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sexta-feira, 11 de abril de 2014

EVANGELHO - VIGÍLIA PASCAL NA NOITE SANTA - Mt 28, 1-10 - Ano A

COMENTÁRIO AO EVANGELHO - VIGÍLIA PASCAL NA NOITE SANTA - Mt 28, 1-10 - Ano A

“Depois do sábado, ao amanhecer do primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra Maria foram ver o sepulcro. 2 De repente, houve um grande tremor de terra: o Anjo do Senhor desceu do Céu e, aproximando-se, retirou a pedra e sentou-se nela. 3 Sua aparência era como um relâmpago, e suas vestes eram brancas como a neve. 4 Os guardas ficaram com tanto medo do Anjo, que tremeram, e ficaram como mortos. 5 Então o Anjo disse às mulheres: ‘Não tenhais medo! Sei que procurais Jesus, que foi crucificado. 6 Ele não está aqui! Ressuscitou, como havia dito! Vinde ver o lugar em que Ele estava. 7 Ide depressa contar aos discípulos que Ele ressuscitou dos mortos, e que vai à vossa frente para a Galileia. Lá vós O vereis. É o que tenho a dizer-vos’. 8 As mulheres partiram depressa do sepulcro. Estavam com medo, mas correram com grande alegria, para dar a notícia aos discípulos. 9 De repente, Jesus foi ao encontro delas, e disse: ‘Alegrai-vos!’.
As mulheres aproximaram-se, e prostraram-se diante de Jesus, abraçando seus pés. 10 Então Jesus disse a elas: ‘Não tenhais medo. Ide anunciar aos meus irmãos que se dirijam para a Galileia. Lá eles Me verão’” (Mt 28, 1-10).
O prêmio concedido aos que mais amam
Na manhã de domingo as mulheres acorreram ao sepulcro para prestar as últimas homenagens ao Corpo do Senhor. E o próprio Jesus, desejando recompensá-las, foi ao seu encontro anunciar as alegrias da Páscoa.
I – A PRIMEIRA PÁSCOA
A origem da Solenidade da Páscoa remonta ao Antigo Testamento, quando os israelitas saíram da escravidão do Egito após quatro séculos de cativeiro. Depois de ter infligido diversos castigos aos egípcios com o intuito de persuadi-los a deixar partir o seu povo, como o Faraó não se comovesse Deus determinou que um Anjo exterminador ceifasse a vida de todos os primogênitos do país, dos homens e até dos animais. Entretanto, não permitiu que os descendentes de Abraão fossem atingidos. Determinou que os marcos e as travessas das portas das casas fossem assinalados com o sangue do cordeiro consumido na ceia daquela noite, a fim de serem poupados (cf. Ex 12, 12-13). Tão terrível foi a execução, que não só as autoridades consentiram na saída dos filhos de Israel, como também a população o suplicou, reconhecendo haver um fator sobre-humano nesses acontecimentos. Os hebreus puseram-se em marcha, sem demora, rumo ao Mar Vermelho, o qual se abriu milagrosamente, possibilitando-lhes a travessia a pé enxuto (cf. Ex 14, 21-22).
Este episódio de grande importância na História da salvação chamou-se Páscoa, que quer dizer passagem, isto é, o Senhor passou adiante e não feriu os hebreus, possibilitando-lhes o acesso à almejada liberdade social e política. Para perpetuar a lembrança desse acontecimento, Ele ordenou sua comemoração anual, como está descrito no Livro do Êxodo: “essa mesma noite é uma vigília a ser celebrada de geração em geração por todos os israelitas, em honra do Senhor. [...] Conservareis a memória deste dia, em que saístes do Egito, da casa da servidão, porque foi pelo poder de sua mão que o Senhor vos fez sair deste lugar” (12, 42; 13, 3).
