Conclusão dos comentários ao Evangelho VIII Domingo do Tempo Comum - Ano A - 2014
A nossa impotência diante das leis da natureza
“Qual de vós, por mais que se afadigue, pode acrescentar um só côvado à
duração de sua vida?”.
A cada novo argumento, torna-se
incontestável nossa impotência diante das leis da natureza e, por outro lado, a
onipotência divina no governo do mundo. Por isso nos diz São João Crisóstomo:
“Deus é quem faz crescer vosso corpo, cada dia, sem que possais dar-vos conta
disso. Se, pois, todos os dias a Providência de Deus trabalha em vós para o
crescimento de vosso corpo, como ficará Ela inativa diante de verdadeiras
necessidades? Mas, se todos os esforços de vosso pensamento não podem acrescentar
a menor parcela a vosso corpo, como podereis vós salvá-lo todo inteiro?” 11.
O afeto de Deus visa também a nossa elegância e pulcritude
“E por que vos inquietais com o vestido? Considerai como crescem os
lírios do campo — e não trabalham nem fiam! Eu digo-vos, todavia, que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como um deles. Se, pois, Deus
veste assim a uma erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno,
quanto mais a vós, homens de pouca Fé?”.
Jesus deixa claro serem esses
lírios, os “do campo”, ou seja, os que nascem a esmo, sem os cuidados dos
homens. Na mesma linha do que anteriormente dissera sobre as aves, ou seja, as
“do céu”, e não as domésticas. Chama-nos a atenção, de modo especial, o carinho
empregado pelas mães ao providenciarem as roupas para suas crianças, pois
procuram sempre vesti-las com beleza. Esse é o afeto de Deus ao cuidar de cada
uma de Suas criaturas humanas: visa Ele não só nossa alimentação — como o faz
com as “aves do céu” — mas também nossa elegância e pulcritude. Esse esmero de
Deus será ainda muito maior nos albores da ressurreição dos corpos: “Pelos lírios, podem-se entender as celestes
claridades dos Anjos, que o próprio Deus reveste de uma glória deslumbrante.
Eles não trabalham nem fiam, porque a graça que, desde sua origem, assegurou a
felicidade dos Anjos, difunde-se sobre todos os momentos de sua existência; e
como, após a ressurreição, os homens serão semelhantes aos Anjos, Nosso Senhor,
fazendo brilhar aos nossos olhos o esplendor das virtudes celestes, quis nos
fazer esperar essa vestimenta de glória eterna” 12.
O exemplo de Salomão,
preocupado por vestir-se à altura da sabedoria que lhe havia sido gratuitamente
concedida por Deus, é de uma extraordinária eloquência para todos os tempos.
Pois, quem com mais arte saberia realizar essa tarefa? São João Crisóstomo
sintetiza bem a diferença entre as vestes de Salomão e as criadas por Deus: “das vestiduras de Salomão à flor do campo há
a distância da mentira à verdade” 13.
Consequentemente, duvidar ou,
pior ainda, não crer na Providência Divina é suficiente para sermos
classificados como “homens de pouca Fé”, pois, se esses são os cuidados de Deus
para com ervas a serem queimadas quando murcharem, quanto maiores não serão
eles com as almas imortais e os corpos ressurrectos!
Não vos aflijais: Deus vos ama e de vós cuida como Pai
“Não vos aflijais, pois, dizendo: Que comeremos? Que beberemos? Com que
nos vestiremos?”.
Vê-se, neste versículo, o
empenho do Divino Mestre em nos convencer das verdades anteriormente expostas.
“O Senhor repete esta recomendação para nos fazer compreender sua necessidade e
gravá-la mais profundamente em nossos corações” 14.
“Os gentios é que procuram com excessivo cuidado todas estas coisas.
Vosso Pai sabe que tendes necessidade delas”.
O sentimento familiar nos
tempos do Evangelho era mais sólido e profundo do que nos dias da atual
decadência, na qual vai desmoronando essa pilastra de uma sociedade bem
constituída. Todos tinham um conceito claro e indiscutível a respeito da
paternalidade. Em outro momento, Jesus lhes dirá: “Se vós, pois, que sois maus, sabeis dar boas coisas a vossos filhos,
quanto mais vosso Pai celeste dará boas coisas aos que Lhe pedirem” (Mt 7,
11; cf. Lc 11, 13).
Ademais, os judeus tinham como
um dos mais elevados pontos de honra o de serem contrapostos às concepções dos
gentios. Ao atribuir à mentalidade dos pagãos a excessiva preocupação pelos
bens deste mundo, Jesus tornava ainda mais patente Sua enérgica e categórica
rejeição à mesma. Ouçamos o famoso Cornélio a Lápide comentar esta passagem: “Não vivais ansiosos sobre o que vestireis,
pois Deus o sabe perfeitamente; mais ainda, o vê e intui, porque é Deus; logo,
Ele proverá, porque vos ama e cuida de vós como Pai, e pode fazê-lo porque é
celestial e, portanto, onipotente. Por que, pois, não Lhe entregais todas as
vossas preocupações? Ele sabe, quer e pode socorrer-vos em vossas necessidades;
sabe porque é Deus, quer porque é Pai, e pode porque é Rei celestial e impera
com pleno direito no Céu e na Terra. Por isso São Francisco não dava aos seus
outra provisão a não ser este dito dos Salmos: ‘Deposita no Senhor teus
cuidados e Ele te alimentará’” (Sl 54, 23) 15.
