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domingo, 24 de março de 2013

Preparando a alma para a Semana Santa



Ao nos aproximarmos da Semana Santa, devemos ter uma compreensão clara de seu significado e do bem que a Igreja tem intenção de nos obter durante esses dias. Dr. Plinio Correa de Oliveira, com entranhada piedade, nos aponta como participar das comemorações da Paixão de modo atento, devoto e esperançado.
Sem  prestar  atenção  nas coisas, nada se faz  bem feito. Por exemplo, um pintor que não presta atenção na pintura, não faz nada que preste. Fixar a  atenção aonde deve e mantê-la ali durante o tempo necessário, é condição para que a pessoa faça qualquer coisa de bom.
Essa verdade se aplica, sobretudo, para aquilo que há de mais importante: os atos de piedade pelos quais a pessoa se volta para Deus, pede-Lhe graças e as recebe. É preciso saber recolher essas graças e aproveitá-las, agindo na linha em que elas indicam.
Tudo isso supõe muita seriedade. E para termos essa seriedade bem atenta durante o importantíssimo período do ano litúrgico onde os católicos comemoram a Paixão e Morte de Cristo, a Compaixão de Nossa Senhora e a Ressurreição de Nosso Senhor, apresentarei algumas noções a respeito dessas comemorações.
As consequências do pecado original
Quando  Adão  e  Eva  pecaram,  como  consequência,  perderam os dons preternaturais: ficaram sujeitos à morte, a tormentos, a doenças, a dores, a indisposições, etc.  Sua inteligência tornou-se mais limitada e perderam o  domínio que tinham sobre os animais, desde o tigre ou  leão mais feroz até o menor inseto. Qualquer mosquitinho pode nos perturbar; antes do pecado isso não sucedia com Adão. 
O estudo e o trabalho, quer o manual, quer o intelectual, tornaram-se difíceis. Para a mulher, a gestação passou a ser frequentemente acompanhada de incômodos  de saúde, e o dar à luz um filho, dolorido. E há uma série  de outros castigos causados pelo pecado original.
Porém, isso não é nada em comparação com o seguinte. Como o pecado cometido tinha uma gravidade infinita, ficaram fechadas para o homem as portas do Céu. E,  além de padecer nesta Terra, o homem corria grave risco  de ir para o inferno.
Porque, depois do pecado, o homem ficou com tendências para o mal, com muita dificuldade em praticar o  bem, como demonstra o episódio de Caim e Abel.
Caim e Abel
Adão e Eva tiveram muitos filhos; entre outros, Caim  e Abel. Este era o predileto, bem apessoado, bom, dedicado e amava a Deus. Caim, pelo contrário, era um homem irascível, de mau gênio e invejoso.
O Gênesis não narra detalhes, mas eu imagino que a  história de Caim e de Abel tenha se dado do seguinte  modo:
Certa ocasião, Abel ofereceu um sacrifício a Deus: colocou frutos sobre um altar e ateou fogo a fim de consumi-los em louvor de Deus, tendo-se evolado bonita fumaça em direção ao céu.
Caim fizera também um altar, sobre o qual pusera  frutas podres, e a fumaça que subira era feia. Vendo  que o sacrifício de Abel era aceito por Deus e o dele rejeitado, ficou com inveja do irmão e, tomado de ódio,  matou-o.
Podemos imaginar quanto Adão e Eva sofreram com  isso. Nunca haviam visto uma pessoa morta, e estavam  agora diante do cadáver do filho predileto. E dirigiram  seus olhos para Caim, que estava com uma cara péssima, pois cometera um homicídio, um pecado que clama  ao Céu e brada a Deus por vingança. E era um homicídio com terrível agravante, pois se tratava de fratricídio.
Amaldiçoado por Deus, Caim começou a cumprir o  castigo que o Criador lhe impôs: andar por toda parte sem poder parar. De tempos em tempos, Adão e Eva  viam Caim meio desvairado passar, e talvez dizer-lhes: “Eu não posso parar, tenho que andar, andar, andar,  porque matei meu irmão…” E novamente se afundava pelo mato.
Para salvar o gênero humano, a própria Segunda Pessoa da Santíssima Trindade veio à Terra
Mas Deus queria salvar o gênero humano, e para isso  era preciso que alguém resgatasse o pecado de nossos  primeiros pais. A Segunda Pessoa da Santíssima Trindade deveria encarnar-Se e sofrer tudo quanto Nosso Senhor Jesus Cristo padeceu, para que até o fim do mundo ficassem abertas as portas da graça e do Céu para o  homem.