Foi esta a ocasião escolhida por Nosso Senhor Jesus Cristo para ressuscitar, mudando o significado da Páscoa antiga para outro infinitamente mais elevado. Se o povo eleito passou da escravidão para a liberdade na Páscoa, nós, com a Morte e a gloriosa Ressurreição de Jesus, passamos da morte física para a vida eterna, e da morte do pecado para a ressurreição, pela graça. Por isso São Jerônimo comenta: “Parece-me que este dia é mais radiante que todos os outros, em que o Sol brilha para o mundo com mais fulgor, em que também os astros e todos os elementos se alegram, e aqueles que durante a Paixão do Senhor haviam apagado sua luz e se haviam eclipsado, não querendo contemplar seu Criador crucificado, voltam a cumprir a missão de seguir seu Senhor, que agora Se mostra vitorioso e ressurge — se assim se pode dizer — dos infernos, com todo o seu esplendor”.1
“A mãe de todas as vigílias”
A Igreja, ciosa de revestir tal comemoração da devida pompa, a celebra durante cinquenta dias, considerando-os como um só. Iniciam-se com a celebração da Vigília Pascal, designada por Santo Agostinho como “mãe de todas as santas vigílias”,2 e se alongam como manifestação da alegria de todos os cristãos até o Domingo de Pentecostes. A cerimônia litúrgica desta Vigília começa no exterior do templo, após o cair da noite, com a bênção do fogo, num rito que encontra sua origem nos primeiros séculos da Igreja. Esse fogo novo acende o Círio Pascal, símbolo do próprio Jesus Cristo que rompe as trevas da Lei Antiga e da escravidão ao pecado, para trazer às almas a salvação. Já no interior do recinto sagrado, a chama do Círio estende-se às velas de todos os fiéis ali reunidos como representação da Igreja inteira com suas lâmpadas acesas, em sinal de vigilância, à espera do Senhor.
A cena da assembleia imersa nas trevas leva-nos a reviver por alguns instantes a longa expectativa da humanidade até o advento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Nesses séculos houve atroz sofrimento, súplicas, e muitas lágrimas foram derramadas. Seriam elas transformadas em alegria? As promessas divinas indicavam que sim. Esta viria não do esforço ou de um mérito adquirido, mas do perdão. Não era possível que o mundo fosse redimido sem um grandioso ato de misericórdia, indispensável para purificar o gênero humano da culpa original e dos pecados atuais. A sequência de leituras proposta para a Solenidade de hoje indica os rumos pelos quais Deus conduziu seu povo, com o intuito de educá-lo, até operar a Redenção. Conforme nos adentremos nessas considerações, poderemos comprovar a sabedoria com que a Providência formou na virtude os seus eleitos, partindo sempre do princípio — e esse é o bom caminho teológico — que diz: se Ele assim fez, foi o melhor.
Uma síntese da História da salvação
A primeira leitura (Gn 1, 1—2, 2) se sintetiza em dois pontos, sendo o primeiro deles a processividade com que Deus cria todas as coisas para, por último, modelar o homem. Esse modo hierárquico do operar divino deixa claro que a criatura feita à sua imagem e semelhança é superior às outras criaturas visíveis, o que ajuda o homem a não cair na idolatria. Depois, o descanso reservado para o sétimo dia recorda que se deve trabalhar aplicando o esforço sobre a natureza, para lhe dar um brilho ainda maior do que quando saía das mãos do Criador, mas sem se esquecer de que tudo deve ser feito por amor a Deus. Contudo, é necessário ter presente que a beleza descrita neste trecho do Gênesis é ínfima perto do esplendor da Páscoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, como pede a oração correspondente a essa leitura: “dai aos que foram resgatados pelo vosso Filho a graça de compreender que o sacrifício do Cristo, nossa Páscoa, na plenitude dos tempos, ultrapassa em grandeza a criação do mundo realizada no princípio”.3
A seguir, na segunda leitura (Gn 22, 1-18), vemos a inteira disponibilidade de Abraão ao oferecer seu filho Isaac em sacrifício, obedecendo à determinação divina. O filho já havia morrido no coração do patriarca quando o Anjo lhe detém o braço, antes de desfechar o golpe. Isaac, que estava condenado, como que ressuscita, composição esta evocativa da Morte e Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo.
