-->

sábado, 18 de agosto de 2012

Evangelho 20º Domingo do tempo Comum

São Paulo
53Então Jesus lhes disse: Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós mesmos.
Diante do fervilhar da disputa, Jesus, ao invés de atenuar sua afirmação, a reforça, utilizando-se de um como que juramento — “em verdade” — a fim de torná-la ainda mais clara e contundente. Para possuir essa vida, é indispensável “comer a carne” e “beber o sangue” de Cristo.
A condição não poderia ser expressa com maior clareza, não cabendo de maneira alguma qualquer interpretação metafórica. Trata-se de uma descrição inteiramente objetiva. Tanto mais que São João escreveu seu Evangelho por volta da década de 90, quando a Eucaristia era o cerne da vida da Igreja, participada por todos os fiéis que constituíam o objetivo primordial de sua narração. Já no ano 56, São Paulo, ao se dirigir aos Coríntios, deixara um precioso documento de quanto estava assente entre todos a realidade da presença de Cristo no Sacramento do Altar: “Falo como a pessoas sensatas; julgai vós mesmos o que eu digo. Porventura o cálice de bênção que abençoamos não é comunhão do sangue de Cristo? E o pão que partimos não é comunhão do corpo do Senhor?” (12). O realismo eucarístico desse versículo encontra-se bem enunciado por São João Crisóstomo: “E como diziam que isto era impossível, isto é, que desse a comer sua própria carne, deu-lhes a entender que não só não era impossível, senão muito necessário; por isto continua: ‘em verdade, em verdade vos digo que se não comerdes a carne...’, etc. Como que dizendo: de que modo se dá, e como deve comer-se este pão, vós não o sabeis; mas se não o comerdes, não tereis Vida em vós” (13).
54 Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia.
Este versículo especifica o tipo de vida dado a quem comer a carne e beber o sangue de Cristo; trata-se nada mais nada menos que da visão beatífica.
Incorporados a Cristo pelo Batismo, necessitamos ser alimentados por seu sangue e por sua carne para desenvolver, rumo à plenitude, nossa vida divina — e, portanto, eterna.
Por sua vez, poderia parecer estar prometendo Jesus a imortalidade para quem comesse sua carne e bebesse seu sangue, e daí o acrescentar: “Eu o ressuscitarei no último dia”.
55 Pois a minha carne é verdadeiramente uma comida e o meu sangue, verdadeiramente uma bebida.
Vê-se aqui o empenho de São João em evitar a menor dúvida sobre a presença real do corpo, sangue, alma e divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo na Eucaristia. Sempre imbuído de uma chamejante virtude da , desejava ele entregar aos séculos futuros seu inconteste depoimento do que ouvira sobre o mais importante dos Sacramentos. Daí o repetir um conceito já enunciado.
São João Evangelista
56 Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e Eu nele.
Em nossa vida humana, o alimento é essencial para nosso crescimento, manutenção e saúde. Deus assim o dispôs para, entre outras razões, dar ao nosso entendimento um símbolo dos efeitos da Eucaristia. Produz esta na alma de quem a recebe algo análogo à assimilação do alimento pelo organismo humano. Não através de uma simples permanência física, mas por meio de um relacionamento íntimo e uma união estreitíssima. Ao longo do Evangelho de São João, encontramos várias referências de Jesus a essa permanência mútua (14).
57 Assim como o Pai que me enviou vive em mim, e Eu vivo pelo Pai, assim também aquele que comer a minha carne viverá por mim.
O próprio autor e fonte da vida se entrega a nós como alimento para nos sustentar. Seu corpo, sangue, alma e divindade, como verdadeira comida e bebida, desenvolvem em nós a vida sobrenatural começada pelo Batismo (15). Da mesma maneira pela qual Jesus recebe a vida do Pai, nós a recebemos do Filho como de fonte e princípio.
Ora essa vida nos é concedida pela Graça, e sem a conhecermos não compreenderemos o presente versículo. Procuremos sintetizar em poucas palavras essa realidade infinita:
“O dom da graça excede o poder da natureza criada, porque não é outra coisa senão uma participação da natureza divina, a qual supera qualquer outra natureza. Por conseguinte, é impossível a uma criatura produzir a graça, como é impossível que algo que não seja fogo queime. Portanto, é necessário que somente Deus divinize, comunicando a união da natureza divina por certa participação de semelhança” (16).
Comentando esta passagem de São Tomás de Aquino, assim se exprime o famoso Pe. Royo Marín: “A graça é uma verdadeira qualidade habitual que modifica acidentalmente a alma que a recebe, tornando-a ‘deiforme’, ou seja, semelhante a Deus, ao comunicar-lhe uma participação de sua própria natureza divina” (17).
Nesta mesma obra, o Pe. Royo nos fornece os elementos para melhor compreendermos a pulcritude contida no versículo em questão: “Entre os maravilhosos efeitos que produz em nós a graça santificante, há um que excede infinitamente a própria graça: a inabitação da Santíssima Trindade na alma do justo (...) A graça, com efeito, nos dá uma participação criada da natureza incriada de Deus. Mas a inabitação divina — absolutamente inseparável da graça santificante — nos dá o mesmíssimo Deus, ou seja, a mesma realidade incriada que constitui a própria essência de Deus” (18).
