Continuação dos comentários ao Evangelho – Domingo de Páscoa da Ressurreição do Senhor - Ano A - Jo 20, 1-9
Chegada de São Pedro e São João
Partiu, pois, Pedro com o outro discípulo e foram ao sepulcro.
Os dois apóstolos vêem-se na
contingência de certificar-se de um acontecimento tão dramático e inusitado. Segundo
São Gregório, Pedro e João simbolizam, sob o ponto de vista místico, a Santa
Igreja e a Sinagoga respectivamente.
Corriam ambos juntos, mas o outro discípulo corria mais do que Pedro e
chegou primeiro ao sepulcro.
Com seu ardor sem medidas,
Madalena contagiou os apóstolos, e eles, se associando nos mesmos
sentimentos de amor, temor e esperança, partem cheios de ânimo. Ambos corriam,
mas “o outro discípulo” chegou com antecedência.
Tendo-se inclinado viu os lençóis no chão, mas não entrou.
É digno de nota o quanto são
correlatas e coesas as virtudes que tão claramente deixa transparecer esse
episódio. Seria explicável que, diante de tão grande acontecimento, São João
penetrasse, ato contínuo à sua chegada, no interior do túmulo para analisar a
situação. A curiosidade deveria ser incontrolável. Isso não aconteceu. Por
espírito de obediência, respeito e veneração, manteve-se à porta e de seus
umbrais, observou à distância a disposição das coisas. A virgindade conservada
por virtude leva quem a possui a amar a hierarquia, a disciplina e a ordem.
Nesta ocorrência, encontramos o dilúculo de uma alcandorada aurora da submissão
de toda a Cristandade à mais alta autoridade erigida por Cristo, na terra: o
Santo Padre, o Papa.
Chegou depois Simão Pedro, que o seguia, entrou no sepulcro e viu os
lençóis postos no chão, e o sudário que estivera na cabeça de Jesus, que não
estava com os lençóis, mas enrolado para outro sítio.
Esses panos eram o lençol e as
faixas utilizadas para envolver o sagrado corpo do Salvador depois de retirado
da cruz. O sudário cobria Sua cabeça e mais especialmente a face, que nele
certamente ficou impressa. Tudo leva a crer que os anjos devem ter manifestado
particular devoção a esse lençol que passaria para a História com o nome de
Santo Sudário, daí terem-no dobrado com cuidado, colocando-o à parte.
São muito curiosas e dignas de
serem apreciadas as considerações feitas por São Gregório Magno sobre o relato
de São João contido nestes versículos:
“Esta descrição tão detalhada
do Evangelista não carece de mistério. São João, o mais jovem dos dois,
representa a sinagoga judaica, e Pedro, o mais velho, a Igreja universal.
Embora a sinagoga dos judeus seja anterior no culto divino, a multidão dos
gentios precede no uso do século a sinagoga dos judeus. Correram ambas
juntamente, porque desde seu nascimento até seu ocaso, se bem que em sentidos
diferentes, correm juntas. A sinagoga chegou primeiro ao monumento, mas não
entrou; porque, apesar de haver entendido os mandatos da Lei sobre as profecias
da Encarnação e Paixão e morte do Senhor, não quis crer. Chegou depois Simão
Pedro e entrou no sepulcro, porque a Igreja das nações, que seguiu a última,
acreditou em Cristo morto em sua humanidade e vivo em sua divindade. O sudário,
pois, da cabeça do Senhor, não foi encontrado com os lençóis, porque Deus é a
cabeça de Cristo, e os mistérios de sua divindade são incompreensíveis à
fraqueza de nossa inteligência e superiores às faculdades da natureza humana.
Diz-se que o sudário foi encontrado não só separado, mas envolto, porque o
lenço que serve de envoltura à cabeça divina demonstra sua grandeza, que não
tem princípio nem fim. Esta é, pois, a razão pela qual foi encontrado isolado
em outro lugar, porque Deus não se encontra entre as almas que estão divididas,
e só merecem receber sua graça as que não vivem separadas pelo escândalo das
seitas. Mas como o lenço que cobre a cabeça dos operários serve para enxugar o
suor, pode-se entender com o nome de sudário a obra de Deus que, mesmo
permanecendo tranqüilo e imutável em Si mesmo, manifesta que sofre e trabalha
na dura perversidade dos homens. O sudário que estivera sobre sua cabeça, e foi
encontrado à parte, demonstra que a Paixão de nosso Redentor é muito diferente
da nossa, porque Ele a padeceu sem culpa, e nós por nossos pecados; Ele Se
entregou a ela voluntariamente, e nós a sofremos contra nossa vontade. Depois
de ter entrado Pedro, entrou João, porque no fim do mundo a Judéia entrará também
na fé do Salvador” 10.
