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domingo, 11 de setembro de 2011

Parábola dos talentos - II

Continuação dos comentários de Mons João sobre a parábola dos talentos
Ausência do senhor
“Logo em seguida, o que recebeu cinco talentos negociou com eles; fê-los produzir, e ganhou outros cinco. Do mesmo modo, o que recebeu dois, ganhou outros dois. Mas, o que recebeu apenas um, foi cavar a terra e escondeu o dinheiro de seu senhor”.
O senhor parte e, “logo em seguida”, o primeiro servo se põe em ação, indicando-nos claramente que nunca devemos perder tempo no serviço do Senhor. A partir do recebimento do uso da razão, devemos entregar-nos à causa de Deus e trabalhar unicamente por ela. E, assim que cada um de nós se dá conta de qual é sua missão específica e quais as responsabilidades a ela inerentes, deve começar a agir sem demora, utilizando todos os dons que a Providência lhe deu para cumpri-la nesta vida.
Amor à autoridade que dá a tarefa
É necessário — como anteriormente vimos — que, ao assumirmos uma função ou ao sermos incumbidos de qualquer tarefa, desempenhemo-nos com senso de responsabilidade, com seriedade e diligência. Mas não só.
Por cima do objetivo concreto do nosso trabalho, considerado em si mesmo, devemos amar a legítima autoridade que nos deu o encargo, sobretudo quando se trata de um superior religioso. Neste caso, a nossa responsabilidade deixa de ser meramente material para elevar-se a um nível mais alto, dentro do qual o amor ao superior deve ser o motor eficazmente dinâmico na execução da tarefa. O bom andamento do serviço e a própria realização do objetivo proposto estarão em função desse amor.
Afastemos de nós o equívoco de julgar que apenas os monges, os sacerdotes ou as religiosas de um instituto de vida consagrada se encontram nessa situação. Qualquer simples fiel, ao obedecer ao Papa, ao Bispo ou ao pároco, ou a qualquer outro legítimo superior, na família ou na sociedade, deve ser movido primordialmente pelo amor à autoridade, instituída pelo próprio Deus.
Retribuir a Deus por dever de amor e de justiça
Quando quem nos impõe uma obrigação não é uma autoridade terrena, mas o Senhor por excelência, o próprio Deus, o amor com que a executemos toma o caráter de suprema importância.
Por amor e por dever de justiça, a Ele devemos toda obediência. É dEle que provêm nosso ser, inteligência, vontade, sensibilidade e todos os dotes naturais. E, sobretudo, de Nosso Senhor Jesus Cristo nos vem a Redenção, de um preço infinito, e com ela a Graça, dom que nenhum talento humano é capaz de merecer.
O senhor passou muito tempo fora
“Muito tempo depois, o senhor daqueles servos voltou e pediu-lhes contas”.
Nas parábolas do Divino Mestre, nenhum detalhe é casual. As circunstâncias, e até os mínimos matizes da narração, são dispostos pela sua absoluta Sabedoria, para o nosso bem. Assim, detenhamo-nos um instante na análise do fato de Jesus ter assinalado que o senhor passou muito tempo fora.
Durante essa prolongada viagem, os servos que mais receberam não foram tomados pela preguiça nem pelo desamor. Pelo contrário, mantiveram plena fidelidade durante a ausência de seu senhor, perseverando de forma ótima e fazendo frutificar, tanto quanto lhes era possível, os talentos que ele lhes entregara.
Quais as conseqüências deste ensinamento?
Imaginemos que cada um de nós estivesse chamado a viver durante apenas seis meses com inteiro uso da razão. Em vista dessa brevidade, faríamos todo o possível para apresentarmo-nos ao Tribunal Divino com o máximo de frutos, provenientes dos dons recebidos. Planejaríamos cuidadosamente a recepção dos sacramentos, tomaríamos todas as medidas cabíveis para nos afastar das ocasiões de pecado, procuraríamos crescer em zelo e piedade durante esse curto período de progresso rumo à eternidade.
Entretanto, a maioria dos homens é chamada a viver nesta terra um tempo relativamente longo, ou que lhes parece longo. E por isso, o fervor inicial com que o homem empreende a via do Reino do Céu tende a não ser duradouro.
Recebemos uma graça e o entusiasmo nos pervade, empreendemos uma obra com toda a energia para coroá-la, assumimos uma função fazendo os mais belos propósitos... mas esse primeiro impulso, muitas vezes, não perdura. Chega o momento em que o fervor inicial começa a retirar-se. A ausência do senhor, por assim dizer, se torna consciente no dia-a-dia; e começamos a nos dar conta de quão distante se encontra aquele que partiu.
A essa altura dos acontecimentos, desaparece a força que o senhor irradia com sua mera presença. No cumprimento das obrigações que ele nos deixou, já nem sequer nos estimula a consideração de um retorno dele de forma repentina e imediata. Essa sensação de demora nos coloca em grave risco de esquecê-lo.
Assim acontece com quem abraça a vida religiosa. No início, sente um entusiasmo capaz de derrubar todos os obstáculos e vencer qualquer dificuldade; esse é o “fervor de noviço”, assim chamado por ser característico de quem acaba de entrar nas vias da perfeição. Algum tempo depois — mais longo para uns, menos longo para outros —, afasta-se lentamente a visão primaveril que encantou o religioso no início de sua vocação, e aquele entusiasmo primeiro começa a diminuir. Surgem então as dificuldades. Imerso no labor cotidiano, pesa-lhe a monotonia do dia-a-dia. Se ele não lutar contra essa provação, acabará por esquecer-se da glória de Deus, dos interesses da Igreja, à qual entregou sua vida, e do benefício da própria alma.
Mas esse fenômeno não se dá só com as almas consagradas. O mesmo, quantas vezes, se passa também com quem acaba de receber a Primeira Comunhão, ou a Crisma, ou conclui algum período de formação religiosa! Nessas ocasiões, não poucos podem se sentir pervadidos de um fervor semelhante ao do noviço. Para estes, a perspectiva de uma vida longa bem pode vir a ser grave obstáculo para o fervor inicial continuar aceso!

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