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sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A parábola dos talentos

Publicaremos em 3 posts os comentários de Mons João Clá Dias a respeito da parábola dos talentos
Seriedade de todos os nossos atos
Na parábola dos talentos — assim como na das virgens prudentes, que a antecede, formando com ela um conjunto — Jesus nos ensina o caminho da felicidade eterna. Ambas têm o seu início em uma analogia: “O reino de Deus é semelhante a…”. De fato, parábola, na língua grega, significa: comparação.
Precedendo estas duas passagens do Evangelho, o capítulo anterior de São Mateus nos traz a descrição do fim do mundo, saída dos lábios do próprio Salvador. A conclusão também se faz através de uma parábola, a do “servo mau”, demitido e lançado no lugar onde “haverá choro e ranger de dentes”.
Novo prisma para a parábola dos talentos
 No fim da vida, cada um de nós deverá prestar contas a propósito dos “talentos” recebidos de Deus.
Os ensinamentos de Jesus, porém, são de uma riqueza inesgotável, e podem ser contemplados sob uma infinitude de prismas, sendo um deles — e muito importante — a seriedade com que todo homem deve procurar cumprir a tarefa ou exercer a função da qual foi incumbido. Sobretudo, se elas são encomendadas, não por um senhor terreno, mas pelo próprio Deus.
Seriedade no ver, julgar e agir
A rapidez frenética da modernidade torna difícil a reflexão sobre os acontecimentos cotidianos. Daí o fato de o homem contemporâneo tender à superficialidade de pensamento e não analisar em profundidade as consequências, boas ou más, de seus próprios atos.
Ora, tudo nesta vida é sério, pois somos criaturas de Deus e “é n’Ele que temos a vida, o movimento e o ser” (At 17, 28). Assim, o mais trivial dos nossos atos tem relação com realidades altíssimas, e pode nos acarretar graves consequências ou colocar-nos diante de onerosas responsabilidades, se não for devidamente executado.
Por isso, essa seriedade no exercício de uma função exige de nós, em primeiro lugar, uma inteira objectividade. É preciso ver a realidade como ela é, sem véus nem preconceitos, e sem permitir que seja distorcida por ansiedades ou frenesis. Dessa coerência no ver e no julgar, emanará a seriedade no agir. O que se tem a fazer deve ser começado logo, executado por inteiro, sem perda de tempo e sem interrupções desnecessárias.
Somos árvores cujos frutos são pobres, pecos e, frequentemente, podres
Não esqueçamos, entretanto, que, sem o auxílio da graça, a natureza humana é incapaz de praticar estavelmente a própria Lei Natural, e até de fazer algo meritório para a salvação eterna. Por nossa natureza decaída, somos árvores cujos frutos são pobres, pecos e, frequentemente, podres. Só quando a seiva da graça circula com força no caule e nos galhos dessa árvore, alcançando até mesmo as folhagens mais distantes da raiz, produzimos frutos abundantes e bons.
O senhor distribui seus bens e parte
“O Reino dos Céus será também como um homem que, tendo de viajar, reuniu seus servos e lhes confiou seus bens. A um deu cinco talentos; a outro, dois; e a outro, um, segundo a capacidade de cada um. Depois partiu”.
Os três servos da parábola nada possuíam e, ao partir de viagem, seu senhor põe-lhes nas mãos todos os bens que lhe pertencem: oito talentos no total. Tratava-se de uma fortuna considerável, pois o talento não era propriamente uma moeda, mas uma medida ideal de valor equivalente a um lingote de prata de, mais ou menos, 30 quilos. O conjunto desse tesouro comportava, portanto, cerca de 240 quilos do precioso metal.
Tudo o que temos vem de Deus
Sobre este aspecto da parábola cabe já uma aplicação para nossa vida espiritual.
Cada um de nós é um servo de Deus que, de si mesmo, nada tem. Na ordem da natureza, recebemos do Criador o ser que Ele ideou para nós desde toda a eternidade, munido de determinados atributos e dons. Junto com a existência, Ele nos deu também todos os bens necessários, tanto materiais quanto espirituais.
