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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

EVANGELHO DE SÃO MATEUS 16, 13–19

 COMENTÁRIOS AO EVANGELHO DE SÃO MATEUS 16, 13–19

Naquele tempo, 13Jesus foi à região de Cesaréia de Filipe e ali perguntou aos seus discípulos: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” 14Eles responderam: “Alguns dizem que é João Batista; outros que é Elias; outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas”. 15Então Jesus lhes perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?” 16Simão Pedro respondeu: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”.
17Respondendo, Jesus lhe disse: “Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. 18Por isso eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá vencê-la. 19Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que tu ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que tu desligares na terra será desligado nos céus”. (Mt 16,13-19
 Pode o Papa errar?
Em 22 de fevereiro a Igreja comemora a festa da Cátedra do Apóstolo Pedro, a rocha sobre a qual deixou Nosso Senhor Jesus Cristo alicerçada a sua Igreja, e sede infalível da verdade.
I – A natureza humana perante a infalibilidade
Uma curiosa experiência nos facilita compreender quão deficiente é o homem na objetividade em observar e narrar o que vê e ouve. Consiste em dispor um bom número de pessoas, e fazer circular entre elas, desde a primeira até a última, um qualquer comunicado oral, cada uma devendo ouvi-lo da anterior e transmiti-lo à seguinte. Nessas transmissões verbais sucessivas acontece por vezes tal distorção que o comunicado chega ao final com um significado totalmente diverso . quando não contrário… . do inicial.
Falhas como essa são conseqüências do pecado original. Por causa deste, a natureza humana .é lesada em suas próprias forças naturais, submetida à ignorância, ao sofrimento e ao império da morte, e inclinada ao pecado. (Catecismo da Igreja Católica, nº 405).
A transmissão fidedigna de uma verdade e, sobretudo, sua interpretação e conservação, constituíam problemas já para os povos da antiguidade. Mais difícil ainda era explicitar, sem erro, questões metafísicas e sobrenaturais. Nem os tão admirados gregos, romanos e egípcios, com toda a sua sabedoria e ciência, escaparam a esse mal.
O conhecimento das verdades divinas pela religião natural
A partir de nossa razão e da observação das coisas criadas, podemos conhecer muito a respeito de Deus. É a isso que os teólogos católicos chamam de teologia natural, ou religião natural.
 As verdades que os homens podem assim alcançar incluem especialmente a existência de Deus e seus atributos (eternidade, invisibilidade, poder, etc).
Sobre a capacidade humana de atingi-las, São Paulo nos ensina na epístola aos romanos: .Porquanto o que se pode conhecer de Deus, eles [os pagãos] o lêem em si mesmos, pois Deus lho revelou com evidência. Desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, o seu sempiterno poder e divindade, se tornam visíveis à inteligência, por suas obras; de modo que não se podem escusar. (1, 19-20).
Significativamente, já nos tópicos seguintes desta epístola, o Apóstolo mostra a infidelidade dos gentios a esse conhecimento do Criador, adquirido por meio da religião natural: .Porque, conhecendo a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças. Pelo contrário, extraviaram-se em seus vãos pensamentos, e se lhes obscureceu o coração insensato. Pretendendo-se sábios, tornaram-se estultos. Mudaram a majestade de Deus incorruptível em representações e figuras de homem corruptível, de aves, quadrúpedes e répteis. Por isso, Deus os entregou aos desejos dos seus corações, à imundície, de modo que desonraram entre si os próprios corpos. (1, 21-24).
Essa constatação de São Paulo é um fato universal, verificado ao longo de toda a História. Mesmo quando os homens, por si mesmos, conhecem verdades da teologia natural, não são capazes de conservá-las íntegras e sem erro.

Dando uma claríssima explicação a respeito dessas carências resultantes do pecado original, São Tomás afirma: .Devido à enfermidade de nosso juízo e à força perturbadora da imaginação, há alguma mistura de erro na maior parte das investigações feitas pela razão humana. (…) No meio de muita verdade demonstrada, há às vezes algum elemento de erro, não demonstrado, mas afirmado pela força de algum raciocínio plausível e sofístico, que é tomado como demonstrado . (Suma contra os gentios I, 4).
