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quarta-feira, 14 de agosto de 2013

EVANGELHO XX DOMINGO DO TEMPO COMUM - ANO C - 2013

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Comentários ao Evangelho  - Lc 12, 49-53
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Eu vim trazer o fogo à terra e que quero Eu senão que ele se acenda? Tenho de receber um batismo e estou ansioso até que ele se realize. Pensais que Eu vim estabelecer a paz na terra? Não. Eu vos digo que vim trazer a divisão. A partir de agora, estarão cinco divididos numa casa: três contra dois e dois contra três. Estarão divididos o pai contra o filho e o filho contra o pai, a mãe contra a filha e a filha contra a mãe, a sogra contra a nora e a nora contra a sogra». Palavra da salvação.( Lc 12, 49-53)
AS MANIFESTAÇÕES DE AMOR DO DIVINO MESTRE
Comoventes e admiráveis são as manifestações de misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo no decorrer de sua vida pública. Sem jamais recusar benefício algum aos infelizes que d’Ele se aproximavam necessitando de auxílio, realizava curas corpóreas e espirituais nunca antes testemunhadas. Certa vez, enquanto caminhava pela estrada que conduzia à cidade de Naim, deparou-se com o funeral de um jovem que falecera deixando a mãe, uma pobre viúva, desamparada e sozinha. Compadecido da triste sorte que a aguardava, Jesus fez o jovem voltar à vida e o restituiu à sua progenitora em excelentes condições físicas, certamente melhores que as anteriores. Noutra ocasião, dez leprosos levantaram a voz a distância, implorando a Ele o fim de seus males. Receberam um olhar benigno do Mestre, seguido da almejada cura, mediante a qual regressaram à vida social, cheios de júbilo. Ainda maiores que estes, porém, eram os benefícios feitos às almas, pelo perdão dos pecados a todos os faltosos compungidos. Incessantes eram os milagres e incomensurável o alcance de seus favores. Por isso, o Apóstolo Pedro sintetizou tais obras afirmando que Ele “pertransivit benefaciendo — passou fazendo o bem” (At 10, 38).
Como ouvimos com frequência palavras cheias de comiseração saídas dos próprios lábios divinos, o ensinamento do Evangelho deste 20° Domingo do Tempo Comum pode causar-nos certa perplexidade por não se coadunar, à primeira vista, com o modo de proceder de Nosso Senhor consignado em outras passagens. Haveria, portanto, uma contradição no ministério de Jesus?
Ou suas palavras sobre o fogo, a divisão e o rompimento dos laços familiares contêm uma profundidade que exige uma análise mais acurada? O texto proposto pela Liturgia deste domingo oferece uma privilegiada oportunidade de compreendermos a verdadeira amplitude da perfeitíssima pregação de Cristo e os seus desdobramentos para a vida de cada um de nós.
UM NOVO FOGO É TRAZIDO  TERRA
Naquele tempo disse Jesus aos seus discípulos:  “Eu vim para lançar fogo sobre a Terra, e como gostaria que já estivesse aceso!”
Ousada é a afirmação do versículo inicial, no qual Nosso Senhor de- - ‘ clara ter assumido a Encarnação com a finalidade de propagar um fogo, sendo tão veemente o seu desejo de vê-lo arder que aguarda com ansiedade a chegada de tal momento. Deveríamos entender tal afirmação num sentido estrito? Teria Ele vindo como uma tocha chamejante, para percorrer todos os quadrantes a fim de produzir um incêndio universal? E evidente que não.
