANCTUS AUGUSTINUS. Sermo 359A. 2.
19 CONDORCET. Vie de Voltaire in OEuvres completes
de Voltaire. Paris: Th. Desoer, 1817, t.I, p.55.
20 SÉGUR, Conde de, apud HENRION, Barón. Historia
general de la Iglesia. 2.ed. Madrid: Ancos, 1854, t.VIII, p.153
21 SANTO HILÁRIO DE POITIERS, apud BERINGER, R.
Repertorio universal del predicador. La Iglesia y el Papado. Barcelona:
Litúrgica Española, 1933, v.XVIII, p.241.
22 MONSABRÉ, OP, Jacques--Marie-Louis. Retraites
pascales. I- La tentation. I- Recherche de Jésus-Christ. Paris: Lethielleux,
1877-1888, p.319.
23 GOMÁ Y TOMÁS, op. Cit., p.113.
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