É ainda indispensável observar que, mesmo se o homem não tivesse cometido o pecado original, conservando íntegra sua potência intelectiva, por sua própria natureza, seria incapaz de conhecer certas realidades sobrenaturais, como, por exemplo, a Trindade de Deus.
Os profetas
As considerações anteriores, que partem da situação humana, são sobrepujadas por uma outra muito superior: desde toda a eternidade, ao conceber a obra da criação, teve Deus desejo de comunicar-se ao homem. Desse modo, houvesse ou não pecado original, Ele iria revelar-se a nós. Ao acompanharmos o processo histórico da humanidade desde seu início, admiramos a beleza da Sabedoria divina no fazer-se conhecer de modo paulatino através da Revelação.
 Era indispensável, entretanto, transmiti-la sem a menor deturpação ao longo das gerações. Para tal erigiu Deus um magistério infalível: o profetismo. Além do magistério ordinário dos sacerdotes, Deus suscitou profetas que transmitiam as novas revelações e, ao mesmo tempo, conservavam e interpretavam as anteriores: .Muitas vezes e de diversos modos, outrora falou Deus aos nossos pais pelos profetas. (Hb 1, 1).
A linhagem dos profetas culminou no aparecimento de João Batista, o maior entre todos. A Sagrada Escritura canta as glórias desses varões que eram infalíveis quando transmitiam suas revelações, conselheiros de grande prudência, que tudo conheciam por meio de visões proféticas, como Elias, Isaías, Jeremias, Daniel, etc.
O profeta, no Antigo Testamento,  “era a ‘seta eleita de Deus’, aquela flecha que os reis guerreiros guardavam na sua aljava para matar no combate o monarca inimigo. O programa de vida é muito parecido em todos os profetas: ‘romper e destruir, edificar e plantar’; como bons viticultores do monte Carmelo que podam e queimam as cepas velhas para tornar possível o fruto do outono. A história dos profetas é a tragédia daqueles homens que ‘não podem deixar de falar porque a Palavra de Yavé os queima por dentro’, e falam, ainda que terminem sendo proscritos do Povo de Deus. O profeta é um mistério vivo de força divina. Por isso, na hora da prova, o profeta está seguro em Yavé. Sua aventura tem sempre êxito e a fé na sua missão aumenta. (…) Em nossas línguas modernas, o termo .profeta. evoca sobretudo a idéia de um homem que anuncia o futuro. Na linguagem da Bíblia, sem embargo, o profeta é um homem inspirado por Deus que comunica aos homens o pensamento e o querer divinos”. (Frei Rafael Maria López Melús, O.Carm., El profeta San Elías).
Eis a alta vocação dos profetas, tão elevada que a Sagrada Escritura os menciona frequentemente em paralelo com a própria Lei: .A lei e os profetas duraram até João. (Lc 16, 16); .Encorajou-os citando a lei e os profetas. (2 Mc 15, 9).
Eles, ademais, sempre foram os guias do povo de Deus, indicando-lhe sem falha os caminhos do Senhor.
Nosso Senhor estabelece o magistério infalível da Igreja
Ao operar a Redenção do gênero humano, instituiu o Divino Mestre o Magistério infalível da Igreja, para ensinar e interpretar o que oficialmente havia sido revelado.
Nada mais lógico. Se Deus concedeu a seu povo, no Antigo Testamento, o magistério infalível através dos profetas, não iria deixar sua Igreja desamparada.
Aos Apóstolos que escolhera, disse: “Toda autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo”. (Mt 28, 18- 20).
A transmissão do Evangelho . ordenada por Jesus e necessária para que os homens conheçam a verdade e alcancem a salvação . passou a fazer-se de duas maneiras: .pelos apóstolos, que na pregação oral, por exemplos e instituições, transmitiram aquelas coisas que, ou receberam das palavras, da convivência e das obras de Cristo, ou aprenderam das sugestões do Espírito Santo., e .também por aqueles apóstolos e varões apostólicos que, sob a inspiração do mesmo Espírito Santo, puseram por escrito a mensagem da salvação. (CIC nº 76).