E os fiéis à comunicação de que viria um Salvador, um  Messias,  ficaram  esperando  e,  em  cada  nova  geração,  eles se perguntavam: “Virá o Messias? Será o filho de um  de nós?” E passaram-se milhares de anos quando, afinal,  numa manhã, uma Virgem estava rezando e o Anjo Gabriel Lhe aparece, dizendo-Lhe que Ela era cheia de graça, perfeita aos olhos de Deus.
O Messias nasceria d’Ela e, em última análise, perguntava-Lhe se concordava com isso. Sua resposta foi um assentimento sublime:
“Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra.”
Naquele momento, o Divino Espírito Santo interveio  em Nossa Senhora e o Verbo se encarnou e habitou entre nós.
Previsão do atroz sofrimento
Em todo presépio bem feito, o Menino Jesus aparece sorrindo, afável, como uma criança que está encantada em ver sua Mãe — que Mãe! Pode-se imaginar o encantamento d’Ela em ver seu Filho, com “F” maiúsculo;  que coisa incomparável! —, mas com os braços abertos,  em forma da Cruz.
Quer  dizer,  Ele  vinha  à  Terra ciente de que era para padecer o sofrimento da  Cruz.  Jesus  sabia  tudo  que  iria  sofrer  em  todos os dias de sua vida,  para salvar os homens.  Ele foi o ápice dos profetas, o Profeta perfeito; não só previa o que  acontecia, mas fazia o que  previa.
Há  composições  muito bonitas — São José era  carpinteiro  —  que  representam Jesus, já adolescentezinho,  trabalhando  com  o pai. Em certo momento,  Ele  apanha  dois  pedaços  de madeira formando uma  cruz  e  fica,  sozinho,  contemplando-a.
Outras  mostram  Nossa  Senhora,  na  casa  de  Nazaré,  olhando,  por  uma  porta  entreaberta,  Nosso  Senhor  Jesus  Cristo,  que  está numa sala vizinha rezando com os braços abertos em  cruz, compreendendo e pré sofrendo o que viria.
Início da vida pública
Ele passou trinta anos de  vida  particular  na  oração,  no recolhimento, junto com  São  José  e  Nossa  Senhora.  E nesse período faleceu São  José, que é o Patrono da boa  morte, porque morreu tendo  Nosso  Senhor  Jesus  Cristo  e Nossa Senhora alentandoo. Portanto, não se pode ter  melhor morte do que a dele.
Certo  dia,  Jesus  se  despede  de  Maria  Santíssima,  a qual compreende que Ele  vai para a sua vida pública.  Não será mais a vida do lar,  mas a do mundo; Ele vai começar a pregar, fazer milagres, converter pessoas, bem  como suscitar um entusiasmo e uma veneração indizíveis, que se manifestarão no Domingo de Ramos.
Mas também vai despertar a inveja, o ódio. Muitos viram-No chorar pela morte de Lázaro e depois, chegando  diante de seu sepulcro, dar a ordem: “Lázaro, venha para fora!” Lázaro levantou-se, provavelmente ainda todo  enfaixado com as tiras com que os judeus envolviam os  mortos, e desfez-se daquilo.
Coisa fantástica, pois afirma a Escritura que Lázaro estava havia quatro dias na sepultura e, conforme  disse Marta, já devia estar cheirando mal. Nosso Senhor mandou-o sair da sepultura, e ele assim o fez  em condições de perfeita saúde.
Podemos calcular a alegria de suas irmãs e o entusiasmo dos que seguiam a Nosso Senhor! Mas houve também ódio a Nosso Senhor, porque Ele era santo e pregava a virtude. Os maus odeiam o bem, a virtude, e a quem faz milagres para propagar o bem e a virtude.
Movidos por esse ódio, os maus combinaram entre si de matar Jesus.
Nosso Senhor celebra a Páscoa e chora sobre Jerusalém
Afinal, chega o momento. Era Páscoa, e Nosso Senhor  vai com os seus ao Cenáculo, a fim de celebrá-la. Ele institui a Sagrada Eucaristia e depois, com os Apóstolos, se  dirige cantando, como era costume entre os judeus, para  um lugar onde pudessem fazer oração. 
Chegam assim ao Horto das Oliveiras, depois de ter  passado por um local do qual viam de longe o templo  e a cidade de Jerusalém, sobre a qual Jesus havia chorado. Ele sabia perfeitamente que aquele templo seria destruído, e também a cidade, a respeito da qual fez  uma linda comparação: quantas vezes procurou reunir  sua população em torno d’Ele, como a galinha faz com  os pintainhos. Entretanto, eles não quiseram e veio o  castigo.