Provas da Ressurreição
Pelo que se via, Madalena tinha
sido objetiva em sua espetacular mensagem. Porém, teria ela razão em levantar a
hipótese de um roubo do sagrado corpo do Senhor? Qual seria,
neste caso, o objetivo dos ladrões? Como teriam dominado os guardas? Quem
haveria executado tal crime? E se realmente isto se passara, por que tirar os
lençóis, as ataduras e o sudário? Ademais, qual o motivo de dobrar
cuidadosamente esses tecidos? A constatação desses pormenores todos seria
suficiente para eles concluírem a maravilhosa Ressurreição do Senhor, tal qual
Ele mesmo a profetizara, ou seja, no terceiro dia.
São João Crisóstomo não duvida
em sublinhar: “Isto era prova de ressurreição, porque se alguém o tivesse
levado não teria desnudado seu corpo; e se o houvessem roubado, os ladrões não
teriam o cuidado de tirar e envolver o sudário, colocando-o em um lugar
diferente dos lenços, mas teriam levado o corpo como se encontrava. São João já
dissera que, ao sepultá-lo, o haviam ungido com mirra, a qual cola os lenços ao
corpo; e não creias nos que dizem que foi roubado, pois o ladrão não seria tão
insensato ocupando-se tanto de coisa tão inútil” 11.
Apesar de hoje vermos com tanta
evidência a lógica dessas minúcias todas, na ocasião, as testemunhas não
fizeram a menor reflexão e nem sequer se lembraram das profecias feitas pelo
Divino Mestre a esse propósito. Essa foi a reação da natureza humana antes de
Pentecostes...
Entrou também, então, o discípulo que tinha chegado primeiro ao
sepulcro. Viu e acreditou.
Divergem os autores quanto à
interpretação do objeto da crença de João. Alguns julgam ter ele considerado
suficientes as provas para crer na ressurreição do Senhor. Assim o faz, por
exemplo, Teófilo ao comentar: “Admira em Pedro a prontidão da vida ativa, e em
João a contemplação humilde e prática das coisas divinas. Com freqüência, os
contemplativos chegam pela humildade ao conhecimento das coisas divinas; mas os
ativos, guiados por sua fervorosa assiduidade, chegam primeiro ao ápice deste
conhecimento” 12.
Porém, outros são do parecer de
que João acreditou no que lhes dissera a Madalena, ou seja, que o Sagrado Corpo
de Jesus havia sido roubado, e nada mais. A ida ao sepulcro teria sido útil em
extremo para confirmá-los nessa idéia, o que certamente lhe confirmou também
nas apreensões.
Com efeito, ainda não entendiam a Escritura, segundo a qual Ele devia
ressuscitar dos mortos.
Para tirarmos todo o proveito
deste versículo, ouçamos os comentários de D. Isidro Gomá y Tomás: “A Sagrada
Escritura é como uma carta de Deus dirigida aos homens; mas estes não podem
interpretá-la por si sós: precisam ser conduzidos pela Igreja, que é a
intérprete nata e autorizada das divinas Escrituras, e tem para isso a luz e a
assistência do Espírito Santo. Por isso, diz Lucas (24, 45), que Jesus, antes
de subir aos Céus, ‘abriu a inteligência de Seus apóstolos para que compreendessem
as Escrituras’. Não tenhamos, pois, a presunção de ler estas deleitáveis cartas
de Deus sem o sentido de Deus e sem a união com os que têm a autoridade de Deus
para interpretá-las. Seria condenar-nos à ignorância, quiçá a erros grosseiros
sobre seu conteúdo. Este é o segredo das quedas daqueles que interpretam as
Escrituras fora da Igreja Católica” 13.
Continua no próximo post
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