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terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Evangelho 4º Domingo do Tempo Comum - Ano C 2013 (Lc 4, 21-30)

Continuação dos comentários ao Evangelho 4º Domingo do Tempo Comum - Ano C  2013  (Lc 4, 21-30) 
22 E todos davam testemunho em seu favor, e admiravam-se das palavras de graça que saíam da sua boca, e diziam: “Não é este o filho de José?”
O conceituado Pe. Manuel de Tuya OP é partidário da opinião de que os fatos narrados nos versículos anteriores deram-se durante uma outra viagem realizada por Jesus: “A segunda parte, com reacções totalmente opostas, deve corresponder a outra estada de Cristo em Nazaré. Havia já corrido muito sua fama de taumaturgo, e até devia-se ter falado em seu messianismo. Isso é o que causava estranheza ao povo nazareno que O escutava na sinagoga. Reconheciam sua sabedoria e prodígios, mas se perguntavam de onde Lhe vinha isso, pois conheciam seus pais e parentes. Talvez não só sentissem a estranheza aldeã de ver um dos seus superior a eles, mas também já palpitassem rumores de seu messianismo. E como o Messias deveria ser de origem desconhecida, isso não podia coadunar-se com o conhecimento que eles tinham dos pais de Jesus” (4).
Pelas Escrituras e até mesmo por historiadores da época, como Flávio Josefo e Fílon, sabemos quanto o povo judeu era apreciador da oratória, sobretudo sacra. Ele ouvira grandes e eloquentes oradores ao longo de sua história. Por aí se nota o grande efeito das palavras de Jesus, penetradas de suavidade e elegância pelo seu modo divino, afável e douto de falar, fazendo crescer de maneira amena o interesse de seus ouvintes, conforme sublinha Maldonado (5).
Ao comentar a admiração dos judeus, Lucas deixa entrever seu reconhecimento pelo caráter superior à pura natureza humana das palavras de Jesus, como acentua São Cirilo: “Ele atraía a Si os olhares de todos, estupefatos por verem que conhecia as Escrituras sem tê-las estudado. Mas, como costumavam os judeus dizer que as profecias relativas a Cristo se cumpriam em algum dos seus chefes ou reis, ou em alguns dos santos profetas, o Senhor previne a manifestação desse costume” (6). E São João Crisóstomo comenta: “Ele lhes expõe uma doutrina não menos admirável que seus milagres; as palavras do Salvador eram acompanhadas de uma inefável graça divina que encantava todos os seus ouvintes” (7).
Reação repetida ao longo dos séculos
“Não é este o filho do carpinteiro?” Assim reagiriam diante de Deus feito Homem os mundanos de todos os tempos. Viver em função de um último fim que se cumpre exclusivamente nesta terra conduz a leviandades perigosas e arriscadas no tocante à salvação. Os toldados horizontes dos nazarenos não ultrapassavam os estreitos limites da própria aldeia. O maravilhamento manifestado pela oratória do Divino Mestre havia se detido na forma, sem penetrar em sua substância. Se suas palavras eram “cheias de encanto”, só podiam confirmar a fama de seus milagres e tornavam secundária sua origem familiar. Pois Davi não era filho do camponês Isaí? E Moisés — o salvo das águas —, teve ele uma ancestralidade à altura da missão que lhe fora conferida?
Bem comenta esta passagem São João Crisóstomo: “Esses insensatos, admirando embora o poder de sua palavra, desprezam sua pessoa, por causa daquele que consideravam seu pai” (8). Por sua parte, diz São Cirilo: “Mas o fato de ser filho de José, como eles pensavam, impede de ser venerável e admirável? Não vêem os milagres divinos, Satanás vencido e os numerosos doentes curados de suas enfermidades?” (9).

