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domingo, 10 de fevereiro de 2013

Evangelho  Quarta-Feira de Cinzas  Mt 6, 1-6.16-18 Ano C - 2013

Continuação dos comentários ao Evangelho  Quarta-Feira de Cinzas  Mt 6, 1-6.16-18 Ano C - 2013

É vã a oração de quem visa as exterioridades
5 “Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, a fim de serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa”.
Naquela época, era dever de todo varão judeu rezar três vezes por dia: de manhã, coincidindo com o sacrifício matutino, ao meio-dia e na hora do sacrifício vespertino. As preces eram feitas geralmente de pé, com os braços erguidos para o Céu, como a simbolizar o dom que se esperava receber.16
As pessoas costumavam orar no interior das próprias casas. Os fariseus, porém, escolhiam para tal os lugares mais visíveis nas sinagogas ou nas praças públicas. Ali gesticulavam e repetiam de cor grande número de orações, de forma a impressionar quem por lá passava. Inútil dizer que eram vãs essas preces, pois eles já tinham obtido o que almejavam: o aplauso dos transeuntes.
Não caiamos, entretanto, no erro de pensar que Nosso Senhor condena toda oração feita em público. O Divino Mestre recrimina neste versículo apenas a preocupação com as exterioridades, tão frequente nos homens daquele tempo, e a atitude genérica das pessoas que rezam com ostentação ou procurando unicamente o louvor dos semelhantes.
Na nossa vida de piedade, devemos procurar ser discretos
6 “Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto, e, fechada a porta, ora a teu Pai; e teu Pai, que vê o que se passa em segredo, te dará a recompensa”.
A essência da oração, ensina o Catecismo, é a “elevação da mente a Deus”.17 Assim, é possível a qualquer um permanecer em oração inclusive durante os atos comuns da vida, realizando-os com o espírito voltado para o Céu.
Portanto, para rezar não é preciso tomar a atitude espalhafatosa dos fariseus. Devemos, pelo contrário, ser discretos nas manifestações externas de nossa piedade particular, evitando gestos ou palavras que ponham em realce nossa própria pessoa.
Mas se, apesar disso, nossa devoção for notada pelos outros, não devemos nos perturbar, tranquilizemo-nos com este ensinamento de Santo Agostinho: “Não há pecado em ser visto pelos homens, mas sim em proceder com a finalidade de por eles ser visto”.18
O jejum transformado em um ato de caráter social
16 “Quando jejuardes, não vos mostreis tristes como os hipócritas, que desfiguram o rosto para mostrar aos homens que jejuam. Na verdade vos digo que já receberam a sua recompensa”.
O espírito oriental, em sua riqueza de expressividade, é propenso a atitudes dramáticas, por vezes bonitas, mas que, nas práticas religiosas, podem extrapolar os padrões normais. Assim acontecia com os fariseus que, ao jejuar, colocavam cinza na cabeça, não penteavam a barba e até pintavam o rosto para dar ideia de tristeza, ostentando uma fisionomia de tragédia.19 Tinham transformado o jejum em um ato de caráter social, uma encenação, para convencer os outros de sua pretendida virtude. E não receavam recorrer a todos os meios disponíveis para atingir esse objetivo.
Uma vez mais, Nosso Senhor os reprova por se servirem da aparência de justiça para impressionar os outros, e afirma terem sido já recompensados pelo seu jejum.
A propósito deste versículo, cabe uma aplicação a nós: ao fazermos algo difícil, nunca procuremos atrair a atenção dos demais, mendigando alguns elogios. Assim procediam muitos santos que, ao praticar severos jejuns, mortificações e austeridades assustadoras, apresentavam-se, por meio de uma santa dissimulação, com uma aparência exterior alegre e jovial.
Alegria e asseio ao praticar a virtude
17 “Mas tu, quando jejuares, unge a tua cabeça e lava o teu rosto, 18 a fim de que não pareça aos homens que jejuas, mas sim a teu Pai, que está presente no oculto, e teu Pai, que vê no oculto, te dará a recompensa”.
Além de tornar claro o quanto todas as nossas ações devem ser realizadas em função de Deus, Jesus ressalta aqui a fundamental importância da limpeza para a criatura humana. Devemos primar pelo asseio corporal como reflexo da pureza que desejamos para nosso espírito. E aliando uma apresentação impecável às boas ações, ajudaremos a manifestar que a verdadeira felicidade se encontra na prática da virtude.
Quanto ao conselho de ungir a cabeça, explica São Jerônimo: “Trata-se aqui do costume que havia na Palestina, de se ungir a cabeça nos dias de festa”. E acrescenta que assim, “o Senhor nos ordena que nos manifestemos contentes e alegres quando jejuarmos”.20


Continua no próximo post

16 Cf. TUYA, OP, op. cit., p.129. Muito interessante é a proposta que fazem os professores de Salamanca, de traduzir a palavra grega hestótes por “com pose” (em lugar de “de pé”), observando, acertadamente, que “com pose” estaria mais de acordo com o contexto desta passagem.

17 Catecismo da Igreja Católica, n.2559.
18 SANTO AGOSTINHO. De sermone Domini, 2, 3.
19 Cf. TUYA, OP, op. cit., p.151152; GOMÁ Y TOMÁS, op. cit., p.191.
20 SÃO JERONIMO, apud SÃO TOMÁS DE AQUINO, Catena Aurea. 

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