Clique aqui para ler os comentários ao Evangelho XXI Domingo do Tempo Comum
Continuação dos comentários ao Evangelho - Lc 12, 49-53 - 20º Domingo Tempo Comum - Ano C - 2013
Continuação dos comentários ao Evangelho - Lc 12, 49-53 - 20º Domingo Tempo Comum - Ano C - 2013
Jesus Se opõe à tranquilidade da desordem
51“Vós pensais que eu vim trazer a paz sobre a Terra?
Pelo contrário, eu vos digo, vim trazer divisão”.
Estamos diante de uma das
afirmações mais incisivas proferidas pelo Mestre em todo o Evangelho: “não vim
trazer a paz”. Como é que, o “príncipe da paz” profetizado por Isaías (9,5),
Ele, que ao invocar a presença do Espírito Santo dirá: “A paz esteja convosco”
(Jo 20, 19), prega não ter vindo trazê-la? Eis um versículo que causa
perplexidade nos espíritos cartesianos. A explicação, porém, é simples e
profunda: sua paz não coincide com a que é entendida a partir de conceitos
deturpados: “não vo-la dou como o mundo a dá” (Jo 14, 27). A autêntica paz é a
tranquilidade da ordem, nos ensina Santo Agostinho.8 A paz rejeitada por Nosso
Senhor é a que se estabelece quando as almas estão unidas no pecado, pela
cumplicidade que leva os perversos a se protegerem entre si e a viverem em
aparente concórdia, numa falsa harmonia fundamentada no mal. Por vezes pode
haver dissensões, originadas sempre em interesses pessoais e egoístas, enquanto
no campo dos princípios mantêm-se de pleno acordo.
Um adúltero, por exemplo,
protege o cúmplice para fruir de seu relacionamento ilícito; os membros de uma
quadrilha de salteadores apoiam-se no momento de roubar, para se apropriarem
mais facilmente do bem alheio. A aparente paz reinante entre eles é na verdade
a conivência no mal, porque o princípio de união que os congrega é o pecado;
estão mancomunados numa acomodação de desordem na qual não há a verdadeira paz,
por não haver conformidade com a ordem. Poderíamos comparar tal situação ao
paradeiro de um infecto pântano onde se encontra todo tipo de germe de doença.
Embora as águas sejam calmas, não estão em ordem, porque reina a podridão,
proliferam os micróbios maléficos. A origem desse mútuo apoio está no fato de
ser o homem dotado de vigoroso instinto de sociabilidade e, por isso, encontrar
dificuldade em praticar o mal sozinho, contrariando sua própria consciência. A
fim de romper a Lei de Deus, procura sempre uma companhia que o ajude a
amortecer suas à rejeição daqueles que O amam pelos parentes mais próximos, quando
estes se fecham ao convite da graça.
Não se trata, é claro, de uma
regra absoluta, pois, caso todos estejam no caminho da santidade, a família
experimenta a verdadeira paz. Não obstante, se a chama do amor divino não penetra
o conjunto, deixa de existir o principal fator de coesão, conforme ressalta o
ensinamento de Santo Ambrósio: “Se é preciso dar a honra correspondente aos
pais, quanto mais ao Criador dos pais, a quem tu deves dar graças por teus
próprios pais! E se eles não O reconhecem de modo absoluto como a seu Pai, como
podes tu reconhecê-los? Na realidade, Ele não diz que se deva renunciar a tudo
o que nos é caro, porém, que se deve dar a Deus o primeiro lugar. [...] Não te
é proibido amar teus pais, mas sim antepô-los a Deus; porque as coisas boas da
natureza são dons do Senhor”.’°
Como os que vivem em pecado têm
graves problemas de consciência, insatisfação e insegurança, desejam perverter
ou destruir quem denuncia sua iniquidade. Esse ímpeto maléfico não respeita nem
sequer os laços da natureza, de si tão elevados e abençoados por Deus, como
vemos no martírio de Santa Bárbara ou na perseguição sofrida por São Francisco
de Assis, além do testemunho de incontáveis outros bem-aventurados. Neles cumpriu-se
à risca a predição feita neste versículo, pois foram perseguidos pelos próprios
pais.
