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quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Evangelho VIII Domingo do Tempo Comum - Ano A - 2014 - Mt 6, 24-34

Conclusão dos comentários ao Evangelho VIII Domingo do Tempo Comum - Ano A - 2014
A nossa impotência diante das leis da natureza
“Qual de vós, por mais que se afadigue, pode acrescentar um só côvado à duração de sua vida?”.
A cada novo argumento, torna-se incontestável nossa impotência diante das leis da natureza e, por outro lado, a onipotência divina no governo do mundo. Por isso nos diz São João Crisóstomo: “Deus é quem faz crescer vosso corpo, cada dia, sem que possais dar-vos conta disso. Se, pois, todos os dias a Providência de Deus trabalha em vós para o crescimento de vosso corpo, como ficará Ela inativa diante de verdadeiras necessidades? Mas, se todos os esforços de vosso pensamento não podem acrescentar a menor parcela a vosso corpo, como podereis vós salvá-lo todo inteiro?” 11.
O afeto de Deus visa também a nossa elegância e pulcritude
“E por que vos inquietais com o vestido? Considerai como crescem os lírios do campo — e não trabalham nem fiam! Eu digo-vos, todavia, que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como um deles. Se, pois, Deus veste assim a uma erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós, homens de pouca Fé?”.
Jesus deixa claro serem esses lírios, os “do campo”, ou seja, os que nascem a esmo, sem os cuidados dos homens. Na mesma linha do que anteriormente dissera sobre as aves, ou seja, as “do céu”, e não as domésticas. Chama-nos a atenção, de modo especial, o carinho empregado pelas mães ao providenciarem as roupas para suas crianças, pois procuram sempre vesti-las com beleza. Esse é o afeto de Deus ao cuidar de cada uma de Suas criaturas humanas: visa Ele não só nossa alimentação — como o faz com as “aves do céu” — mas também nossa elegância e pulcritude. Esse esmero de Deus será ainda muito maior nos albores da ressurreição dos corpos: “Pelos lírios, podem-se entender as celestes claridades dos Anjos, que o próprio Deus reveste de uma glória deslumbrante. Eles não trabalham nem fiam, porque a graça que, desde sua origem, assegurou a felicidade dos Anjos, difunde-se sobre todos os momentos de sua existência; e como, após a ressurreição, os homens serão semelhantes aos Anjos, Nosso Senhor, fazendo brilhar aos nossos olhos o esplendor das virtudes celestes, quis nos fazer esperar essa vestimenta de glória eterna” 12.
O exemplo de Salomão, preocupado por vestir-se à altura da sabedoria que lhe havia sido gratuitamente concedida por Deus, é de uma extraordinária eloquência para todos os tempos. Pois, quem com mais arte saberia realizar essa tarefa? São João Crisóstomo sintetiza bem a diferença entre as vestes de Salomão e as criadas por Deus: “das vestiduras de Salomão à flor do campo há a distância da mentira à verdade” 13.
 Consequentemente, duvidar ou, pior ainda, não crer na Providência Divina é suficiente para sermos classificados como “homens de pouca Fé”, pois, se esses são os cuidados de Deus para com ervas a serem queimadas quando murcharem, quanto maiores não serão eles com as almas imortais e os corpos ressurrectos!
Não vos aflijais: Deus vos ama e de vós cuida como Pai
“Não vos aflijais, pois, dizendo: Que comeremos? Que beberemos? Com que nos vestiremos?”.
Vê-se, neste versículo, o empenho do Divino Mestre em nos convencer das verdades anteriormente expostas. “O Senhor repete esta recomendação para nos fazer compreender sua necessidade e gravá-la mais profundamente em nossos corações” 14.
“Os gentios é que procuram com excessivo cuidado todas estas coisas. Vosso Pai sabe que tendes necessidade delas”.
O sentimento familiar nos tempos do Evangelho era mais sólido e profundo do que nos dias da atual decadência, na qual vai desmoronando essa pilastra de uma sociedade bem constituída. Todos tinham um conceito claro e indiscutível a respeito da paternalidade. Em outro momento, Jesus lhes dirá: “Se vós, pois, que sois maus, sabeis dar boas coisas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai celeste dará boas coisas aos que Lhe pedirem” (Mt 7, 11; cf. Lc 11, 13).
