Continuação dos comentários ao Evangelho VIII Domingo do Tempo Comum - Ano A - 2014
Saibamos hierarquizar as nossas preocupações
“Portanto vos digo: Não vos preocupeis, nem com a vossa vida, acerca do
que haveis de comer, nem com o vosso corpo, acerca do que haveis de vestir.
Porventura não vale mais a vida que o alimento, e o corpo mais que o vestuário?
Olhai para as aves do céu que não semeiam, nem ceifam, nem fazem provisões nos
celeiros, e, contudo, vosso Pai celeste as sustenta. Porventura não valeis vós
muito mais do que elas?”.
A natureza puramente animal,
assim como a vegetal, com seus instintos respectivos, normais e ordenados, e
não possuindo uma alma imortal, não buscam a felicidade infinita. Ademais, as
aves não armazenam alimentos em celeiros e os lírios não tecem nem fiam, pois
lhes falta a racionalidade para terem essas preocupações.
Ora, o homem — mais do que as
plantas buscam o sol, e os animais o alimento —, possui uma alma que, num
verdadeiro “teotropismo”, vive à procura do infinito. “Buscar-Vos, ó meu Deus”
— clama Santo Agostinho — “é buscar minha felicidade e bem-aventurança: devo
buscar-Vos para que minha alma viva, porque sois Vós a vida de minha alma,
assim como ela é que dá vida a meu corpo” 7.
O coração do homem só está em
paz quando encontra Deus. Essa “felicidade e bem-aventurança” não estão no afã
das riquezas, pois, ao desejá-las fora do amor a Deus, pobres ou ricos
entregar-se-ão às ânsias voluptuosas de querer sempre mais.
Deve-se procurar os bens materiais, mas sem inquietação
Evidentemente, não exclui o
Divino Mestre nossa obrigação em relação ao trabalho. Sobre este particular há
numerosos comentários de santos doutores, demonstrando ser o trabalho um
excelente meio de santificação. Jesus tem diante de Si todos aqueles que
colocam como último limite de seus horizontes os bens materiais, e na obtenção
destes aplicam sofregamente toda a sua preocupação. Essa atitude carrega
consigo uma boa parcela de culpabilidade, além de ser autodestrutiva. Antes de
tudo, por ofender de certa forma a Deus, ao manifestar-Lhe desconfiança de Sua
bondade. E ademais, perde o apoio divino ao colocar toda a sua segurança em
esforços e planejamentos pessoais. Em síntese, torna-se patente o quanto o
homem não pode descuidar dos bens eternos, pelo fato de ir atrás do
indispensável à vida.
Deve-se buscar os bens
materiais, mas sem inquietação, pois esta implicaria em negar a infinita
generosidade de Deus.
Uma fundamental lição sobre como devemos hierarquizar nossas
preocupações
Por essa razão, comenta
Maldonado: “Quem, a não ser Deus, nos deu a alma e o corpo? Assim, quer Pedro
que ponhamos nEle nossa solicitude, certos de que Ele cuidará de nós” (cf. 1 Pd
5, 7)” 8. Claro está que Deus não poderia nos dar o corpo e a vida com o intuito
de nos lançar na fome e na miséria. Sua infinita e sábia providência impõe que
Ele nos proporcione as condições para sustentar nossa natureza física como
também — e principalmente — nossa vida sobrenatural. Assim, Deus que, às vezes,
permite nos advenham cruzes e sofrimentos ao longo de nossa existência, derrama
graças e forças para tudo suportarmos com vantagem para nós.
O Divino Mestre nos dá uma
fundamental lição sobre a devida hierarquização de nossas preocupações. Sendo o
homem composto de corpo e alma, e por ser esta mais valiosa, merece maior
atenção e cuidado. Portanto, se necessário for desprezar ou abandonar outros interesses
em benefício da salvação da própria alma, assim se deve proceder, pois Deus nos
dará o secundário.
Insere-se nestes versículos a
vocação apostólica e missionária, como por exemplo a de um Beato Anchieta, que
abandona familiares, pátria e bens, e ruma para terras desconhecidas com o
objetivo de converter e santificar incontáveis indígenas, no Brasil. Os que
abraçam essa via recebem o cêntuplo nesta terra e o prêmio da vida eterna (cf.
Mt 19, 29).
Se nosso Pai cuida de criaturas inferiores, quanto mais não cuidará
de nós?
Quando conseguimos um hiato de
calma dentro da febricitada correria dos dias atuais para observar a natureza
viva — desde a tenacidade das formigas em busca de alimento, até a agilidade de
um colibri, sugando com elegância o conteúdo quase místico de uma flor — num
ato contínuo louvamos a Deus, por constatar essa maravilhosa disposição da
Divina Providência de oferecer a insetos e animais o necessário para o seu
sustento. “Todos esses seres esperam de Vós que lhes deis de comer em seu
tempo. Vós lhes dais e eles o recolhem; abris a mão, e se fartam de bens” (Sl
103, 27-28).
Ora, o homem é, não só,
superior a todas as criaturas terrenas, mas até mesmo seu rei (cf. Gen 1, 28).
Sendo assim, é preciso que esse rei supere o exemplo desses súditos seus que
com tanta abnegação praticam a pobreza evangélica: as aves do céu. Despojadas
de tudo, dependem exclusivamente da benevolência divina. Ademais, como bem
comenta Maldonado: “As aves andam no mais alto do ar, estão mais distantes de
sua comida e, no entanto, Deus as alimenta”. Jesus usou o exemplo das aves
“porque os animais terrestres gastam mais tempo em procurar o alimento e
escondê-lo com sua habilidade” 9.
É, de certa forma, curioso
referir-se o Divino Mestre às aves “do céu” e não às domésticas, pois estas são
alimentadas pelos homens e as outras pelo “vosso Pai celeste”. Ou seja, se
nosso Pai cuida de criaturas tão inferiores que não têm nenhum grau de filiação
em relação a Ele, quanto mais não cuidará de nós, irmãos de Seu “Filho muito
amado” (Mt 3, 17)!
São Lucas nos diz: “Considerai
os corvos: não semeiam, nem ceifam, não têm despensa, nem celeiro, e, contudo,
Deus os sustenta. Quanto mais valeis vós do que eles?” (Lc 12, 24).
Sobre essa passagem, comenta
Santo Ambrósio: “Os corvos, que não trabalham, têm o necessário para seu uso, e
o têm em abundância, porque não sabem reduzir a seu domínio particular os
frutos que foram dados em comum para todo mundo comer. Nós, porém, perdemos o
comum porque nos esforçamos em apropriá-lo; e o perdemos porque não conseguimos
fazê-lo nosso, já que não durará perpetuamente, nem conseguimos ter uma
abundância certa onde o futuro é sempre incerto. Por que, pois, crês que tuas
riquezas são tuas, sendo que Deus quis que tua comida fosse comum com todos os
outros que vivem?” 10.
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