Busquemos, em primeiro lugar, a nossa Santificação
“Buscai, pois, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a Sua justiça, e
todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo”.
A síntese de toda a doutrina do
Evangelho se encontra nas palavras deste versículo; trata-se de, em primeiro
lugar, buscar o Reino de Deus, como também a própria justiça desse mesmo Reino,
tal como Jesus o pregou, ou seja, o oposto do almejado pelos fariseus.
O Reino de Deus pode ser
considerado debaixo de três diferentes prismas: o da glória dos
bem-aventurados, ou seja, o triunfante; o da Santa Igreja, que se evidencia no
visível e externo Reino de Nosso Senhor Jesus Cristo; e, por fim, o da graça
santificante em nossas almas ou interno.
Assim, devemos buscar a
realização da santidade de Deus em nós, por meio do ódio ao pecado, numa
aspiração crescente de Lhe obedecer na prática de todos os Mandamentos, com
base num abrasado amor a Ele. Conduzindo, por um dinâmico zelo apostólico, a
todos com quem tenhamos alguma relação, às vias dessa santidade, para maior
brilho da Santa Igreja e salvação das almas. E, por fim, almejando o Reino
eterno na glória.
Já em nosso despertar matutino
— quer sejamos pobres, quer ricos — devemos ter a lembrança deste conselho de
Nosso Senhor Jesus Cristo: “Buscai, pois, em primeiro lugar, o Reino de Deus e
a Sua justiça...” Mas, infelizmente, os pobres em sua grande maioria não o
fazem e, por isso, são objeto do egoísmo dos outros, vivendo em pobreza neste
mundo e ameaçados a nela se lançarem eternamente. E os ricos menos ainda são
inclinados a seguir a voz de Cristo, por imaginarem já possuir “todas estas
coisas”...
“Não vos preocupeis, pois, com o dia de amanhã; o dia de amanhã terá as
suas preocupações próprias. A cada dia basta o seu mal”.
Preocupemo-nos primordialmente
em santificar-nos a fim de obtermos o Reino de Deus. Pratiquemos as virtudes e
enriqueçamo-nos dos bens do Céu na plena confiança de que, assim, não nos
faltarão os da terra. Evitemos a ruína do relativismo moral de nossos dias e
cumpramos nossos deveres do dia-a-dia sem as aflições do amanhã.
Não nos é vedado fazer uso de
uma sábia e moderada prudência no que tange à nossa manutenção. É-nos proibido,
isto sim, uma destrutiva inquietação com o nosso futuro material que nos leve a
esquecer as obrigações de maior atualidade e importância, com relação ao Reino
de Deus. “A cada dia basta o seu mal”,
pois jamais devemos nos esquecer da infinita bondade e carinho do Senhor,
conforme transparece na primeira leitura de hoje: “Sião dizia: ‘O Senhor
abandonou-me, o Senhor esqueceume’. Pode
uma mulher esquecer-se daquele que amamenta? Não ter ternura pelo fruto de suas
entranhas? E mesmo que ela o esquecesse, Eu nunca te esqueceria” (Is 49,
14-15).
1 Os bens espirituais podem ser
possuídos ao mesmo tempo por muitos, não, porém, os bens corporais (AQUINO, São
Tomás de. Suma Teológica III, q. 23, a.1, ad. 3; cf. tb. III, q.28, a.4, ad 2).
2 AQUINO, São Tomás de. Liber
de perfectione spiritualis vitæ, c. 6.
3 Cf. TUYA, OP, Manuel de.
Biblia Comentada. Madrid: BAC, 1964, v. II, p. 156.
4 MALDONADO, SJ, P. Juan de.
Comentarios a los cuatro Evangelios. Madrid: BAC, 1950, v. I, p. 303.
5 MALDONADO. Op. cit. id.,
ibid.
6 O termo é usado no mesmo
sentido em Mt 10, 36-37; Lc 14, 26 e Rm 9,
12-13
7 AGOSTINHO, Santo. Confissões.
l. X, c. XX.
8 MALDONADO. Op. Cit. pp.
304-305.
9 MALDONADO. Op. cit. id. ibid.
10 In Lc 12, 24.
11 Apud AQUINO. Catena Aurea.
12 Santo Hilário, apud: AQUINO.
Catena Aurea.
13 Apud: TUYA. Op. Cit. p. 158.
14 São Remígio, apud AQUINO.
Catena Aurea.
15 In Mt 6, 31.
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