Por sua vez, os apóstolos deixaram aos seus sucessores, os bispos, o encargo do Magistério, de modo que .o Evangelho sempre se conservasse inalterado e vivo na Igreja., transmissão esta que se denomina Tradição, distinta da Sagrada Escritura (cf CIC nºs 77 e 78).
Porém, como interpretar de maneira infalível a própria Tradição e até mesmo a Escritura? Como jamais errar em matéria de Fé e de Moral?
A resposta, encontramo-la no Evangelho da celebração litúrgica de 22 de fevereiro.
II – Prêmio pela proclamação da divindade de Jesus 
Faltava pouco tempo para a Paixão de Jesus. Antes de o Divino Mestre chegar a Cesareia de Filipe, os fariseus e saduceus haviam-No tentado, rogando-Lhe que lhes mostrasse algum sinal do Céu. Pelo modo como Jesus lhes respondera, ficara evidente uma vez mais aos olhos dos Apóstolos a sabedoria de nosso Salvador e a maldade de seus adversários. Os Doze estavam já preparados para chegar à conclusão de quem era Jesus.
 Nosso Senhor lhes conhecia os pensamentos, porém desejava tornar explícito pelos lábios de seus seguidores o que estes haviam discernido a respeito d’Ele. Por isso primeiro lhes pergunta o que ouviam sobre o “Filho do Homem”.

Ficando claro que o comum das pessoas não via em Jesus mais do que um precursor do Messias, o Mestre fez seus Apóstolos externarem, baseados na virtude da fé, um juízo sobrenatural a respeito de sua natureza divina. Causa admiração a superior didática: após ter apartado os Apóstolos dos fariseus e saduceus, Jesus procurava alçá-los acima do povo. Que Jesus era filho de Davi, todos o sabiam. Coube a São Pedro expressar a convicção de todos ali e, numa curta frase, sintetizar a doutrina católica a respeito das verdades essenciais: um só Deus, além do mais, vivo — para distingui-Lo dos deuses mortos dos pagãos —, que dá a vida; a encarnação do Verbo, a distinção das Pessoas divinas e a messianidade de Jesus. 
Como essa afirmação de Pedro tinha um caráter intensamente profético ― indicação de que havia sido ele escolhido pelo Pai, que o inspirou ―, Jesus o tomou como a pedra fundamental de seu edifício, a Igreja: “Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na Terra será ligado nos Céus, e tudo o que desligares na Terra será desligado nos Céus” (Mt 16, 19). 
Confirmação da efetiva primazia de Pedro
Jesus confirmou a escolha de Pedro, como chefe de sua Igreja, em ocasiões diversas.
Essa responsabilidade do Príncipe dos Apóstolos foi anunciada pelo Senhor, nos momentos trágicos que precederam a Paixão: .Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como o trigo; mas eu roguei por ti, para que a tua confiança não desfaleça; e tu, por tua vez, confirma os teus irmãos. (Lc 22, 31-32).
Quase ao final do Evangelho de São João, vemos o Mestre reafirmá-la: Jesus perguntou a Simão Pedro: Simão, filho de João, amas-me mais do que estes? Respondeu ele: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe Jesus: Apascenta os meus cordeiros. Perguntou-lhe outra vez: Simão, filho de João, amas-me? Respondeu-lhe: Sim, Senhor, tu sabes que te amo.
Disse-lhe Jesus: Apascenta os meus cordeiros. Perguntou-lhe pela terceira vez: Simão, filho de João, amas-me? Pedro entristeceu-se porque lhe perguntou pela terceira vez: Amas-me?, e respondeu-lhe: Senhor, sabes tudo, tu sabes que te amo. Disse-lhe Jesus: Apascenta as minhas ovelhas. (Jo 21, 15-17).
Nosso Senhor confiava o seu rebanho (incluindo, portanto, a própria Hierarquia) ao cuidado do Príncipe dos Apóstolos.
