Comentário ao Evangelho VIII
Domingo do Tempo Comum - Ano A - 2014
Evangelho ( Mt 6, 24-34)
“Ninguém pode servir a dois
senhores: Porque, ou há de odiar um e amar o outro, ou há de afeiçoar-se a um e
desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas.
Portanto vos digo: Não vos
preocupeis, nem com a vossa vida, acerca do que haveis de comer, nem com o
vosso corpo, acerca do que haveis de vestir. Porventura não vale mais a vida
que o alimento, e o corpo mais que o vestuário? Olhai para as aves do céu que
não semeiam, nem ceifam, nem fazem provisões nos celeiros, e, contudo, vosso
Pai celeste as sustenta. Porventura não valeis vós muito mais do que elas? Qual
de vós, por mais que se afadigue, pode acrescentar um só côvado à duração de
sua vida?
E por que vos inquietais com o
vestido? Considerai como crescem os lírios do campo — e não trabalham nem fiam!
Eu digo-vos, todavia, que nem Salomão, em toda sua glória, se vestiu como um
deles. Se, pois, Deus veste assim a uma erva do campo, que hoje existe e amanhã
é lançada no forno, quanto mais a vós, homens de pouca Fé? Não vos aflijais,
pois, dizendo: Que comeremos? Que beberemos? Com que nos vestiremos? Os gentios
é que procuram com excessivo cuidado todas estas coisas. Vosso Pai sabe que
tendes necessidade delas. Buscai, pois, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a
Sua justiça, e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo. Não vos
preocupeis, pois, com o dia de amanhã; o dia de amanhã terá as suas
preocupações próprias. A cada dia basta o seu mal” (Mt 6, 24-34).
Pobres sempre tereis entre vós”
(Jo 12, 8), respondeu Jesus a Judas que, perplexo diante de um grande gasto de
Maria Madalena, para ungir os adoráveis pés do Salvador, perguntara: “Por que
não se vendeu esse bálsamo por trezentos denários e não se deu o dinheiro aos
pobres?” (Jo 12, 5).
Essa é a grande ansiedade que
pervade as almas de povos e nações dos últimos tempos, ou seja, a frenética
busca dos bens materiais. Ora, segundo os Doutores, tanto mais se dividem os
homens, quanto mais se apegam a esses bens. Pelo contrário, tanto mais união,
benquerença e paz há entre eles, quanto mais se entregam aos bens espirituais.
São Tomás de Aquino se serve várias vezes desse elevado pensamento de Santo
Agostinho: “Bona spiritualia possunt simul a pluribus (integraliter) possideri,
non autem bona corporalia” 1.
Assim, quanto maior for o
número dos que possuem os mesmos bens do espírito, tanto melhor será. Ademais,
obtém-se grande progresso no conhecimento da verdade, na medida em que se
procure ensiná-la e se deseje aprendê-la nos outros.
Eis a liturgia de hoje a nos
indicar uma profunda solução para as crises atuais: a da desgastada questão
social e a da ameaçada economia mundial.
Introdução
Quem nasceu numa gruta, teve
uma manjedoura por berço e em sua vida pública não encontrou onde repousar a
cabeça, tem absoluta autoridade para discorrer sobre o desprendimento. A
experiência humana, ao longo dos milênios, comprova que não devemos amar as
criaturas por elas mesmas. Se for conveniente ou até necessário amá-las, é em
função do amor a Deus que devemos fazê-lo.
“É
claro que o coração humano tanto mais intensamente se entrega a uma coisa
quanto mais se aparta de muitas outras” 2. Seguindo essa via, alguns
santos alcançaram um alto grau de virtude, sobretudo ao abraçarem o exagero.
São Francisco de Assis chega a fazer um conúbio místico com a pobreza, e Santo
Inácio de Loyola, ao partir para Jerusalém, depois de sua contemplação em
Manresa, deixa na praia de Barcelona tudo quanto lhe haviam dado; leva consigo
três companheiras: a Fé, a Esperança e a Caridade.
A outros, porém, São Paulo
recomenda serem previdentes: “Se alguém não quer trabalhar, também não coma” (2
Te 3, 10). Até onde deve ir a preocupação com nossa subsistência e qual a
atitude de alma, equilibrada e santa, face aos bens deste mundo, como, também,
a plena confiança em Deus, são os temas tratados pela Liturgia deste VIII
Domingo do Tempo Comum.
Dois Senhores que não admitem rivais
“Ninguém pode servir a dois senhores: Porque, ou há de odiar um e amar o
outro, ou há de afeiçoar-se a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus
e às riquezas”.
O presente Evangelho faz parte
do famoso Sermão da Montanha, do qual São Mateus transcreve as partes essenciais.
Nele transparece a forte advertência do Divino Mestre contra o desvario dos que
se afanam pelos tesouros deste mundo e acabam por se perder em meio às
aflitivas preocupações da vida presente.
O apego às riquezas constitui uma real escravidão
Neste versículo, é muito sutil
e preciso o emprego do verbo servir, e não qualquer outro, pois o problema central
não está em ter bens materiais, mas sim no valor que a eles se tributa e,
sobretudo, no afeto que se lhes tenha. Em sua substância, encontramos aqui um
desdobramento do Decálogo, em particular do Primeiro Mandamento, tal como o
próprio Deus o declarou através de Seus profetas: “Não terás outros deuses
diante de Mim. Não farás para ti imagem alguma, nem escultura [...]. Não
adorarás tais coisas, nem as servirás; Eu sou o Senhor, o teu Deus” (Ex 20,
3-5) 3.
O apego às riquezas constitui,
a partir de certo grau, uma real escravidão e “ninguém pode servir a dois
senhores quando mandam coisas contrárias, nem mesmo quando ordenam coisas
diferentes, porque a própria natureza impede que o amor do servo se reparta
para dois senhores diversos” 4.
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