Comentários
ao Evangelho 21º Domingo do Tempo Comum - Lc 13, 22-30– Ano C - 2013
22 Ia pelas cidades e
aldeias ensinando, e caminhando para Jerusalém. 23 Alguém Lhe perguntou:
Senhor, são poucos os que se salvam? Ele respondeu-lhe: 24 ‘Esforçai-vos por
entrar pela porta estreita, porque vos digo que muitos procurarão entrar e não
conseguirão. 25 Quando o pai de família tiver entrado e fechado a porta, vós,
estando fora, começareis a bater à porta, dizendo: Senhor, abre-nos. Ele vos
responderá: Não sei donde sois. 26 Então começareis a dizer: Comemos e bebemos
em tua presença, tu ensinaste nas nossas praças. 27 Ele vos dirá: Não sei donde
sois; “afastai-vos de mim vós todos os que praticais a iniquidade”. 28 Ali
haverá choro e ranger de dentes, quando virdes Abraão, Isaac, Jacob, e todos os
profetas do Reino de Deus, e vós serdes expulsos para fora. 29 Virão muitos do
Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul, e se sentarão à mesa do Reino de
Deus. 30 Então haverá últimos que serão os primeiros, e primeiros que serão os
últimos. (Lc 13, 22-30).
A viagem
definitiva
Ao se apresentar diante de nós uma possível viagem, nossas
atenções começam a dividir-se entre o presente e o futuro, entre o ambiente
atual com suas ocupações e o lugar para onde rumaremos. Se nossa ausência for
de longa duração, e ainda mais se nosso destino se localizar num país bem
distante, entraremos num certo estado de tensão que poderá ser maior ou menor,
em função do temperamento e mentalidade de cada um, mas a indiferença total
raramente acontecerá.
Passaporte, roupas, objetos, remédios, etc., constituirão um
pensamento mais ou menos constante em meio às nossas atividades normais do
dia-a-dia, antes de partir. O idioma, os costumes, o clima, a alimentação,
etc., excitarão nossa curiosidade, alimentando o sonho de uma experiência nova,
meio mitificada quanto às possíveis felicidades. Do amanhecer ao apagar das
luzes, nossa imaginação percorrerá as ruas, praças e monumentos daquela cidade
onde iremos morar durante um certo tempo. As providências concretas, por menos
metódico que se seja, terão prioridade em nossas responsabilidades e afazeres e
a tal ponto que provavelmente teremos iniciado nossa viagem muito antes de
subir no avião.
No entardecer desta vida, empreenderemos a mais importante e
definitiva mudança de nossa existência rumo à... eternidade. Mas será diferente
de todas as outras, pois não poderemos levar absolutamente nada de nossos
pertences e nem sequer será preciso passaporte. Ela não terá volta atrás e
deverá se realizar a sós, sem acompanhantes. A partida é inadiável, desde todo
o sempre foi fixada por Deus, e não terá atraso. A chegada tanto poderá dar-se
no Inferno, quanto no Céu, e para este último local ainda é possível que haja
uma passada pelo Purgatório.
Porém, essa é a viagem por quase todos relegada ao
esquecimento. Carreira, dinheiro, prazeres, saúde — em síntese, o mundanismo —
é a obsessão que transtorna as mentes desde a saída de Adão do Paraíso,
prolongando pelos séculos e milênios os ecos do episódio havido entre Marta e
Maria: “Marta, porém, afadigava-se muito na contínua lida da casa. Parou então
e disse: ‘Senhor, não Te importas que a minha irmã me tenha deixado sozinha com
o serviço da casa? Diz-lhe, pois, que me ajude’. O Senhor respondeu-lhe:
‘Marta, Marta, tu afadigas-te e andas inquieta com muitas coisas, quando uma só
coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada.’ ”
(Lc 10, 40-42). De fato, só uma coisa é necessária: a salvação eterna. “Pois,
que aproveitará a um homem ganhar todo o mundo, se vier a perder a sua alma?”
(Mt 16, 26).
O Evangelho de hoje nos convidará a considerar de perto essa
passagem para a eternidade.
22 Ia pelas cidades e
aldeias ensinando, e caminhando para Jerusalém.
Jesus quer salvar a todos. E estando a caminho de sua última
visita a Jerusalém, não deixava de entrar nas cidades e aldeias a fim de
ensinar a cada um. Exemplo para nós: em nosso apostolado, jamais devemos fazer
acepção de pessoas ou de lugares, a boa nova é destinada a um âmbito universal.
23 Alguém Lhe perguntou:
Senhor, são poucos os que se salvam?
Era evidente tratar-se de uma pergunta feita por um judeu,
apesar de estar naqueles tempos generalizada entre o povo a ideia de que todos
os filhos de Abraão se salvavam, sem exceção, pelo simples fato de serem tais. Para
entender-se melhor o porquê da curiosidade nessa matéria, deve-se notar que, de
quando em vez, apareciam afirmações em escritos apócrifos, inflando o número
dos que se perdem em relação aos poucos que se salvam. Daí o desejo desse
hebreu que acompanhava o Mestre pelo caminho, de obter uma resposta exata,
conforme comenta um conceituado exegeta: “É frequente esta preocupação nos
rabinos. Pensava-se na salvação eterna, sobretudo na dos israelitas porque os
demais haviam merecido sua perdição e quase se alegravam dela” (1).