Dinastia indestrutível, instituída por Deus
Desde os primeiros dias da Igreja nascente, antes ainda de Pentecostes, vemos a chefia de São Pedro reconhecida. Na primeira decisão a ser tomada após a Ascensão do Senhor, quando se tratou de escolher um substituto para Judas, foi São Pedro quem presidiu a reunião: .Num daqueles dias, levantou-se Pedro no meio de seus irmãos, na assembléia reunida que constava de umas cento e vinte pessoas, e disse…. (At 1, 15). É o primeiro ato de São Pedro enquanto Vigário de Cristo, narrado pela Escritura.
Outras várias intervenções do Príncipe dos Apóstolos na qualidade de Chefe da Igreja nos são narradas pelos Atos dos Apóstolos (2, 14-41; 5, 29; 15, 7; 15, 19-20).
O primado de Pedro foi – e continuará sendo, em seus sucessores, até o fim dos tempos – de verdadeira jurisdição, suprema, universal e plena. Suprema porque não reconhece na Terra autoridade superior nem igual no terreno religioso; universal, por se estender a todos os membros da Igreja; plena, com a plenitude de poderes que Jesus Cristo outorgou ao Primeiro entre os Doze.
Vinte séculos de História confirmam o quanto a Igreja está, de fato, assentada numa firme e inabalável rocha, conforme a promessa do Salvador.
Tão íntimo é o liame entre a instituição eclesial e seu Chefe, que Santo Ambrósio pôde dizer: “Onde está Pedro, aí está a Igreja”.
III – A proclamação do dogma
Oportet et haereses esse – (é necessário haver heresias), afirma São Paulo na primeira epístola aos coríntios (11, 19).
Embora o princípio da infalibilidade pontifícia viesse sendo aceito, em geral, ao longo da História da Igreja, uma surda contestação começou a ganhar vitalidade no século XIX, época em que a influência do livre pensamento caminhava para um auge no mundo inteiro.
Convocação do Concílio Vaticano I: expectativas e oposições
Nessas circunstâncias, o Espírito Santo inspirou ao grande Papa que então governava a nau de Cristo, a convocação de um Concílio. Em dezembro de 1864, o Beato Pio IX resolveu comunicar secretamente aos cardeais seu projeto, argumentando serem grandes as turbulências doutrinárias e morais e numerosos os erros que pretendiam introduzir-se na Igreja.
A Bula de convocação foi lançada anos mais tarde (29/6/1868), provocando entusiasmo em alguns e apreensão em outros. Da Cúria Romana nada extravasava da matéria a ser tratada, apesar da intensa atividade preparatória. Essa situação fazia crescer de muito a curiosidade e se intensificar uma certa agitação.
A explosão se tornou inevitável quando, em seu número de fevereiro de 1869, a famosa revista da Companhia de Jesus, .La Civiltà Cattolica., noticiou que a definição do dogma da infalibilidade papal seria o tema principal do Concílio.
Tratava-se de um assunto inadmissível para as correntes de livre pensamento daqueles dias. Pela exigüidade de espaço, citamos apenas três reações dignas de nota:
1º) Um sacerdote alemão, o Pe. Inácio Döllinger (1799- 1890), professor de História Eclesiástica na Faculdade de Munique, lançou de imediato numerosos escritos contra o princípio da infalibilidade, constituindo-se líder do movimento de oposição.
2º) O príncipe Clodoveu de Hohenlohe, presidente dos Ministros da Baviera (naquele tempo um reino independente), interveio junto aos governos europeus, alarmando-os contra os .perigos. do Concílio.
3º) Em Fulda (setembro de 1869) reuniram-se os bispos alemães e elaboraram um comunicado ao Papa, declarando categoricamente a inoportunidade da proclamação do dogma.
Para se ter uma idéia do clima de efervescência reinante, basta mencionar que, no mesmo dia e hora em que no Vaticano se abria o Concílio, iniciava-se em Nápoles um anti-concílio, com a presença de 700 delegados do mundo inteiro. Em poucos dias esse conciliábulo se desfez, em razão da revolta do povo, escandalizado pelas blasfêmias proferidas ali contra Jesus Cristo e Maria.
Nenhuma pressão ou ameaça abalou o Beato Pio IX, resolvido a levar o Concílio até o fim.