Por outro lado, sabemos que a figura do fogo aparece na Escritura com diversos significados, na maioria das vezes com uma conotação punitiva. No episódio em que uma labareda saída de junto do Senhor devorou os duzentos e cinquenta que tinham se revoltado contra Moisés, tão eficaz foi o efeito produzido que não restaram sequer indícios dos difamadores (cf. Edo 45, 22-24; Num 16, 35). Com um propósito semelhante Elias fez descer fogo do Céu sobre dois capitães, cada qual em companhia de cinquenta soldados, todos imediatamente incinerados (cf. II Re 1, 9-12). 0 Apocalipse prenuncia o fogo que deve ser lançado à Terra na conflagração final para purificá-la (cf. Ap 20, 9-10). Além disso, as menções às penas infernais sempre são acompanhadas pela imagem de um incêndio peculiar, criado por Deus para este fim, cuja energia é Ele próprio, um fogo inteligente que não se apaga.1
Ora, o contexto deste Evangelho denota que o Salvador não alude às passagens antigas já conhecidas pelo público ao qual pregava, nem se refere às chamas do inferno. Suas palavras, envoltas em ar de mistério, versam sobre um fogo novo, preconizado apenas pela pregação de São João Batista.
A humanidade necessitava de uma purificação
À multidão comprimida, ávida por saber se estava ou não diante do Messias, declarou o Precursor em tom solene: “Eu vos batizo na água, mas eis que vem outro mais poderoso do que eu, a quem não sou digno de desatar a correia das sandálias; ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo” (Le 3, 16). Era o anúncio do batismo sacramental, incomparavelmente mais profundo, eficaz e perfeito que o de penitência, e acompanhado por um fogo renovador.
De fato, antes do advento de Nosso Senhor, a humanidade estava pervadida e maculada pelos efeitos do pecado original, tendo se tornado verdadeira escrava das paixões desordenadas. Ao longo dos séculos, houve um paulatino enraizamento dessas más tendências com todas as lamentáveis consequências registradas pela História, fazendo-se indispensável uma purificação. Como operar a santificação da sociedade em tais circunstâncias? Pelas vias normais do esforço ou pela prática de uma virtude natural não se atinge tão elevado objetivo; fazia-se imprescindível um fator determinante originado por iniciativa divina, uma vez que o homem não tinha meios de vencer sua própria maldade, sendo este o magnífico remédio que o Redentor nos viera trazer.
O fogo do amor divino
Através da união da natureza humana com a divina em uma só Pessoa, e pelos méritos infinitos da Encarnação, Paixão, Morte e Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, desceu à Terra um fogo capaz de purificar o pântano no qual os homens estavam atolados: “Jesus veio do Céu à Terra para pôr fogo nas almas a fim de depurá-las, queimar suas escórias e torná-las pura prata e ouro diante de Deus: é o fogo da santidade, da caridade; é todo o sistema de santificação que Jesus trouxe ao mundo”.2 Com a Redenção, fomos elevados a um patamar espiritual inimaginável, pois foi-nos aberta a possibilidade de sermos agradáveis a Deus e partícipes de sua própria divindade. Conclamados a assumir a mesma perfeição do Pai Celeste (cf. Mt 5, 48), recebemos para isso a efusão do amor de Cristo que acrisola nosso próprio amor, torna-o meritório e fecundo, além de nos oferecer a possibilidade de vencermos o pecado, que embora ainda lance seu aguilhão já não impera mais. A medida que os homens se deixam penetrar pelo fogo da caridade, os obstáculos aos ditames da graça vão sendo transpostos, porque nada pode deter a marcha daqueles que amam. Quem se entrega por inteiro ao amor sobrenatural torna-se capaz de realizar prodígios, tal como fizeram os grandes heróis da Fé.
Santa Joana d’Arc, por exemplo, montou no cavalo, vestiu uma armadura, liderou um exército e conquistou a liberdade de sua nação. Santa Catarina de Sena, grande Doutora da Igreja, conseguiu que o Papa voltasse à Sé de Roma após mais de meio século de exilio em Avignon, e aconselhou com tanta sabedoria os poderosos de seu tempo que ninguém pôde questionar a inspiração divina de suas palavras. Para ambas não houve lei de prudência humana que significasse um impedimento. Movidas por esse fogo abrasador, devotaram-se a uma causa superexcelente, enfrentaram com determinação sobre-humana as maiores adversidades e mudaram os rumos da História.