Aliás, essa é uma questão que passou a ser muito discutida na
própria era cristã, debaixo dos mais variados prismas. Por exemplo, em inícios
do séc. VI, espalhou-se por certos ambientes da Europa uma heresia sobre a
salvação final dos Anjos e homens em sua totalidade, terminando, assim, as
penas eternas do inferno. Essa doutrina foi condenada pelo Papa Vigílio, no ano
de 543: “Se alguém diz ou sente que o castigo dos demónios ou dos homens ímpios
é temporal e que em algum momento terá fim, ou que se dará a reintegração dos demónios
ou dos homens ímpios, seja anátema” (2).
Um dos mais delicados estudos talvez seja o teológico, quando
as hipóteses levantadas não encontram uma claríssima formulação na doutrina
revelada. Esse é justamente o caso em questão, e bem definido pelo famoso e lúcido
Pe. Antonio Royo Marin, O.P.:
“Eis aqui um dos problemas mais angustiantes e difíceis que
podem oferecer ao teólogo. A pergunta é uma das que, com maior frequência e
apaixonado interesse, formula a maioria das pessoas. E, sem embargo, não há outra
em toda a Teologia católica que possa responder-se com menos segurança e
certeza. A divina Revelação está muito obscura; a Tradição cristã está muito
dividida, e a Igreja nada definiu a este propósito. Não podemos mover-nos, por
conseguinte, senão no terreno das meras conjecturas e probabilidades.
“Daí a grande diversidade de opiniões, sobretudo entre os
pregadores e teólogos. Desde o extremo rigorismo de um Massillon – cujo
terrível sermão sobre ‘o pequeno número dos que se salvam’, atormentou tantos espíritos
– até o otimismo exagerado e imprudente de tantos outros que salvam quase todo
o mundo, há uma grande variedade de opiniões intermediárias” (3).
E com sua concisão sempre clara e luzidia, São Tomás assim se
expressa sobre a matéria:
“A respeito de qual seja o número dos homens predestinados,
dizem uns que se salvarão tantos quantos foram os anjos que caíram; outros, que
tantos como os anjos que perseveraram; outros, enfim, que se salvarão tantos
homens quantos anjos caíram e, ademais, tantos quantos sejam os anjos criados.
Mas, melhor é dizer que só Deus conhece o número dos eleitos que hão de ser
colocados na felicidade suprema” (4).
24 Ele respondeu-lhe:
Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, porque vos digo que muitos
procurarão entrar e não conseguirão.
É imperativo o conselho de Jesus: “esforçai-vos”, indicando-
nos o quanto não se deve deixar para “procurar” entrar à última hora. Mas,
infelizmente, é assustador o número de pessoas que, ao longo da vida, se
despreocupam de saber o que lhes acontecerá após a morte. Muitos estão
dispostos a trocar o Céu pelo fugaz prazer de um segundo e agem tal qual o fez
Judas Iscariotes face às enganosas delícias deste mundo: “Que quereis dar-me e
eu vo-lo entregarei” (Mt 26, 15). Não são poucos os que preferem Barrabás a
Jesus, entregando-se às paixões e pecados em detrimento do convívio sem fim,
com Deus. São Basílio descreve o modo pelo qual eles fazem essa insensata
opção:
“Com efeito, a alma vacila sempre: quando reflete sobre a
eternidade se decide pela virtude. Mas, quando olha o presente, prefere os
prazeres da vida. Aqui vê a moleza e os deleites da carne; lá, a sujeição, a
servidão e o cativeiro da mesma. Aqui a embriaguez, ali a sobriedade. Aqui os
risos dissolutos, lá a abundância de lágrimas. Aqui as danças, lá a oração.
Aqui o canto, lá o pranto. Aqui a luxúria, lá a castidade”.
Mas, qual é essa porta estreita? Jesus no-la indica: “Nem
todos os que dizem Senhor, Senhor, entrarão no Reino dos Céus, senão aquele que
faz a vontade de meu Pai” (Mt 7, 21).
Ela consiste, portanto, na obrigação nossa de abater o
orgulho, controlar nosso olhar, pensamentos e desejos, guardar nosso coração
das afeições desordenadas, viver da fé e da esperança na prática da verdadeira
caridade, etc.
25Quando o pai de
família tiver entrado e fechado a porta, vós, estando fora, começareis a bater
à porta, dizendo: Senhor, abre-nos. Ele responderá: Não sei donde sois.
Os Evangelistas costumam relatar as aproximações que o Divino
Mestre fazia entre o Reino dos Céus e um banquete... Segundo as praxes da época,
por medidas de segurança, além de outras razões, ao chegar o último convidado,
o anfitrião trancava as portas. E assim, para tornar ainda mais clara a
alegoria da porta estreita para se entrar no Céu, Jesus apresenta a parábola do
pai de família que se fecha em casa com os seus filhos e amigos. Os que
restaram fora pedirão que lhes deixe entrar, e receberão a resposta: “Não sei
donde sois”. A razão dessa resposta não vinha do fato de não haver mais lugar,
mas sim, por não terem querido entrar pela porta estreita.
Que surpresa para aqueles que julgavam estar salvos devido à
prática de umas tantas e poucas obrigações religiosas...
A cena descrita nesta passagem traduz em termos domésticos
uma profunda realidade eterna. A família aqui representada é a divina. A ela
pertencem todos os batizados que vivem na graça de Deus e, nesta morrendo,
gozarão da felicidade perpétua participativa do convívio da Santíssima
Trindade. De fora daquela intimidade ficarão todos os que morrerem impenitentes
de seus pecados. O Pai os tratará como estranhos desconhecidos.
Continua ...
Continua ...
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