Começa o Concílio
A 8 de dezembro de 1869 realizou-se a sessão inaugural do Concílio, na Basílica de São Pedro, com a participação de 764 prelados.
Entre os padres conciliares, formaram-se imediatamente dois grupos, o dos partidários e o dos adversários da infalibilidade pontifícia. Uma parte dos que se manifestavam contrários não contestava a doutrina em si, mas a oportunidade de sua definição. Sempre derrotada na contagem dos votos, a minoria anti-infalibilista não conseguiu frear os trabalhos, que celeremente preparavam a proclamação do dogma. Certas matérias obtiveram unanimidade de aceitação.
O Concílio Vaticano I teve quatro sessões públicas. A terceira delas – muito importante – promulgou a famosa Constituição Dogmática Dei Filius (Filho de Deus), aprovada pela totalidade dos padres conciliares, que tornava clara a doutrina da Igreja a respeito da supremacia da Fé sobre a Razão e das relações harmônicas entre ambas.
Essa doutrina constituiu um rude golpe contra vários erros dominantes naqueles dias, como o panteísmo, o materialismo, o ateísmo, o racionalismo, o positivismo e o kantismo.
A mais importante data do século XIX
A 18 de julho de 1870 realizou-se a quarta sessão do Concílio, com 540 participantes (o restante havia retornado a suas dioceses com autorização do Papa), e assim foi narrada pelo jornal Le Catholique:
Entre as oito e as nove horas da manhã, dirigiram-se os Padres para a Basílica de São Pedro, e depois de revestidos com os ornamentos pontificais nas capelas destinadas para esse fim, e de ter adorado o Santíssimo Sacramento, encaminharam- se individualmente para a sala do concílio, tomando cada um o seu lugar do costume. “(Jornal .O Católico., apud J. M. Villefranche, Pio IX, sua vida, sua história e seu século).
Encerrado o cerimonial próprio para o ato – oração ao Espírito Santo, hinos, ladainhas, etc. – com a duração de mais de uma hora, ocorreu a votação dos padres conciliares presentes os quais, em sua quase totalidade (538 contra 2), aprovaram a definição do dogma. Le Catholique prossegue sua narrativa, escrevendo: 
Depois de ter tomado conhecimento do resultado dos votos, o Soberano Pontífice, de pé, com a mitra na cabeça, proclamou e sancionou com sua suprema autoridade, os decretos e os cânones da primeira Constituição Dogmática, a Pastor Aeternus.
“Dizem que o Papa quis falar logo depois do voto, mas nesse momento fez-se um tal rumor na assembléia, houve uma tal explosão de brados: .Viva Pio IX! Viva o Papa infalível!, que o Santo Padre teve de esperar. Depois disse com voz solene:
“A autoridade do Soberano Pontífice é grande, mas não domina, edifica. Ela sustenta, e muitas vezes defende, os direitos de nossos irmãos, quero dizer, os direitos dos bispos. Que aqueles que não votaram conosco, saibam que votaram com a desordem, e recordem-se de que o Senhor é todo paz. Que se lembrem também de que há alguns anos concordavam com nossas idéias e com as desta grande assembléia. E então? Têm eles duas consciências e duas vontades a respeito da mesma coisa? Deus tal não permita. Nós suplicamos a Deus, o único que faz os grandes milagres, que ilumine seus espíritos e corações para que voltem ao seio de seu Pai, isto é, do Soberano Pontífice, indigno Vigário de Jesus Cristo, a fim de que os abrace, e que eles trabalhem conosco contra os inimigos da Igreja de Deus. (Idem, ibidem).
Como Moisés no monte Sinai
Tal é a pálida descrição do que se passou nessa imortal manhã de 18 de julho de 1870. A lembrança será indelével para aqueles que tiveram a felicidade de assistir a esta bela cerimônia religiosa. Um fato todo particular e notável nos é assinalado por um correspondente. O Espírito Santo não deixou de sublinhar com fenômenos naturais ato tão importante para a História da Igreja e dos homens. Eis ainda um relato da época: .