Essas foram almas que possuíram a plenitude da caridade, para cuja representação Nosso Senhor não encontrou melhor símbolo que o fogo, pois a chama é atraente, bela, eleva seu brilho para o céu e ilumina. Ao mesmo tempo, contudo, queima, e diante desse poder de combustão não há quem cometa a temeridade de julgá-lo inócuo.
O batismo do Calvário
50 “Devo receber um batismo, e como estou ansioso até que isto se cumpra!”
Evidenciando ainda mais quanto a propagação deste fogo depende de seu próprio impulso, o Mestre revela ter necessidade de passar por um batismo, valendo-Se, para isto, da incisiva formulação “devo receber”. Já recebera Ele, nos primórdios da vida pública, o batismo de São João — do qual não precisava, mas quis ser dele partícipe para santificar as águas do universo, entre outras razões  —, o que torna claro não Se referir aqui ao batismo penitencial. Acima deste — e infinitamente mais valioso! — está o doloroso batismo de sangue operado pelos tormentos da Paixão. O autorizado parecer de Maldonado sintetiza a opinião dos exegetas a esse respeito, uma vez que Nosso Senhor deixa a afirmação envolta numa penumbra um tanto misteriosa: “Chama batismo, indubitavelmente, à sua Paixão e morte, como todos os intérpretes admitem [...]. De sorte que ser batizado, que é propriamente submergir-se nas águas, interpreta-se aqui por padecer e morrer; e batismo, por tribulação, paixão e morte”.4 Dada a suprema perfeição de Cristo, compreende-se não redundar esse batismo em um benefício para Ele, que é Deus, mas sim para a humanidade.
Qual seria a razão de estar Ele ansioso para que isto se cumprisse? O resgate do gênero humano a ser operado através dessa entrega, pois seu amor infinito pelas almas O impelia a querer purificá-las quanto antes e fazer com que esse fogo começasse a consumir as misérias humanas, transformando os homens em perfeitos filhos de Deus. Era o “desejo ardente e generoso com que, como Redentor, Jesus queria de alguma maneira antecipar sua Paixão, devido aos frutos de salvação que ela haveria de produzir para a linhagem humana” .
Tal como se verifica em todos os pormenores e ditos da vida do Salvador, um sublime ensinamento dimana desta passagem: Jesus nos mostra o quanto devemos anelar por ver logo realizado o bem que nos cabe fazer. A partir do momento em que a vontade divina a nosso respeito se torna clara, devemos ansiar por cumpri--la sem demora, empenhando nisso todos os nossos esforços, dedicação e sacrifícios, a fim de sermos instrumento da graça para a salvação do próximo. O fogo da caridade não comporta delongas, pois estas significam um esmorecimento de fervor; assim, Jesus, movendo-Se apenas por amor ao Pai e a nós, caminha ávido para o tormento, como sublinha Santo Ambrósio: “Tamanha é a condescendência do Senhor, que testemunha ter um grande desejo em seu coração, de infundir-nos a devoção, de consumar em nós a perfeição e de levar a cabo, em nosso favor, sua Paixão”.6
A dadivosidade do Coração de Jesus
A infinita dadivosidade de tal entrega nos conduz à consideração dos benefícios recebidos de Cristo: Ele quis encarnar-Se, sofrer todas as vicissitudes de uma natureza humana padecente, tais como fome, frio, sede, calor, cansaço, injúrias.., e, além de tudo, receber o batismo de sangue. Realizou o holocausto com o intuito de reparar nossas faltas e oferecer-nos a purificação de todas as manchas do pecado de nossos primeiros pais, Adão e Eva, devolvendo-nos o estado de graça e reintroduzindo-nos, assim, na familiaridade com Ele pela participação da natureza divina, concedendo-nos o privilégio de sermos filhos do Pai por adoção: seus irmãos e coerdeiros, para gozarmos a eternidade junto a Ele. Desse modo entrevemos, ainda que de forma muito imperfeita, as dimensões extraordinárias do Sagrado Coração de Jesus, coração humano unido hipostaticamente a Deus, no qual há inteira conformidade entre o amor que parte da humanidade e o que se origina na divindade. São dois amores coexistentes num mesmo Coração, tornando-se, por isso, incompreensíveis, inatingíveis e inabarcáveis por nosso limitado intelecto.
Depois do ápice de doação desse Coração consumada no Calvário, compreende-se que o desenrolar da História não mais poderia ser como antes.
UMA NOVA ERA PARA A HUMANIDADE
Após ter sintetizado em dois extraordinários versículos o transbordamento de amor com o qual trouxe a salvação à humanidade, Nosso Senhor acentua, nos seguintes, as consequências da adesão à sua Pessoa e doutrina. Com efeito, desde o primeiro pecado cometido por Adão e Eva até a Encarnação, existia uma força predominante na face da Terra que podemos designar como sendo o poio do mal. Embora vigorasse a promessa divina, assegurando a Redenção, e a solicitude do Criador se exercesse de modo constante em favor dos judeus, é patente que entre os demais povos da Antiguidade existia um só consenso humano pelo qual o mal reinava em todos os ambientes, não havendo meios de os bons realizarem obras relevantes para destruírem o império do demônio. Com base naquela pseudo-harmonia produzida pelo pecado — uma unidade enganosamente perfeita —, os poderes infernais estabeleceram a coesão do mal. Era, por assim dizer, proibido ser bom, e todos os homens, com raríssimas exceções, adaptavam-se à mentalidade dominante. Até os que praticavam o bem o faziam quase sempre na surdina, sem se tornarem conhecidos, sob pena de suas boas ações serem aniquiladas com ímpeto avassalador, caso elas adquirissem vulto significativo.
Ora, a vinda de Cristo ateou o fogo do amor divino sobre a Terra e inaugurou o polo do bem, com extraordinária força de expansão. Como observa o padre Manuel de Tuya: “Esse fogo que Ele propaga na Terra exigirá que se tome partido por Ele. Incendiará muitos, e por isso Ele traz a ‘divisão’, não como um objetivo, mas como uma consequência”.7 Uma radical separação torna-se inevitável, pois quem adere ao bem restringe a ação de quem opta pelo mal e impede o seu progresso, abrindo-se, desse modo, um abismo que os distancia.

Continua no próximo post
1) A esse respeito, diz Garrigou-Lagrange: “São Tomás (C. Gentes, IV, c.90; lila; Suppi., q.70, a.3) e seus melhores comentadores admitem que o fogo do inferno recebe de Deus virtude de atormentar os renegados” (GARRIGOU-LAGRANGE, OP, Réginald. O homem e a eternidade. Lisboa: Aster, 1959, p.153). Ver também SAO TOMAS DE AQUINO. Suma Teológica. Suppi., q.97, a.5, ad 3; a.6, ad 2.
2) GOMA Y TOMÁS, Isidro. El Evangelio explicado. Años primero y segundo de la vida pública de Jesús. Barcelona: Acervo, 1967, v.11, p.195.
3) Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., III, q.39, a.1.
4) MALDONADO, SJ, Juan de. Comentarios a los Cuatro Evangelios. Evangelios de San Marcos y San Lucas. Madrid: BAC, 1956, v.11, p.609.
5) FILLION, Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. Vida pública. Madrid: Rialp, 2000, v.11, p.385.
6) SANTO AMBROSIO. Tratado sobre el Evangelio de San Lucas. L.VII, n.133. In: Obras. Madrid: BAC, 1966, v.1, p.411
7) TUYA, OP, Manuel de. Biblia Comentada. Evangelios. Madrid: BAC, 1964, v.V p.855.

8) Cf. SANTO AGOSTINHO. De Civitate Dei. LXIX, c.13, n.1. In: Obras. Madrid: BAC, 1958, v.XVI-XVII, p.1398.

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