Por fim, conclui o grande teólogo dominicano: “No cristão, a inabitação equivale à união hipostática na pessoa de Cristo, embora não seja ela, mas a graça santificante, que nos constitui formalmente filhos adotivos de Deus. A graça santificante penetra e embebe formalmente nossa alma, divinizando-a. Mas a divina inabitação é como a encarnação, em nossas almas, do absolutamente divino: do próprio ser de Deus tal como é em si mesmo, uno em essência e trino em pessoas” (19).
Essa participação na vida divina se inicia com o Batismo mas atinge sua perfeição com a Eucaristia que não só conserva e aumenta em nós a virtude da caridade, assemelhando-nos a Jesus, mas também nos estimula à prática da mesma: “O efeito deste sacramento é a caridade, não só enquanto hábito, mas também enquanto ato, pois ela é por ele estimulado” (20).
No amplo firmamento da Igreja, quase não há santo que não tenha se pronunciado sobre os grandiosos efeitos deste Sacramento. Recordemos dois deles:
— Santo Agostinho (Confissões, VIII, 9): “Sou manjar de robustos. Cresce e me receberás e não me mudarás a mim em ti, qual farias com uma comida corporal, senão que tu te mudarás em mim”.
— São Leão Magno (Sermão 14, da Paixão): “Não faz outra coisa a participação do corpo e do sangue de Cristo, senão transformarnos no que comemos”.
Eis alguns elementos para se entender a afirmação de Jesus: “aquele que come a minha carne viverá por mim”.
58 Este é o pão que desceu do Céu. Não como o maná que vossos pais comeram e morreram. Quem come deste pão viverá eternamente.
Insiste o Divino Mestre, devido à dureza de coração daqueles que o rodeavam. Explica, por comparação, a excelsitude do pão eucarístico. Quantos judeus se haviam beneficiado do maná ao longo dos quarenta anos de travessia do deserto e, entretanto, se condenaram eternamente! Jesus promete aos que se alimentarem desse Sacramento, nas condições exigidas, a própria vida eterna, a participação na vida e gozo da Santíssima Trindade.
PAZ E CONSOLAÇÃO PARA OS QUE SOFREM
Considerações sobre a Eucaristia poderiam ser escritas a ponto de tornarem pequenos os espaços de todas as bibliotecas do mundo. Focalizemos apenas mais uma delas: a paz e a consolação oriundas deste tão sublime Sacramento.
São Tomás demonstra o quanto constitui um vício o fato de deixar a tristeza apoderar-se de nossos corações, a ponto de perturbar o uso da razão. Ora, vivendo nesta fase histórica tão penetrada pela angústia, drama e aflição, não erramos em afirmar ser a tristeza a nota tônica de nossos dias. Onde, então, obter o consolo e alegria de coração? Tanto mais que o buscar alívio é um fenômeno natural e espontâneo, uma reação psicológica de toda alma oprimida.
Quem não procura apoiar-se nas criaturas — sejam elas parentes, amigos, diversões — para só falar nas que estão dentro dos limites da liceidade moral? Mas, o apegar-se às criaturas é preparar novas e amargas desilusões.
É no Tabernáculo, na Eucaristia, onde verdadeiramente podemos encontrar o júbilo tão ansiado por nossos corações. Foi Jesus quem afirmou: “Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo, e Eu vos aliviarei” (21). O único conforto está em Deus e é por isso que, sobre nossa vida no Céu, o Apocalipse diz: “Não haverá mais morte, nem luto, nem grito, nem mais dor” (22), porque o próprio Deus enxugará as lágrimas de seu povo.
Aproximemo-nos pois, freqüentemente, da mesa da Comunhão, sempre por meio de Maria, e seremos os entes mais felizes dentre todos.
1) De 15 de agosto de 1910.
2) De 20 de dezembro de 1905 e de 7 de dezembro de 1906.
3) Ecclesia de Eucharistia, 17 de abril de 2003, 22 e 53.
4) Jo 6, 48.
5) Jo 6, 51.
6) Jo 1, 14.
7) Jo 1, 4.
8) Jo 1, 1.
9) Assim se exprime o Doutor Angélico sobre essa importante matéria: “Todo aquele que oferece um sacrifício deve dele participar, porque o sacrifício que se oferece exteriormente é sinal do sacrifício interior, pelo qual a própria pessoa se entrega a Deus, como diz Santo Agostinho. Assim, quem participa do sacrifício exterior demonstra que oferece também o sacrifício interior.Além disto, quem distribui aos fiéis o sacrifício manifesta-se como dispensador das coisas divinas ao povo. Ele, porém, deve recebê-lo primeiro, como diz São Dionísio: (...) ‘Que sacrifício será aquele do qual não seja participante o sacrificador?’ Faz-se participante quando dele come, conforme diz o Apóstolo (1 Cor 10, 18): ‘Não são porventura partícipes do altar aqueles que comem as vítimas?’” (Suma Teológica III, q 82, a 4c).
10) I Cor 10, 18-21.
11) Cf. Jo 6, 41.
12) I Cor 10, 15 e 16.
13) Homilias sobre o Evangelho de São João, 47, apud Catena Áurea.
14) Cf. Jo 14, 20; 15, 4-5; 17, 21; etc.
15) O Batismo nos confere a Graça, enquanto que “é ofício da Eucaristia santificar a alma e o corpo” (São Clemente de Alexandria, Paidagogos II 2).
16) Suma Teológica, I-II, 112, 1.
17) Fr. Antônio Royo Marín OP, Somos hijos de Dios, BAC, Madrid, 1977, p. 14.
18) Idem, p. 42.
19) Idem, p. 48.
20) Summa Theologica, III, q. 79, a. 4.
21) Mt 11, 28.
22) Ap 21, 4.

Nenhum comentário: