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segunda-feira, 18 de março de 2013

EVANGELHO DOMINGO DE RAMOS DA PAIXÃO DO SENHOR Lc 23, 1-49 Ano C 2013


CONTINUAÇÃO DOS COMENTÁRIOS AO  EVANGELHO DOMINGO DE RAMOS DA PAIXÃO DO SENHOR Lc 23, 1-49  Ano C 2013

O mal se coligou para matar Nosso Senhor

No relato da dolorosa Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, um dos aspectos mais salientes é a união de todos os maus ao se depararem com o Sumo Bem encarnado. O Evangelho refere, por exemplo, que “naquele dia Herodes e Pilatos ficaram amigos um do outro, pois antes eram inimigos” (Le 23, 12), causando-nos um espontâneo movimento de surpresa e indignação. Antigas rixas pessoais por questões políticas ficaram encerradas em função da condenação do Salvador. E uma regra da História que encontra aqui seu paradigma: os maus, ainda que hostis entre si, sempre juntam forças quando se trata de fazer face ao bem.

É verdade que Pilatos não agia motivado por ódio a Jesus e não O tratou com vulgar desprezo, como o fez Herodes, mas por receio de desagradar a César; e que em Herodes, mesclada com a curiosidade, predominava o sentimento de inveja. Certo é, porém, que eles se uniram contra o Homem-Deus quando seus caminhos se cruzaram. Da mesma forma, voluntária ou involuntariamente, se aliaram ao Sinédrio, contra o qual, todavia, ambos alimentavam antigos desacordos e inimizades.

Isso nos ensina como as desavenças entre os maus não alcançam, em geral, grande profundidade de alma, circunstância, aliás, posta em relevo pelo famoso comentário de Clemenceau, o astuto e anticlerical estadista francês, do fim do século XIX, entrando no XX: dois homens, por mais inimigos que sejam, se unem na cumplicidade caso frequentem as mesmas casas de tolerância. Podemos inferir desta afirmação que, pelo contrário, o ódio que dedicam ao bem, de modo especial quando este surge com muito esplendor, é inextinguível, e ambos entram numa conjuração para destruí-lo.

Entre os maus, há graus de perversidade que originam indecisão ou lentidão. Quando Nosso Senhor se encontrava perante Herodes, “os sumos sacerdotes e os mestres da Lei estavam presentes e O acusavam com insistência” (Le 23, 10); ante a dúvida de Pilatos, uma vez mais “os chefes dos sacerdotes faziam muitas acusações contra Jesus” (Mc 15, 3), pressionando o governador com argumentos falazes. Por fim, ao ser proposta a libertação de Jesus, “os chefes dos sacerdotes atiçaram a multidão para que Pilatos soltasse Barrabás” (Mc 15, 11) e por isso o povo insistia gritando “com toda a força, pedindo que fosse crucificado. E a gritaria deles aumentava sempre mais” (Lc 23, 23). Sua histeria não diminuiu enquanto o Divino Prisioneiro não foi entregue “à vontade deles” (Le 23, 25).

Ódio dos maus, indiferença dos bons

Nessas horas, lamentavelmente, muitos daqueles que se têm na conta de virtuosos não abraçam com decisão e coragem o partido do bem, permitindo, por isso, a expansão do domínio do mal. “Esta é a vossa hora e do poder das trevas” (Lc 22,53), lamentava-se o Salvador no momento de ser preso, sem que ninguém dentre os seus mais próximos tomasse sua defesa de maneira eficaz. Boa parte dos que haviam aclamado Jesus na entrada em Jerusalém com ramos e brados, por não terem aderido com profundidade ao Bem, estavam mais tarde no meio da multidão vociferante votando por Barrabás.

Não nos custa admitir que na turba que exigia a condenação do Senhor estivesse alguém a quem Ele houvesse restituído a vista, e que não reagia diante do infame espetáculo; outro a quem Ele tivesse devolvido a audição e a fala, e que ouvia aquelas blasfêmias sem levantar a voz para protestar; outro, ainda, ao qual Ele houvesse curado da paralisia e que tivesse caminhado até ali apenas para saciar sua malsã curiosidade, assistindo impávido ao sofrimento de quem o beneficiara. Talvez muitos não quisessem que Nosso Senhor fosse crucificado, mas, por se terem deixado influenciar pelos maus, acabaram participando do pior crime já cometido na História. Todos, contudo, eram indiferentes, quando não hostis ao Divino Mestre.

Para evitar que também nós nos transviemos, seja no caminho da tibieza e da indiferença, seja no da ingratidão e da traição, devemos progredir com firmeza nas vias da santidade e cultivar nossa indignação ante o avanço ousado dos que recusam a Jesus. Sempre que os bons não entram pelas sendas da radicalidade, o mal leva a melhor.

Cabe aqui remover uma objeção no tocante à virtude da humildade: não será melhor e mais conforme aos ensinamentos de Nosso Senhor que os bons sejam humildes e resignados? A resposta é afirmativa no tocante a injúrias feitas a nós mesmos. Porém não é acertada se o alvo das agressões injustas forem as coisas sagradas, a Santa Igreja Católica ou alguma pessoa inocente. Em tal caso, manter-se passivo é repetir a atitude dos que assistiram com indiferença aos sofrimentos de Jesus Cristo.8

É sublime o exemplo que Nosso Senhor nos dá despojando-Se de Si mesmo e aceitando todas as injúrias por nossa salvação. No entanto, ao mesmo tempo precisamos aprender a lição de que, em certas circunstâncias, a indiferença pode constituir um pecado maior do que o ódio, O contrário seria uma atitude semelhante a alguém que, sendo assaltado por um ladrão em sua própria casa, assistisse com indiferença e de braços cruzados às piores agressões contras seus familiares mais próximos. Seria esta atitude própria a um bom pai, filho ou esposo? Assim, na Paixão de Nosso Senhor o que mais chama a atenção não é a sanha dos inimigos, mas a indiferença dos bons. E este um aspecto esquecido, ainda que da maior importância, que cumpre ser lembrado hoje.

Continua no próximo post.

8) Cf. SAO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., II-II, q.188, a.3, ad 1.

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