O lance mais pungente da Paixão
Começou, depois, a Paixão de Nosso Senhor, com sofrimentos inenarráveis. A meu ver, o mais doloroso ocorreu quando Ele se encontrou com Nossa Senhora, porque  A viu sofrer tudo quanto um coração de mãe pode padecer naquela situação, no meio daquela canalha vil. Ela sabia que Jesus estava sendo conduzido para a morte e seguiu-O, fidelíssima, até o cimo do Calvário, onde ficou aos  pés da Cruz até o momento de Ele morrer.
No alto da Cruz, quando os estertores das piores dores O atormentavam, Nosso Senhor fez ainda um ato boníssimo, convertendo o bom ladrão, que se chamava Dimas, e dizendo-lhe: “Hodie eris mecum in paradiso — Tu  estarás comigo hoje no Paraíso.” Foi a primeira canonização, e a Igreja o saúda como São Dimas. Ele havia sido um ladrão, um bandido, mas abria-se agora a era da  misericórdia.
Os últimos sofrimentos
Recentemente, médicos estudaram o que Nosso Senhor deve ter sofrido na Cruz. Cada um de seus pulsos  foi transpassado por um cravo, e não havia um suporte embaixo dos pés, como em geral os crucifixos apresentam. Seus  pés  também  estavam  atravessados  por  um cravo, que os prendia diretamente no madeiro da  Cruz.
Antes de ser crucificado, Nosso Senhor havia perdido  bastante sangue, mas no alto da Cruz perdia muito mais.  Quando sentia falta de ar, a fim de respirar melhor, Ele  se elevava apoiado nos cravos das mãos e dos pés, sofrendo com isso dores atrozes.
Nesse terrível tormento Jesus ainda disse: “Mulher,  eis aí teu filho!”, “Filho, eis aí tua Mãe.” Essas palavras  indicavam um grande perdão, porque São João Evangelista havia dormido no Horto das Oliveiras.
O fato é que São João, a partir daquele momento, passou a ser especialmente filho de Nossa Senhora. Ele era  parente muito chegado de Maria Santíssima, porque a  mãe dele era prima d’Ela. Mas não era filho. Filho ele  se tornou quando Nosso Senhor disse-lhe: “Filho, eis aí  tua mãe.” Aquele que horas antes fugira, recebia agora a  maior graça que se pode imaginar. 
E no auge das dores, Jesus exclamou: “Meu Deus,  meu Deus, por que me abandonaste?” Ele sabia que  não estava abandonado; era um clamor, pois seu sofrimento havia chegado ao auge. Depois inclinou a cabeça e expirou.
No alto da Cruz, Nosso Senhor tinha presente cada ato que praticamos
Nosso Senhor tinha ciência de tudo, do presente, passado e futuro, porque era o Homem-Deus. Conhecia todas as pessoas e, portanto, cada um de nós individualmente. No alto da Cruz, Ele teve em vista todos os pecados por nós cometidos, todos os nossos atos de virtude,  minhas palavras neste auditório e os que estão me ouvindo. E ofereceu seus sofrimentos e sua vida por cada um  de nós individualmente.
Jesus abriu o Céu para nossas almas. Continuamente nos concede graças, sua misericórdia desce sobre nós.
Ele vem ao nosso coração por meio da Sagrada Comunhão. Sua Mãe está rezando o tempo inteiro no Céu por  nós, como nossa Advogada.
O problema central de nossa vida...
Caso pequemos, arrependamo-nos imediatamente e,  por meio de Maria Santíssima, peçamos a Ele que nos  perdoe. Se for um pecado mortal, precisamos ir logo nos  confessar para que essa mancha repugnante e horrível se  apague de nossas almas, a fim de voltarmos à graça de  Deus. 
E  devemos  nos  compenetrar  de  que  o  problema  central  de  nossa  vida  consiste  em  praticarmos  cada  vez mais atos de virtude e sermos imitadores de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela intercessão de Maria. E,  por outro lado, calcarmos aos pés o demônio, recusando as solicitações para o pecado que ele nos faz  para o pecado. E, confiando em Nossa Senhora, poderemos dizer: “Non peccabo in aeternum – Não pecarei  eternamente.”
Para  que  tudo  isto  não  se  apague  das  almas  dos  meus ouvintes — recordem-se de como o beneficiado tende a  se esquecer do benefício  recebido —, é preciso rezar a Nossa  Senhora,  pedindo-Lhe  que  isso  não  aconteça.  E  que  Ela  lhes dê as graças necessárias  e  superabundantes  a  fim  de  não  pecarem  mais.  Desse  modo,  suas vidas transcorrerão  na  contínua  amizade  de  Deus  e  de  Nossa Senhora, até o  momento  bem-aventurado  em  que  entregarem suas almas a Deus e  subirem para o Céu.
Esta  é  uma  introdução para esses dias de  meditação. 
 Plinio Correa de Oliveira - Extraído de conferência de 2/3/1991

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