Ademais, os judeus tinham como um dos mais elevados pontos de honra o de serem contrapostos às concepções dos gentios. Ao atribuir à mentalidade dos pagãos a excessiva preocupação pelos bens deste mundo, Jesus tornava ainda mais patente Sua enérgica e categórica rejeição à mesma. Ouçamos o famoso Cornélio a Lápide comentar esta passagem: “Não vivais ansiosos sobre o que vestireis, pois Deus o sabe perfeitamente; mais ainda, o vê e intui, porque é Deus; logo, Ele proverá, porque vos ama e cuida de vós como Pai, e pode fazê-lo porque é celestial e, portanto, onipotente. Por que, pois, não Lhe entregais todas as vossas preocupações? Ele sabe, quer e pode socorrer-vos em vossas necessidades; sabe porque é Deus, quer porque é Pai, e pode porque é Rei celestial e impera com pleno direito no Céu e na Terra. Por isso São Francisco não dava aos seus outra provisão a não ser este dito dos Salmos: ‘Deposita no Senhor teus cuidados e Ele te alimentará’” (Sl 54, 23) 15.
 Busquemos, em primeiro lugar, a nossa Santificação
“Buscai, pois, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a Sua justiça, e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo”.
A síntese de toda a doutrina do Evangelho se encontra nas palavras deste versículo; trata-se de, em primeiro lugar, buscar o Reino de Deus, como também a própria justiça desse mesmo Reino, tal como Jesus o pregou, ou seja, o oposto do almejado pelos fariseus.
O Reino de Deus pode ser considerado debaixo de três diferentes prismas: o da glória dos bem-aventurados, ou seja, o triunfante; o da Santa Igreja, que se evidencia no visível e externo Reino de Nosso Senhor Jesus Cristo; e, por fim, o da graça santificante em nossas almas ou interno.
Assim, devemos buscar a realização da santidade de Deus em nós, por meio do ódio ao pecado, numa aspiração crescente de Lhe obedecer na prática de todos os Mandamentos, com base num abrasado amor a Ele. Conduzindo, por um dinâmico zelo apostólico, a todos com quem tenhamos alguma relação, às vias dessa santidade, para maior brilho da Santa Igreja e salvação das almas. E, por fim, almejando o Reino eterno na glória.
Já em nosso despertar matutino — quer sejamos pobres, quer ricos — devemos ter a lembrança deste conselho de Nosso Senhor Jesus Cristo: “Buscai, pois, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a Sua justiça...” Mas, infelizmente, os pobres em sua grande maioria não o fazem e, por isso, são objeto do egoísmo dos outros, vivendo em pobreza neste mundo e ameaçados a nela se lançarem eternamente. E os ricos menos ainda são inclinados a seguir a voz de Cristo, por imaginarem já possuir “todas estas coisas”...
“Não vos preocupeis, pois, com o dia de amanhã; o dia de amanhã terá as suas preocupações próprias. A cada dia basta o seu mal”.
Preocupemo-nos primordialmente em santificar-nos a fim de obtermos o Reino de Deus. Pratiquemos as virtudes e enriqueçamo-nos dos bens do Céu na plena confiança de que, assim, não nos faltarão os da terra. Evitemos a ruína do relativismo moral de nossos dias e cumpramos nossos deveres do dia-a-dia sem as aflições do amanhã.
Não nos é vedado fazer uso de uma sábia e moderada prudência no que tange à nossa manutenção. É-nos proibido, isto sim, uma destrutiva inquietação com o nosso futuro material que nos leve a esquecer as obrigações de maior atualidade e importância, com relação ao Reino de Deus. “A cada dia basta o seu mal”, pois jamais devemos nos esquecer da infinita bondade e carinho do Senhor, conforme transparece na primeira leitura de hoje: “Sião dizia: ‘O Senhor abandonou-me, o Senhor esqueceume’. Pode uma mulher esquecer-se daquele que amamenta? Não ter ternura pelo fruto de suas entranhas? E mesmo que ela o esquecesse, Eu nunca te esqueceria” (Is 49, 14-15).
1 Os bens espirituais podem ser possuídos ao mesmo tempo por muitos, não, porém, os bens corporais (AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica III, q. 23, a.1, ad. 3; cf. tb. III, q.28, a.4, ad 2).
2 AQUINO, São Tomás de. Liber de perfectione spiritualis vitæ, c. 6.
3 Cf. TUYA, OP, Manuel de. Biblia Comentada. Madrid: BAC, 1964, v. II, p. 156.
4 MALDONADO, SJ, P. Juan de. Comentarios a los cuatro Evangelios. Madrid: BAC, 1950, v. I, p. 303.
5 MALDONADO. Op. cit. id., ibid.
6 O termo é usado no mesmo sentido em Mt 10, 36-37; Lc 14, 26 e Rm 9,  12-13
7 AGOSTINHO, Santo. Confissões. l. X, c. XX.
8 MALDONADO. Op. Cit. pp. 304-305.
9 MALDONADO. Op. cit. id. ibid.
10 In Lc 12, 24.
11 Apud AQUINO. Catena Aurea.
12 Santo Hilário, apud: AQUINO. Catena Aurea.
13 Apud: TUYA. Op. Cit. p. 158.
14 São Remígio, apud AQUINO. Catena Aurea.

15 In Mt 6, 31.

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