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terça-feira, 13 de setembro de 2011

Talentos -Parte III

A recompensa e o castigo
“O que recebeu cinco talentos, aproximou-se e apresentou outros cinco: ‘Senhor — disse-lhe — confiaste-me cinco talentos; eis aqui outros cinco que ganhei’. Disse-lhe seu senhor: ‘Muito bem, servo bom e fiel; já que foste fiel no pouco, eu te confiarei muito. Vem regozijar-te com teu senhor’. O que recebeu dois talentos, adiantou-se também e disse: ‘Senhor, confiaste-me dois talentos; eis aqui os dois outros que lucrei’. Disse-lhe seu senhor: ‘Muito bem, servo bom e fiel; já que foste fiel no pouco, eu te confiarei muito. Vem regozijar-te com teu senhor’”.
Pela forma com que os dois servos fiéis se aproximam, podemos discernir uma espécie de sofreguidão, de santa ansiedade, da parte deles, pela chegada do seu senhor. Nota-se que tinham passado todo o tempo de sua ausência suspirando pelo seu retorno. Ao ouvirem que ele os chama, vão céleres ao seu encontro, porque percebem ter chegado o fim das penas, trabalhos e esforços. Acorrem logo e sem nenhum receio. O que temeriam eles de um senhor que sempre amaram e pelo qual sempre trabalharam?
Esta é a situação dos homens que, durante a vida, atuaram com seriedade e diligência, utilizando todo o seu tempo no serviço do Senhor. Uma vez que cumpriram eximiamente o seu dever e souberam avaliar, aprimorar e agradecer os dons recebidos de Deus e deles se utilizar, não terão dificuldade alguma em deixar esta vida e passar para a eternidade.
A morte os encontrará alegres e desejosos de prestar contas Àquele que tudo lhes deu. Perante a perspectiva do Juízo, não sentirão temor, mas sim uma santa avidez de ir gozar eternamente da Presença de seu Senhor.
Nós, que agora consideramos esta parábola, não poderíamos deter-nos para um breve exame de consciência?
Quanto nos esforçamos por fazer render os dons que Deus nos deu para a glória dEle? Aplicamo-nos, como devemos, muito mais no serviço dEle do que em satisfazer o nosso egoísmo? Em que medida nossas retribuições, nossos louvores, nosso amor a Deus correspondem a tudo aquilo que Ele fez por nós?
Necessidade de restituir os talentos recebidos
Consideremos, a seguir, o belo gesto dos servos, reconhecendo que tudo pertence ao senhor e não se apropriando de nada: “Senhor, confiaste-me cinco talentos; eis aqui outros cinco que ganhei. [...] Senhor, confiaste-me dois talentos; eis aqui os dois outros que lucrei”.
Ao longo da nossa vida, Deus não deixa de nos conceder “talentos”. No Batismo, recebemos o dom por excelência que é a graça santificante, participação criada na vida incriada de Deus. A ela, por pura liberalidade divina, se acrescentam graças atuais ordinárias, operantes e cooperantes, e também graças atuais extraordinárias, que a Providência concede em circunstâncias especiais.
Perante tal profusão de “talentos”, devemos reconhecer, com gratidão, que todos esses dons pertencem a Deus. E quando deles “tiramos lucro” ao praticarmos uma boa obra, devemos saber ver, com humildade, quanto o mérito desse ato provém de Deus. Como os servos fiéis, precisamos retribuir a Deus tanto pelos “talentos” recebidos, como por aqueles lucrados pelos nossos atos de virtude.
A recompensa dos servos fiéis
Os servos fiéis da parábola dobraram a soma recebida das mãos de seu senhor, mostrando como o trabalho feito com diligência, com amor, com responsabilidade, acaba sendo coroado pelo sucesso.
“Muito bem, servo bom e fiel; já que foste fiel no pouco, eu te confiarei muito. Vem regozijar-te com teu senhor”.
A seriedade com que ambos se comportaram merece de seu senhor idêntico e belíssimo elogio, o qual evoca o que receberão do próprio Deus todos quantos procederam bem durante sua existência terrena.
A resposta do senhor — “eu te confiarei muito” — lembra também outra verdade importante: quem corresponde às primeiras graças, é geralmente beneficiado por outras ainda maiores e por uma renovada força para ser fiel a elas. Toda graça bem correspondida abre as portas para Deus outorgar muitas outras; e quem, nesta terra, deixa de corresponder a uma graça, corre o terrível risco de fechar as portas para as vindouras. Talvez, até, para aquelas que devem conduzi-lo à Bem-Aventurança eterna...
É importante ressaltar, por fim, que o prêmio é infinitamente superior ao esforço que os servos fizeram: “Vem regozijar-te com teu Senhor”. Para um pobre mortal que sai desta vida, o entrar no Céu, o ver Deus face a face, o possuí-Lo, amá-Lo e gozar da sua essencial felicidade é algo inimaginável e muito acima de qualquer merecimento!
