Comentário ao Evangelho – II domingo da Quaresma – Mt 17, 1-9 – Ano A – 2014
A refulgência esplendorosa da
alma de Jesus
E transfigurou-Se diante deles. O Seu rosto
ficou refulgente como o Sol, e as Suas vestes tornaram-se luminosas de brancas
que estavam.
No que
terá consistido essa transfiguração? Evidentemente, não viram os Apóstolos a
divindade do Verbo de Deus, inacessível aos olhos corporais. Viam apenas uma
fímbria dos fulgores da verdadeira glória da humanidade sagrada de Jesus.
Provavelmente, nada mais do que o dom da claridade da qual gozam os corpos
gloriosos.
Tenhamos
presente o quanto o Salvador tinha preferência pela noite para rezar e por isso
esse marcante acontecimento deve ter-se dado após o entardecer, em meio aos
silêncios da natureza, pois também assim Ele Se manifesta a nós quando fazemos
calar, em nosso interior, o bulício das criaturas e buscamos as luzes do alto
depois de termos apagado as de aqui debaixo.
“O seu
rosto resplandecia como um Sol” (Ap 1, 16), ou seja, raios de luz partiam de
Sua Sagrada Face e se espalhavam a Se a fé dos Apóstolos necessitasse de boa
distância. Sem deixar uma confirmação testemunhal, ali estavam dois máximos
representantes da Lei e dos de ser a mesma fisionoProfetas adorando a Cristo
Jesus mia, nada mais possuindo de conotações terrenas, tornou-se radiante de
brilho e esplendor, com plena vitalidade e doçura. Bem podemos imaginar Sua
grandeza ao vir julgar os vivos e os mortos no fim dos tempos, uma vez que Seu
rosto será ainda muitíssimo mais brilhante nessa ocasião.
Por
mais requintada que seja a arte humana, difícil lhe é superar certas belezas da
natureza saídas das mãos de Deus. Acima dessas, estão as maravilhas da graça,
as quais ultrapassam todos os limites. Assim deveriam ser as vestes de Jesus
durante Sua Transfiguração, bem diferente, aliás, das usadas por nós nessas
vias que terminam na morte. Essa refulgência das roupas de Jesus era pálida
exteriorização da glória de Sua adorável alma, bem-aventurada pela graça de
união e por encontrar-se na visão beatífica desde o primeiro instante de Sua
criação.
Quanta
ilusão causam às vezes, nossos alfaiates, costureiras e modistas, quando com
certo sucesso, por suas habilidades, conseguem encobrir defeitos de um corpo
concebido no pecado e por ele tisnado. Nestes casos, a roupa acaba por
retificar as linhas tortas da natureza. Durante a Transfiguração tudo foi
diferente; a pulcritude da alma de Jesus revestiu sua natureza humana
perfeitíssima. Foi a glória interior que se explicitou ante o olhar de quem
teve a felicidade de estar no Tabor naquele momento.
O poder sobre a morte e a vida
Eis que lhes apareceram Moisés e Elias
falando com Ele.
Se a fé
dos Apóstolos necessitasse de uma confirmação testemunhal, ali estavam dois
máximos representantes — um da Lei e outro dos Profetas — adorando a Cristo
Jesus. Intimamente ligados ao Messias, cumpriam de maneira soberana as
exigências jurídicas para a autenticidade de um testemunho absoluto. Termina a
Lei, cumprem-se as profecias. Toda a criação se prostre aos pés do Prometido
das nações.
Esses
dois grandes personagens aparecem na Transfiguração do Senhor, segundo nos
assegura São João Crisóstomo, “para que
se soubesse que Ele tinha poder sobre a morte e sobre a vida; por esta razão
apresenta Moisés, que tinha morrido, e Elias, que ainda vivia”
Papel das consolações na vida
Pedro, tomando a palavra, disse a Jesus:
“Senhor, que bom é nós estarmos aqui; se queres, farei aqui três tendas, uma
para Ti, uma para Moisés, e outra para Elias.”
Pedro
será confirmado em graça somente em Pentecostes; até lá, sua loquacidade lhe
confere o mérito da manifestação de fé na divindade de Jesus (cf. Mt 16, 16; Mc
8, 29; Lc 9, 20), ou o demérito da promessa temerária de jamais romper sua
fidelidade (cf. Mt 26, 33-35; Mc 14, 29; Lc 22, 33; Jo 13, 37), ou da negação
na casa do Sumo Sacerdote (cf. Mt 26, 69-74; Mc 14, 66-72; Lc 22, 55-60; Jo 18,
25-27). No Tabor, penetrado de desmedida alegria, deseja perpetuar aquela
felicidade. Pedro não estava ainda suficientemente instruído pelo Espírito
Santo para saber o quanto a Terra não era o ambiente para o gozo permanente.
Não tinha noção de quanto as consolações são auxílios passageiros concedidos
por Deus para nos estimular em Seu serviço e a sofrer por Ele.