23 Então disse-lhes: “Sem dúvida que vós Me aplicareis este provérbio: ‘Médico, cura-te a ti mesmo’. Todas aquelas grandes coisas que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum, fá-las também aqui na tua terra”.
Jesus resume os sentimentos dos judeus presentes na sinagoga num provérbio muito comum daqueles tempos, até mesmo entre gregos e romanos. Era aplicado a todos quantos se empenhavam em dar aos outros os remédios de que eles mesmos necessitavam. Essa impostação de espírito, como comenta Maldonado, tinha suas raízes na falta de fé e na ambição. Não acreditavam no poder de Jesus quanto aos milagres e, ao mesmo tempo, desejavam que sua cidade tivesse mais glória que as outras. Ora, sabemos pelos Evangelhos a fundamental importância da virtude da Fé para a realização de milagres, como explica-nos São Mateus: “E não fez ali muitos milagres, por causa da incredulidade deles” (13, 58). Daí o fato de o Divino Mestre ter interpretado o fundo do pensamento deles através desse provérbio popular, como se dissessem: “Ouvimos dizer que, em Cafarnaum, curaste muitos; cura-Te também a Ti mesmo, quer dizer, faz isto igualmente em tua cidade, onde foste concebido e criado” (10).
A esse dito satírico, Jesus lhes responde com outro:
24 Depois acrescentou: “Em verdade vos digo que nenhum profeta é bem recebido na sua terra”.
Diz-se em latim: assueta vilescunt. E, de fato, onde não impera o amor a Deus, a familiaridade redunda, quase sempre, em desprezo. “Por isso, quem viveu na intimidade de outro, embora seja este um grande profeta, é em geral menos idôneo e está menos disposto a reconhecer suas qualidades. Jeremias o experimentou à sua custa (cf. Jr 11, 21; 12, 6)” (11).
“Se não tiver caridade…”
Magistralmente aqui se insere o mais célebre dos hinos sobre a caridade, recortado pela Liturgia de hoje, à guisa de segunda leitura (1 Cor 13, 1-13): “Se eu não tivesse a caridade”, repete São Paulo três vezes nesse texto, proclamando que, sem ela, de nada lhe serviriam todas as ciências e virtudes. O verdadeiro amor “não busca os seus próprios interesses (...) tudo crê, tudo espera, tudo suporta”.
O fundo da ambição dos nazarenos estava enraizado num amor profundamente egoísta, muito bem explicado pelo famoso Pe. Badet:
“Não há caridade perfeita sem abnegação perfeita. Não há puro amor sem a completa ausência de todo pensamento pessoal. Quem se procura a si mesmo, peca contra o amor. Todo voltar-se sobre si mesmo é um ato egoísta e, em consequência, contrário à essência desse sentimento, que é o de se esquecer, de sumir, de desaparecer a seus próprios olhos, enquanto o objeto de seu amor torna-se tudo. Quem ama perfeitamente não faz exigências, não formula desejos, não coloca condição alguma, não pede nenhum favor. Se alguma vontade resta na alma que se desapropriou de si mesma, é a de se conformar em tudo à vontade do Bem-Amado. Ela O faz mestre de tudo, e seu abandono é absoluto, alegre. Eis sua recompensa: a alma que ama a Deus com essa pureza, ocupa o primeiro lugar em seu reino, porque ela é a última para si mesma. (...) Quanto mais ela se faz pequena, mais Deus a faz grande; quanto menos ela pensa em seus próprios interesses, mais Deus a provê magnificamente. Se ela se esquecer de si no amor, o Bem-Amado não a esquecerá!” (12).