O servo que esconde o talento
“Veio, por fim, o que recebeu só um talento: ‘Senhor — disse-lhe —, sabia que és um homem duro, que colhes onde não semeaste e recolhes onde não espalhaste. Por isso, tive medo e fui esconder teu talento na terra. Eis aqui, toma o que te pertence’”.
O comportamento deste “servo mau e preguiçoso” é chocante e digno de toda reprovação, sobretudo se comparado com o dos servos “bons e fiéis”. Em lugar de exercer sua função de forma séria e responsável, ele esconde o talento, guiado por um medo pecaminoso que nada tem a ver com o timor reverentialis (temor reverencial) das almas virtuosas.
Durante a ausência do senhor, foge do cumprimento de sua obrigação e, ao ser chamado a prestar contas, revolta-se contra ele. Para justificar sua falta, ultraja aquele a quem deveria servir, acusando-o de ser injusto: “Sabia que és um homem duro, que colhes onde não semeaste e recolhes onde não espalhaste”. Sua atitude erige-se, assim, em paradigma do comportamento dos pecadores que procuram justificar suas faltas revoltando-se contra Deus e contra os outros. Nunca reconhecem sua culpa; tudo lhes serve de escusa para a sua má conduta.
Sofismarão que é muito difícil salvar- se, porque poucas são as pessoas que alcançam o Céu; ou afirmarão: “Minhas paixões são vivas demais...”; ou: “O mundo está tão corrompido...” De nada servirá aconselhá-los a fazer um maior esforço para domar suas paixões, se elas forem fortes demais; nem recomendar-lhes a fuga das ocasiões que os põem em grave risco. Pois esses pecadores não procuram corrigir-se, mas sim, como já foi dito, sempre buscam razões para justificar suas más obras.
A resposta do senhor
“Respondeu-lhe seu senhor: ‘Servo mau e preguiçoso! Sabias que colho onde não semeei e recolho onde não espalhei. Devias, pois, levar meu dinheiro ao banco e, à minha volta, eu receberia com juros o que é meu’”.
O senhor não se preocupa em refutar as afirmações do servo infiel, porque a ofensa que ele lhe faz é tão sem fundamento que não merece resposta. Pelo contrário, vai directamente ao ponto essencial do assunto, devolvendo-lhe a acusação: “Servo mau e preguiçoso! Sabias que colho onde não semeei e recolho onde não espalhei. Devias, pois, levar meu dinheiro ao banco e, à minha volta, eu receberia com juros o que é meu”.
O castigo
“Tirai-lhe este talento e dai-o ao que tem dez. Dar-se-á ao que tem e terá em abundância. Mas ao que não tem, tirar-se-á mesmo aquilo que julga ter. E a esse servo inútil, jogai-o nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes”.
A condenação do “servo mau e preguiçoso”, contida nestes versículos, mostra-nos quão terrível será o suplício dos pecadores no Juízo Final.
Nesse dia, seus falsos raciocínios serão desmascarados diante de todos, e eles sentirão a mais viva vergonha. Os dons que a eles tinham sido concedidos, ser-lhes-ão arrancados e entregues a outros, provocando-lhes uma inveja e amargura tremendas. Aquilo que durante a vida desprezaram aparecerá ante seus olhos em todo o seu valor, enriquecido por Deus e posto nas mãos de outro que aproveitou melhor as graças recebidas.
A essas lancinantes dores, une-se a humilhação de ver-se condenado e jogado nos terríveis tormentos do Inferno, sobre os quais, por falta de espaço, deixamos para falar em outra ocasião.
Medita nos teus novíssimos
Meditar sobre a parábola dos talentos leva-nos, como vimos, a reflectir a respeito da seriedade com que devemos conduzir todas as nossas ações. Salta aos olhos como isto traz para nós benefícios extraordinários.
Mas, nesta parábola, Nosso Senhor nos ensina também a jamais nos apropriarmos de nada. Quer se trate de um dom gratuito, quer se trate de um benefício conquistado pelo próprio esforço, tudo é de Deus; dEle tudo recebemos e a Ele pertence tudo quanto fazemos, porque até as nossasncapacidades pessoais e nosso próprio trabalho foram criados para sua glória.
A parábola dos talentos nos convida, e muito também, a voltarmos constantemente os olhos para o nosso fim último, que é Deus, assim como para o dia em que por Ele seremos julgados. “Em tudo o que fizeres, lembra-te dos teus novíssimos e jamais pecarás” (Eclo 7, 40), diz a Sagrada Escritura. Se assim procedermos, teremos abraçado uma via segura para a nossa salvação eterna!

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