“Eu e o Pai somos um”
Estando ele ainda a falar, eis que uma
nuvem resplandecente os envolveu; e saiu da nuvem uma voz que dizia: “Este é o
Meu Filho muito amado em Quem pus toda a Minha complacência; ouvi-O”.
Nas
Escrituras Sagradas, aparece algumas vezes esta ou aquela nuvem para simbolizar
a presença de Deus e Sua teofania. Várias são as passagens do Êxodo em que elas
são utilizadas como sinais sensíveis da manifestação divina: “a glória do Senhor apareceu no meio da nuvem”
(Ex 16, 10); “e logo que Moisés entrava
no tabernáculo da aliança, a coluna de nuvem descia [...] vendo todos que a
coluna de nuvem se conservava parada à porta do tabernáculo” (Ex 33, 9-10);
etc.
Não
resta a menor dúvida de ser do Pai a voz que proclama: “Este é o meu Filho”. E
de fato, analisando em profundidade, somente Cristo Jesus preenche todos os
requisitos de Filho perfeito. Possui a mesma substância do Pai de maneira tão
plenamente cabal que constitui uma só e mesma coisa com Este: “O Pai e eu somos a mesma coisa” (Jo 10,
30). É, portanto, igual ao Pai: “Filipe,
quem me vê, vê também a meu Pai” (Jo 14, 9).
Em Suas
duas naturezas, Ele é a Palavra que manifesta o Pai: é “o resplendor de sua glória e a figura de sua substância” (Hb 1,
3), enquanto Deus. Por outro lado, também o fez através de Sua humanidade: “Manifestei o Teu nome aos homens que Me deste
do meio do Mundo” (Jo 17, 6); “glorifiquei-Te
sobre a Terra; acabei a obra que Me deste a fazer” (Jo 17, 4). Além disso,
foi de uma insuperável obediência: “Não se faça a Minha vontade, mas a Tua” (Lc
22, 42); “o meu alimento é fazer a
vontade dAquele que Me enviou” (Jo 4, 34); “fez-Se obediente até a morte, e morte de cruz!” (Fl 2, 8). Sempre
em inteira submissão, imitando-O em tudo: “O
Filho não pode por Si mesmo fazer coisa alguma, mas somente o que vê fazer o
Pai” (Jo 5, 19).
Se bem
que sejamos verdadeiros filhos de Deus, como nos assegura o Salmista — “Eu disse: ‘Sois deuses, e todos filhos do
Altíssimo’” (Sl 81, 6) —, nós o somos por misericordiosa adoção. O Filho de
Deus por natureza é um só: “O Filho de
Deus veio e nos deu entendimento e luz para conhecer ao verdadeiro Deus” (1
Jo 5, 20).
[...] “muito amado em Quem pus
toda a minha complacência” [...]
Quando
amamos algo, buscamos uma bondade que preexiste nesse algo, enquanto reflexo do
próprio Deus. Nosso amor não é eficiente a ponto de produzir a bondade nos objetos
por nós amados. Pelo contrário, o amor de Deus, segundo São Tomás de Aquino, é
tão rico que introduz a bondade nos seres por Ele amados. Ele é a Bondade por
essência e a difundiu por todas as Suas criaturas. Porém, aqui afirma o Pai ter
colocado “toda” a Sua complacência em seu Unigênito, tal qual no-lo declara São
João: “O Pai ama o Filho, e pôs todas as
coisas na sua mão” (Jo 3, 35). Portanto, ao colocar nEle todo o Seu amor,
pôs nEle, toda a Sua bondade.
[...] “ouvi-O”
Ali
estava o próprio Moisés, que outrora dissera ao povo eleito: “O Senhor teu Deus te suscitará um Profeta,
como eu, de tua nação, e dentre teus irmãos; ouvi-lo-ás” (Dt 18,15). A ele,
mais tarde, se associaria a voz de um outro mestre: Elias.
Os
mestres do Antigo Testamento eram autênticos enquanto procuravam anunciar o
Messias vindouro ou Sua doutrina. O mesmo se deve afirmar a respeito de todos
os que vieram depois de Cristo: serão eles verdadeiros mestres na medida em que
aprenderem e transmitirem a doutrina do Divino Mestre, tal qual Ele mesmo
afirmou: “Um só é o vosso Mestre” (Mt 23, 8). Ele não ensina como um professor
comum que busca ilustrar seus alunos por meio de puros raciocínios, Ele se
baseia em Seu conhecimento, por ser a Sabedoria infinita, e em Sua autoridade
de Filho de Deus, e por isso exige nossa fé. Sua vida nos proporcionou, a cada
passo, motivos suficientes para nEle crermos. É um dever de nossa parte crer em
Sua Palavra, imitar Seus exemplos, praticar sua lei, etc.; nisto consiste a
obediência à ordem do Pai: “... ouvi-O”.
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