É esse fogo da caridade que
Nosso Senhor veio trazer à Terra que desperta a inimizade dos adeptos da
pseudopaz, produz um combate interno na vida familiar e gera uma situação na qual
a virtude da fortaleza deve ser praticada, tornando inaceitável a união
propagada pelos que desprezam a Deus. Não cabe dúvida de que, em certas ocasiões,
devemos praticar a prudência e lançar mão de todos os meios para obter de Deus
a salvação eterna de nossos parentes, mas tudo isso sem abandonar a firmeza de
nossas convicções cristãs, as quais valem mais que qual quer vínculo terreno.
ACENDEI NOVAMENTE O FOGO DO VOSSO AMOR!
Passados dois milênios desta
arrebatadora pregação do Salvador, a Liturgia de hoje vem repetir a conclamação
feita por Ele, dessa vez voltada a cada um de nós. Com a mesma caridade
empregada ao dirigir-Se a seus discípulos, Jesus nos convida a nos deixarmos
consumir como uma chama de louvor e adoração a Ele, recebendo o fogo sagrado
que viera trazer ao mundo. Abramos nossas almas para essa combustão renovadora
que queima os egoísmos, sana os problemas, eleva as mentes ao desejo das coisas
celestes e transpõe as barreiras da falta de confiança, de fé e de ânimo. Basta
uma leve correspondência de nossa parte a esse amor para que maravilhas se operem,
o poder das trevas seja vencido e se consolide o polo do bem. E quando o vento
contrário da divisão se abater sobre nós, tenhamos presente que Jesus já o
anunciara e não nos negará as forças para a vitória, pois os maus não podem
triunfar sobre o fogo da integridade, da inocência, da radicalidade no bem; numa
palavra, da santidade.
Com quanto pesar constatamos
que a humanidade de nossos dias está precipitada num insondável abismo de
pecado e, mais do que nunca, necessita de uma purificação. A gravidade das
ofensas cometidas contra Deus e os riscos de salvação eterna pelos quais passam
as almas indicam a indiferença de muitos face à mensagem salvífica do
Evangelho. Nessa conjuntura cabe-nos fazer uma pergunta, e com ela um exame de
consciência: em que medida temos colaborado na reversão desse quadro? Qual tem
sido nossa generosidade à vista de tal situação, cuja única solução se encontra
numa total entrega de nossa vida a Cristo, para a qual devemos caminhar com
santa sofreguidão?
Um exemplo extraordinário de
amor desapegado e cheio de fervor é-nos oferecido por Nossa Senhora. Ela estava
consumida pela caridade, preocupando-Se com a situação do mundo, com o resgate
das almas que se perdiam, desejando cooperar na conversão da humanidade. Ao Se
considerar nada, ardia de zelo e foi, por esta razão, visitada pelo Arcanjo São
Gabriel, que Lhe trouxe o prêmio por seu fogo de amor: a Encarnação da Segunda
Pessoa da Santíssima Trindade em seu seio.
Conforme comenta o Prof. Plinio
Corrêa de Oliveira, “a principal alegria de Nosso Senhor durante a vida terrena
estava numa lâmpada acesa na casa de Nazaré: o Coração Sapiencial e Imaculado
de Maria, cujo amor excedia o de todos os homens que houve, há e haverá até o
fim do mundo”.11 Peçamos à Virgem Santíssima que Se digne transmitir-nos uma
centelha da caridade ardente de seu Coração, a fim de que seu Divino Filho Se utilize
de nós como fiéis instrumentos na propagação desse fogo purificador por toda a
face da Terra.
11) CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio.
Conferência. São Paulo, 7 abr. 1984.
Nenhum comentário:
Postar um comentário