No momento em que tinha lugar a proclamação [do dogma da infalibilidade], uma tempestade que desde a madrugada pairava surdamente sobre Roma, rebentou subitamente, abalando as abóbadas de São Pedro, e um clarão enorme envolveu os assistentes. O trovão não cessou de ribombar até o fim da leitura. Todos os assistentes pensaram então no Sinai; parecia que uma nova revelação descia sobre o povo, assim como sucedera com a lei de Moisés, no meio dos relâmpagos e dos trovões.
De repente, porém, quando se ouviam as derradeiras palavras, a atmosfera serenou, e quando Pio IX entoou o Te Deum, um raio de sol bateu em cheio no seu nobre e meigo semblante. O coro da Capela Sistina, que deveria continuar o Te Deum, não pôde ser ouvido, as vozes eram abafadas pelas dos Bispos e da multidão. (Idem, ibidem).
Os termos da definição dogmática 
Praça de São Pedro, 18 de julho de 1870: nesse dia tão importante para a História da Igreja e dos homens, o Papa Pio IX proclama o dogma da infalibilidade pontifícia, confirmando solenemente a suprema autoridade apostólica do Vigário de Cristo
A Constituição Pastor Aeternus, aprovada nessa última sessão do Concílio, distribuída em quatro capítulos, fundamenta magistralmente na Bíblia e na Patrística o valor e a substância do primado romano e sua perpétua duração; a perpetuidade do primado de São Pedro nos Romanos Pontífices; o sumo, imediato e universal poder de jurisdição do Santo Padre sobre a Igreja; e, por fim, no capítulo 4º, define o dogma da infalibilidade pontifícia nos seguintes termos:
Por isso, Nós, apegando-nos à Tradição recebida desde o início da fé cristã, para a glória de Deus, nosso Salvador, para exaltação da religião católica, e para a salvação dos povos cristãos, com a aprovação do Sagrado Concílio, ensinamos e definimos como dogma divinamente revelado que o Romano Pontífice, quando fala ex cathedra, isto é, quando, no desempenho do ministério de pastor e doutor de todos os cristãos, define com sua suprema autoridade apostólica alguma doutrina referente à fé e à moral para toda a Igreja, em virtude da assistência divina prometida a ele na pessoa de São Pedro, goza daquela infalibilidade com a qual Cristo quis munir sua Igreja quando define alguma doutrina sobre a fé e a moral; e que, portanto, tais declarações do Romano Pontífice são por si mesmas, e não apenas em virtude do consenso da Igreja, irreformáveis.
“Se, porém ― o que Deus não permita ―, alguém ousar contradizer esta nossa definição seja anátema”.
O Concílio aumenta o prestígio do Papado
Infelizmente, tornou-se necessário interromper a magna assembléia, pois logo no dia seguinte foi deflagrada a guerra franco-prussiana (19/7/1870). A maioria dos bispos teve de regressar a seus países. E em 20 de setembro, Roma foi ocupada, tornando impraticável a continuação dos trabalhos conciliares, que não mais foram retomados.
Um grande historiador eclesiástico assim narra os acontecimentos do pós-Concílio: 
O Concílio foi, pois, adiado ‘sine die’ Dos cinquenta e um assuntos que constavam da ordem das sessões, só foram resolvidos dois. (…) .Embora o Concílio Vaticano I não tenha terminado, sua transcendência foi extraordinária. Já no seu tempo, o mundo pôde constatar como, graças a ele, havia acrescido o prestí- gio moral da Igreja e do Papado. Essa é a razão da contrariedade manifestada por todos os adversários do catolicismo. (Ludwig Hertling, SJ, Historia de la Iglesia).