De nossos pais recebemos a geração humana, mas não a alma, a qual nos é infundida pelo próprio Deus e elevada à vida sobrenatural pelo Batismo. A partir desse momento, o rico legado de Cristo para sua Igreja fica direta e imerecidamente à nossa inteira disposição: sua doutrina, os sacramentos, as graças, os benefícios decorrentes dos seus méritos, etc.
Os dons são distribuídos de forma desigual
Cabe também salientar que, ao distribuir os talentos entre os servos, o senhor da parábola o faz de forma desigual: para um dá cinco; para outro, dois; para o terceiro, um. Sendo o dono, ele pode repartir sua própria fortuna do modo que achar melhor, e, neste caso, distribuiu “de acordo com a capacidade de cada um”.
Perante essa diferença, os três servos agem bem. Os dois últimos não reclamam pelo fato de ter sido dado mais ao primeiro; os que têm menos não ficam com inveja do que recebeu mais, e este não despreza os outros dois. Sabem claramente que tudo é do senhor. São meros administradores, e cada qual deverá prestar contas na proporção do valor que lhe foi confiado. Não há, portanto, motivo para inveja, queixa ou, menos ainda, revolta.
Assim devemos fazer também nós que somos servos do Senhor Nosso Deus. Ao receber d’Ele dons, não nos cabe perguntar se outros receberam menos ou mais, mas aplicar-nos em retribuir-Lhe da forma mais completa, segundo as nossas próprias aptidões, estando sempre prontos a prestar contas desses talentos, e perguntando-nos frequentemente: “O que faço com os benefícios que de Deus recebi?”.
Deus outorga os dons em função de sua própria glória
Deus, ao distribuir seus dons entre nós, seus servos, não se atém a critérios humanos, mas o faz segundo seu beneplácito, visando sua própria glória.
Os dons naturais ou espirituais que Ele nos outorga não vêm pautados pelos nossos desejos, aptidões ou méritos. Pelo contrário, Deus nos dota de qualidades em função da glória que para nós reservou no Céu. Assim, nossa inteligência, vontade e sensibilidade, nossa mentalidade e nosso carácter nos são dados com vistas ao trono que devemos ocupar na eternidade. Nossa natureza e nosso espírito são por Ele preparados para receber os dons sobrenaturais com que quer nos ornar, e todas as graças e benefícios com os quais Ele nos enche ao longo da vida estão orientados nesse mesmo sentido.
Deus, ao fazer-nos filhos adoptivos seus, nos chama a sermos manifestações d’Ele próprio, assim como a participarmos de sua glória. Por isso, diz São Paulo aos Coríntios: “A cada um é dada a manifestação do Espírito para proveito comum. A um é dada pelo Espírito uma palavra de sabedoria; a outro, uma palavra de ciência, por esse mesmo Espírito, a outro, a fé, pelo mesmo Espírito; a outro, a graça de curar as doenças, no mesmo Espírito; a outro, o dom de milagres; a outro, a profecia; a outro, o discernimento dos espíritos; a outro, a variedade de línguas; a outro, por fim, a interpretação das línguas.Mas um e o mesmo Espírito distribui todos esses dons, repartindo a cada um como lhe apraz” (I Cor 12, 7-11).
Somos membros de um só corpo
Logo a seguir, o Apóstolo acrescenta: “Como o corpo é um todo tendo muitos membros, e todos os membros do corpo, embora muitos, formam um só corpo, assim também é Cristo” (I Cor 12, 12).
A Igreja, com efeito, forma um corpo no qual cada membro tem uma função diferente. Deus adapta as graças às diversas funções e exige que cada um se aplique, na sua finalidade específica, dentro desse Corpo Místico. Diz São Paulo: “A uns ele constituiu apóstolos; a outros, profetas; a outros, evangelistas, pastores, doutores, para o aperfeiçoamento dos cristãos, para o desempenho da tarefa que visa à construção do corpo de Cristo” (Ef 4, 11-12).
E São Pedro exorta: “Como bons dispensadores das diversas graças de Deus, cada um de vós ponha à disposição dos outros o dom que recebeu” (I Pd 4, 10).
Cada um de nós tem, portanto, uma missão específica. E não podemos querer — por egoísmo, ou por ambicionar uma função que não nos foi atribuída — prejudicar a harmonia desse conjunto criado por Deus em sua infinita Sabedoria.

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