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quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Evangelho 23º Domingo do Tempo comum Ano B - Mc 7, 31-37

Continuação

 “Apresentaram-Lhe…”
O apostolado leigo
Se o tal surdo-mudo não tivesse sido levado por outros para junto de Jesus, provavelmente não teria recuperado a fala e a audição. É comovedor encontrar no Evangelho — e com frequência — menção à solicitude do povo judeu para com os necessitados, às vezes incapazes de se locomoverem por suas próprias forças. Chegavam a introduzi-los pelo telhado, ao interior da casa onde estava Jesus (6); ou lançavam aos seus divinos pés grande quantidade de coxos, cegos, mudos, estropiados, etc. (7); ou, em casos extremos, os conduziam em macas e os colocavam nas praças para que pudessem tocar nas vestimentas do Messias, pois assim se curariam (8). Se não tivesse havido esse apostolado colateral, Jesus não teria operado aqueles milagres...
O Senhor quer o apostolado exercido pela Hierarquia e foi assim constituída sua Igreja. Mas, não só aprova como até mesmo deseja que os movimentos leigos atuem em colaboração com a autoridade eclesiástica. Não eram os Apóstolos e nem sequer os discípulos os instrumentos utilizados para levar os necessitados até Jesus. Nesse episódio transparece o verdadeiro papel dos movimentos leigos que nosso atual Papa tanto faz para estruturar, proteger e promover, e dos quais chegou a afirmar serem “a resposta, suscitada pelo Espírito Santo, a este dramático desafio do final de milênio” (9).
Nós, os leigos, jamais devemos nos esquecer da essência, da força e do objetivo de nosso apostolado: conduzir todos a se aproximarem de Jesus, para tocá-Lo ou pelo menos vê-Lo. Ele é Quem dá o crescimento “De modo que não é nada, nem aquele que planta, nem aquele que rega, mas Deus que dá o crescimento” (10). Será estéril todo apostolado que não levar os demais a terem um contato com Jesus, pois é somente d’Ele que procede a virtude saneadora e salvadora. Por essa razão, nosso labor apostólico será eficaz se levarmos para a vida sacramental quantos a Providência coloque em nosso caminho. Essa altíssima tarefa pode ser exercida através da oração, da palavra, do exemplo e da ação direta.
E o melhor meio para isso é fazer tudo através de Nossa Senhora, segundo nos ensinam a Igreja e tantos santos, em especial, São Luís Maria Grignion de Montfort.
“UM SURDO-MUDO”
Percebe-se, pela narração, tratar-se de uma enfermidade contraída, e não congênita, pois, ao soltar-se a língua, passou a falar “perfeitamente”; portanto, aprendera a conversar desde a infância. Apesar de ser raro, esse trauma do impedimento da normal locução às vezes se estabelece nestes ou naqueles, constituindo um tormento para suas vítimas. Neste caso concreto do Evangelho, além do mais, o pobre homem era surdo e, segundo muitos exegetas, esses dois problemas tiveram uma só origem e surgiram concomitantes após uma infecção ou qualquer outra doença.
As Escrituras Sagradas possuem, além do sentido literal, incontáveis outros espirituais. Isso ocorre também neste milagre narrado por São Marcos. Enquanto fato concreto, ele representa um elemento a mais para fortalecer os fundamentos de nossa fé em Nosso Senhor. Mas, sob um prisma simbólico, conforme interpretam os Santos Padres, a surdez representa o endurecimento da alma que já não mais ouve a voz da graça, o chamado de Cristo; e a mudez, o esquecimento ou o relaxamento em louvar a Deus. Não poucas vezes, o próprio Salvador chegou a queixar-se dos judeus que, tendo uma audição normal, não ouviam.
O surdo de Deus
Ouvir a voz de Deus é tomar a atitude de Samuel: “Falai, Senhor; vosso servo escuta!” (11), ou a de São Paulo no caminho de Damasco (12), ou a de tantos outros. Em sentido oposto, o pecador, devido à zoeira de suas paixões, acaba por tornar-se surdo aos apelos de Deus, chegando até mesmo a esquecer-se das mensagens sobrenaturais recebidas no passado. A surdez simboliza toda a insensibilidade da alma no seu relacionamento com o Criador.
Inúmeros são os meios pelos quais Deus procura entrar em contato conosco. Antes de tudo pela própria ordem da criação visível (13); em seguida, através dos fatos palpáveis e tangíveis produzidos pela providência natural e sobrenatural, sobre os quais o Livro da Sabedoria nos ensina maravilhosamente (14). Deus fala aos homens através do Magistério infalível da Santa Igreja, como também por toques sensíveis da graça, e até mesmo pela voz da consciência. A Sabedoria, segundo declara a Escritura, “antecipa-se aos que a desejam. Quem, para possuí-la, levanta-se de madrugada, não terá trabalho, porque a encontrará sentada à sua porta.” (15) Ou seja, Deus está continuamente nos chamando para participarmos de sua glória e felicidade eternas.
“As minhas ovelhas ouvem a minha voz, — disse Jesus —e Eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna; elas jamais hão de perecer, e ninguém as arrebatará da minha mão” (16). Eis o sinal inconfundível para se saber quem é de Deus e quem não o é: “Quem é de Deus ouve as palavras de Deus” (17), disse Nosso Senhor, depois de ter afirmado serem os fariseus, filhos do demônio (18). É mais sensível a Deus quem O ama intensamente, tal como encontramos em São João: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra” (19).
Infelizmente, a surdez espiritual é muito mais generalizada hoje em dia do que em outras épocas históricas. Inclusive entre os próprios batizados. Um incontável número de almas tem os ouvidos endurecidos à palavra de Deus, quer seja por falta de formação, quer pela pobreza da oração. Quantos são os ateus práticos que nunca rezam! Entretanto, para receber alguma comunicação oriunda da eternidade, basta colocar-se em estado de contemplação. Quem assim não procede, dificilmente discernirá, em meio à zoeira e às aflições do mundo moderno, a voz da graça. E é preciso não esquecermos o conselho da Escritura: “Se hoje ouvirdes a sua voz, não endureçais vossos corações” (20)

Continua no próximo post

6) Lc 5, 17-20
7) Mt 15, 30
8) Mc 6, 55-56
9) Discurso aos participantes do
Congresso Mundial dos Movimentos
Eclesiais, 27/5/1998
10) I Cor 3, 7
11) 1 Sm 3, 10
12) At 9, 6
13) Rom 1, 20
14) Cf. do cap. 10 em diante
15) Sb 6, 14
16) Jo 10, 27-28
17) Jo 8, 47
18) Cf. Jo 8, 44
19) Jo 14, 23
20) Hb 3, 7-8

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