Condições para serem operados os milagres
25 Em verdade vos digo que muitas viúvas havia em Israel no tempo de Elias, quando foi fechado o céu durante três anos e seis meses e houve uma grande fome por toda a terra; 26 e a nenhuma delas foi mandado Elias, senão a uma mulher viúva de Sarepta, do território de Sidônia. 27 Muitos leprosos havia em Israel no tempo do profeta Eliseu; e nenhum deles foi curado, senão o sírio Naaman”.
As Escrituras sempre foram tomadas como sendo a própria Palavra de Deus, naqueles tempos ainda mais do que hoje. Com esses dois exemplos — de Elias (1 Rs 17, 8-24) e Eliseu (2 Rs 5, 1-14) —, Jesus declara não ter havido lugar onde Ele fosse menos bem acolhido do que na aldeia onde vivera quase trinta anos de sua existência. Além disso, mais claramente externa a razão pela qual não realizou ali muitos milagres: porque eles padeciam da mesma incredulidade de seus ancestrais. Os milagres de Jesus não são privilégio de raça ou de parentesco, nem se obtêm por meio de imposição ou da força. Para consegui-los, é necessário humildade e muita fé.
Causa do ódio contra os profetas
28 Todos os que estavam na sinagoga, ouvindo isto, encheram-se de ira.
Não é costume dos Evangelistas fazerem uso do exagero didático. Quando Lucas diz “todos”, significa a ausência de defensores e a unanimidade dos furiosos. O fato de não haver ali um só amigo para se unir ao Salvador e servir-Lhe de escudo prova, uma vez mais, a força e o poder do dinamismo do mal. Se algum admirador existiu naquela ocasião, ficou timidamente retraído e teve medo de se comprometer, como, aliás, sói acontecer com os bons, em circunstâncias análogas. Que jamais sejamos nós um desses covardes.
29 Levantaram-se, lançaram-No fora da cidade, e conduziram-No até ao cume do monte sobre o qual estava edificada a cidade, para O precipitarem.
O cume do alto do qual queriam lançá-Lo, segundo o Pe. Andrés Fernández Truyols SJ, “é um grande penhasco que se pode ver junto à igreja dos maronitas, mais acima da dos greco-católicos: forma parte do monte Djebel es-Sikh, e ao mesmo tempo se encontrava nas proximidades da cidade” (13).
É importante retermos esse gesto criminoso de deitarem mão sobre Jesus, com o intuito sanguinário de lançá-Lo daquelas alturas. Com propriedade comenta Beda: “São piores os judeus, sendo discípulos, que o diabo sendo mestre. Porque este diz: ‘Atira-te ao abismo’; mas aqueles tentam atirá-Lo de fato” (14).
Essa seria uma boa oportunidade para perguntar-lhes por qual dos benefícios recebidos queriam eles matar o Salvador. Se Jesus não tivesse natureza divina, teria provado um tanto do ódio satânico que mais tarde se manifestaria contra Ele, ao longo da Paixão.
Por que assim são tratados os profetas?
“O missionário ou o profeta será sempre alvo de crítica de dentro e de fora. Assim ocorreu com Cristo, assim com Paulo, etc. O profeta pertence à Igreja de seu tempo e, de outro lado, deve-se ao mundo que vai evangelizar. Esse duplo pertencer representa o ponto de partida para um amor sem fronteiras. Contudo, trata-se de uma posição muito incômoda. Não obstante, o profeta poderá realizar uma penetração insuspeitada no fundo das coisas. Os contrastes o purificam e o fazem cada vez mais semelhante a Jesus crucificado.
“O profeta é um mensageiro, um intérprete da palavra divina. Recebeu-a de Deus e ela é mais poderosa que o próprio profeta: ele não poderá calar. Cristo foi o maior dos profetas: e pelo Batismo todos participamos de seu dom profético. Profeta atualmente é o que julga o presente e o futuro à luz de Deus e se sente enviado por Deus para recordar aos homens seus deveres religiosos, sociais, familiares, civis. E o faz tomado de zelo ardente pela causa de Deus e de amor compassivo para com os homens. O profeta deve denunciar a opressão, a injustiça, o egoísmo, as guerras, a pornografia, etc. Deverá exortar e alentar” (15).
30 Mas, passando no meio deles, retirou-Se.


Por essa narração de São Lucas podemos compreender como Jesus sofreu a Paixão por livre e inteira vontade, conforme observam Beda e vários outros autores. Quando Ele quer, livra-Se de seus algozes, não só com maestria, mas também com grandeza.

Aqui faz brilhar sua divindade; no Calvário, sua resignada misericórdia.
“Houve um verdadeiro milagre, um milagre de ordem moral, que consistia na vitória obtida pela vontade de Jesus sobre a de seus inimigos, reduzindo-os à impotência. A esta categoria de prodígios pertenceu também a expulsão dos vendedores do Templo” (16).
Aí está! O milagre imposto pelos nazarenos lhes foi concedido em superabundância, mas eles não o souberam interpretar. 
4Biblia Comentada, BAC, Madrid,
1964, v. II, p. 793.
5) Cf. op. cit, p. 470.
6) Apud São Tomás de Aquino, Catena
Aurea.
7) Apud id., ib.
8) Apud id., ib.
9) Apud id., ib.
10) São Tomás de Aquino, Catena Aurea.
11) L. Cl. Fillion, op. cit., p. 286.
12) Jesus et les femmes dans l´Évangile,
Gabriel Beauchesne, Paris, 1908,
pp. 178-179.
13) Vida de Nuestro Señor Jesucristo,
BAC, Madrid, 1954, p. 327.
14) Apud São Tomás de Aquino, op. cit.
15) Pe. José Salguero OP, Guiones para
Homilías Dominicales, EDIBESA,
Madrid, 2001, p. 647.
16) L. Cl. Fillion, op. cit., p. 287.

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