O poder supremo e a infalibilidade do Papa, reafirmados pelo Concílio Vaticano II
A Cátedra infalível de Pedro é um ponto fundamental para a vida sobrenatural e até mesmo intelectual de todo católico. Sem esse grande dom concedido pelo Divino Fundador à sua Igreja, não teria ela atravessado um só século de História. Esta talvez seja uma das razões pelas quais o Concílio Vaticano II, em sua Constituição Dogmática Lumen gentium, tenha afirmado: 
“Mas o colégio ou corpo episcopal não tem autoridade, se nele não se considerar incluído, como cabeça, o Romano Pontífice, sucessor de Pedro, permanecendo sempre íntegro o seu poder primacial sobre todos, tanto pastores como fiéis. Pois o Romano Pontífice, em virtude de seu cargo de Vigário de Cristo e de Pastor de toda a Igreja, tem poder pleno, supremo e universal sobre a Igreja, e pode sempre exercê-lo livremente. O primado foi dado a Pedro para mostrar que a Igreja de Cristo e a Cátedra são uma só. Quem se opõe e resiste à Igreja, quem abandona a Cátedra de Pedro sobre a qual aquela está fundada, pode pensar que se acha dentro da Igreja?
Por outro lado, a ordem dos bispos, que sucede ao colégio apostólico no magistério e no regime pastoral, e na qual perdura continuamente o corpo apostólico em união com a sua cabeça, o Romano Pontífice, e nunca sem ele, é também detentora do poder supremo e pleno sobre a Igreja universal, mas este poder não pode ser exercido senão com o consentimento do Pontífice romano. Só a Pedro o Senhor pôs como rocha e portador das chaves da Igreja (cf. Mt. 16, 18- 19) e constituiu pastor de toda a sua grei (cf. Jo 21, 15ss); mas o ofício que deu a Pedro de ligar e desligar (Mt 16, 19) é sabido que o deu também ao colégio dos apóstolos, unidos com a sua cabeça (Mt 18, 18; 28, 16-20). (…) Não pode haver Concílio ecumênico que como tal não seja aprovado ou ao menos reconhecido pelo sucessor de Pedro; e é prerrogativa do Romano Pontífice convocar esses Concílios, presidi-los e confirmá-los. (nº 22).
A infalibilidade, de que o Divino Redentor dotou a sua Igreja para definir a doutrina de fé e costumes, abrange o depósito da Revelação que deve ser guardado com zelo e exposto com fidelidade. O Romano Pontífice, cabeça do colégio episcopal, goza desta infalibilidade em virtude do seu ofício, quando define uma doutrina de fé ou de costumes, como supremo Pastor e Doutor de todos os cristãos, confirmando na fé os seus irmãos (cf. Lc 22, 32). Por isso, as suas definições são irreformáveis em si mesmas, sem necessidade do consentimento da Igreja, uma vez que são pronunciadas sob a assistência do Espírito Santo, prometida ao Papa na pessoa de Pedro: não precisam da aprovação de ninguém, nem admitem qualquer apelo a outro juízo. É que nestes casos, o Romano Pontífice não dá uma opinião como qualquer pessoa privada, mas propõe ou defende a doutrina da fé católica como mestre supremo da Igreja universal, dotado pessoalmente do carisma da infalibilidade que pertence à Igreja. (nº 25).
Quem não crê na infalibilidade pode ser autenticamente católico?
Nós, os Arautos do Evangelho, escolhemos esta festa litúrgica da Santa Igreja, a da Cátedra de Pedro, para a aprovação de nossa entidade por S.S. o Papa João Paulo II, em 2001. Com isto queríamos mostrar a nossa total consonância com as razões que levaram a Igreja a instituir esta comemoração.
É com enorme júbilo que celebramos neste mês nosso segundo aniversário de existência enquanto Associação Internacional de Direito Pontifício. E aproveitamos este ensejo para reafirmar nossa amorosa adesão ao Papado, sentimento que é um dos mais caros de todos aqueles que, com fervor, abraçam a Fé católica na sua autenticidade.
Terminemos com as palavras de São Cipriano: “Para manifestar a unidade, estabeleceu uma cátedra, e com sua autoridade dispôs que a origem dessa unidade se fundamentasse em uma pessoa. (…) o princípio dimana da unidade, e o primado foi dado a Pedro para mostrar que a Igreja de Cristo e a Cátedra são uma só. (…) .Quem não crê nessa unidade pode ter fé? Quem se opõe e resiste à Igreja, quem abandona a Cátedra de Pedro, sobre a qual aquela está fundada, pode pensar que se acha dentro da Igreja?” (De unitate  sobre a unidade da Igreja Católica).


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