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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Comentário ao Evangelho VIII Domingo do Tempo Comum - Ano A - 2014 - Mt 6, 24-34

Continuação dos comentários ao Evangelho VIII Domingo do Tempo Comum - Ano A - 2014
Saibamos hierarquizar as nossas preocupações
“Portanto vos digo: Não vos preocupeis, nem com a vossa vida, acerca do que haveis de comer, nem com o vosso corpo, acerca do que haveis de vestir. Porventura não vale mais a vida que o alimento, e o corpo mais que o vestuário? Olhai para as aves do céu que não semeiam, nem ceifam, nem fazem provisões nos celeiros, e, contudo, vosso Pai celeste as sustenta. Porventura não valeis vós muito mais do que elas?”.
A natureza puramente animal, assim como a vegetal, com seus instintos respectivos, normais e ordenados, e não possuindo uma alma imortal, não buscam a felicidade infinita. Ademais, as aves não armazenam alimentos em celeiros e os lírios não tecem nem fiam, pois lhes falta a racionalidade para terem essas preocupações.
Ora, o homem — mais do que as plantas buscam o sol, e os animais o alimento —, possui uma alma que, num verdadeiro “teotropismo”, vive à procura do infinito. “Buscar-Vos, ó meu Deus” — clama Santo Agostinho — “é buscar minha felicidade e bem-aventurança: devo buscar-Vos para que minha alma viva, porque sois Vós a vida de minha alma, assim como ela é que dá vida a meu corpo” 7.
O coração do homem só está em paz quando encontra Deus. Essa “felicidade e bem-aventurança” não estão no afã das riquezas, pois, ao desejá-las fora do amor a Deus, pobres ou ricos entregar-se-ão às ânsias voluptuosas de querer sempre mais.
Deve-se procurar os bens materiais, mas sem inquietação
Evidentemente, não exclui o Divino Mestre nossa obrigação em relação ao trabalho. Sobre este particular há numerosos comentários de santos doutores, demonstrando ser o trabalho um excelente meio de santificação. Jesus tem diante de Si todos aqueles que colocam como último limite de seus horizontes os bens materiais, e na obtenção destes aplicam sofregamente toda a sua preocupação. Essa atitude carrega consigo uma boa parcela de culpabilidade, além de ser autodestrutiva. Antes de tudo, por ofender de certa forma a Deus, ao manifestar-Lhe desconfiança de Sua bondade. E ademais, perde o apoio divino ao colocar toda a sua segurança em esforços e planejamentos pessoais. Em síntese, torna-se patente o quanto o homem não pode descuidar dos bens eternos, pelo fato de ir atrás do indispensável à vida.
Deve-se buscar os bens materiais, mas sem inquietação, pois esta implicaria em negar a infinita generosidade de Deus.
Uma fundamental lição sobre como devemos hierarquizar nossas preocupações
Por essa razão, comenta Maldonado: “Quem, a não ser Deus, nos deu a alma e o corpo? Assim, quer Pedro que ponhamos nEle nossa solicitude, certos de que Ele cuidará de nós” (cf. 1 Pd 5, 7)” 8. Claro está que Deus não poderia nos dar o corpo e a vida com o intuito de nos lançar na fome e na miséria. Sua infinita e sábia providência impõe que Ele nos proporcione as condições para sustentar nossa natureza física como também — e principalmente — nossa vida sobrenatural. Assim, Deus que, às vezes, permite nos advenham cruzes e sofrimentos ao longo de nossa existência, derrama graças e forças para tudo suportarmos com vantagem para nós.
O Divino Mestre nos dá uma fundamental lição sobre a devida hierarquização de nossas preocupações. Sendo o homem composto de corpo e alma, e por ser esta mais valiosa, merece maior atenção e cuidado. Portanto, se necessário for desprezar ou abandonar outros interesses em benefício da salvação da própria alma, assim se deve proceder, pois Deus nos dará o secundário.
Insere-se nestes versículos a vocação apostólica e missionária, como por exemplo a de um Beato Anchieta, que abandona familiares, pátria e bens, e ruma para terras desconhecidas com o objetivo de converter e santificar incontáveis indígenas, no Brasil. Os que abraçam essa via recebem o cêntuplo nesta terra e o prêmio da vida eterna (cf. Mt 19, 29).
Se nosso Pai cuida de criaturas inferiores, quanto mais não cuidará de nós?
Quando conseguimos um hiato de calma dentro da febricitada correria dos dias atuais para observar a natureza viva — desde a tenacidade das formigas em busca de alimento, até a agilidade de um colibri, sugando com elegância o conteúdo quase místico de uma flor — num ato contínuo louvamos a Deus, por constatar essa maravilhosa disposição da Divina Providência de oferecer a insetos e animais o necessário para o seu sustento. “Todos esses seres esperam de Vós que lhes deis de comer em seu tempo. Vós lhes dais e eles o recolhem; abris a mão, e se fartam de bens” (Sl 103, 27-28).
Ora, o homem é, não só, superior a todas as criaturas terrenas, mas até mesmo seu rei (cf. Gen 1, 28). Sendo assim, é preciso que esse rei supere o exemplo desses súditos seus que com tanta abnegação praticam a pobreza evangélica: as aves do céu. Despojadas de tudo, dependem exclusivamente da benevolência divina. Ademais, como bem comenta Maldonado: “As aves andam no mais alto do ar, estão mais distantes de sua comida e, no entanto, Deus as alimenta”. Jesus usou o exemplo das aves “porque os animais terrestres gastam mais tempo em procurar o alimento e escondê-lo com sua habilidade” 9.
É, de certa forma, curioso referir-se o Divino Mestre às aves “do céu” e não às domésticas, pois estas são alimentadas pelos homens e as outras pelo “vosso Pai celeste”. Ou seja, se nosso Pai cuida de criaturas tão inferiores que não têm nenhum grau de filiação em relação a Ele, quanto mais não cuidará de nós, irmãos de Seu “Filho muito amado” (Mt 3, 17)!
São Lucas nos diz: “Considerai os corvos: não semeiam, nem ceifam, não têm despensa, nem celeiro, e, contudo, Deus os sustenta. Quanto mais valeis vós do que eles?” (Lc 12, 24).

Sobre essa passagem, comenta Santo Ambrósio: “Os corvos, que não trabalham, têm o necessário para seu uso, e o têm em abundância, porque não sabem reduzir a seu domínio particular os frutos que foram dados em comum para todo mundo comer. Nós, porém, perdemos o comum porque nos esforçamos em apropriá-lo; e o perdemos porque não conseguimos fazê-lo nosso, já que não durará perpetuamente, nem conseguimos ter uma abundância certa onde o futuro é sempre incerto. Por que, pois, crês que tuas riquezas são tuas, sendo que Deus quis que tua comida fosse comum com todos os outros que vivem?” 10.
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