A terceira leitura (Ex 14, 15—15, 1) ressalta o quanto a vitória dos bons depende da intervenção de Deus, sobretudo por se tratar de um povo escolhido e protegido por Ele, como neste caso em que os judeus são defendidos da ira do Faraó com um prodígio admirável, pré-figura de outro ainda maior. Pois se nos impressionamos com a imponência de Moisés levantando seu cajado para abrir as águas do Mar Vermelho, temos nisso algo menos retumbante que o milagre realizado na pia batismal. A quarta leitura (Is 54, 5-14), em contrapartida, apresenta os israelitas no cativeiro, como castigo por sua infidelidade. De forma análoga, a humanidade antes da Redenção vivia num merecido exílio pela culpa original, mas Deus, como nos transmite a quinta leitura (Is 55, 1-11), promete enviar uma torrente de graças que virá depois da Ressurreição. O que Ele espera de nós é apenas o pedido de perdão e almas inteiramente abertas para acolher suas dádivas.
Já na sexta leitura, o profeta Baruc (3, 9-15.32—4, 4) faz um elogio à sabedoria — identificando-a com a prática dos Mandamentos — e mostra como viver em inteira conformidade com ela é um dos maiores dons recebidos nesta vida. Isto nos sugere um contraste com os dias atuais, em que os homens buscam avidamente o prazer e ignoram que a verdadeira alegria se encontra na posse da sabedoria.
Por fim, Ezequiel (36, 16-17a.18-28) anuncia a iniciativa divina de lavar o povo de suas iniquidades, concedendo uma graça superabundante para exaltar a santidade do seu próprio nome. Nessa misericordiosa atitude de Deus, a despeito de nossos nulos méritos, é profetizada a fundação de uma nova era histórica nascida dos frutos da Paixão, Morte e Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Depois de acompanhar os principais episódios da história do povo eleito, símbolo da peregrinação do gênero humano pelas sendas do pecado até a Encarnação, estamos preparados para contemplar o fato central de todos os tempos, do qual tudo quanto foi referido anteriormente é um prenúncio, e que haveria de encerrar esse período de trevas, tornar efetivas as promessas feitas aos patriarcas e profetas, e abrir para sempre aos homens as portas da eternidade, fechadas desde a transgressão cometida por nossos primeiros pais.
II – O SOLENE ANÚNCIO DA RESSURREIÇÃO
1 “Depois do sábado, ao amanhecer do primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra Maria foram ver o sepulcro”.
Movidas pelo amor, Maria Madalena e a outra Maria dirigiam-se ao sepulcro para concluir a preparação fúnebre do Corpo sagrado e adorável de Nosso Senhor Jesus Cristo (cf. Mc 16, 1; Lc 24, 1). Estavam preocupadas de que os cuidados aplicados na sexta-feira não houvessem sido suficientes devido à urgência em concluir a tarefa antes do início do descanso sabático (cf. Jo 19, 38-42). Pela narrativa de São Marcos (16, 1) e de São Lucas (24, 10), sabemos que outras mulheres também se uniram a elas, pois eram várias as que desejavam proporcionar ao Divino Mestre o que havia de melhor, máxime considerando que o grupo era formado por damas ricas (cf. Lc 8, 3), e que Maria Madalena possuía uma das maiores fortunas de Israel. É provável que tenham gastado uma soma “lamentável”, segundo os critérios de Judas, muito superior aos trezentos denários empregados na aquisição do perfume de nardo puro com o qual Maria Madalena ungira os pés de Jesus (cf. Jo 12, 3-6), suscitando as queixas do traidor.
Transparece nesta cena, especialmente em Santa Maria Madalena — que deve ter sido quem demoveu a outra com seu entusiasmo —, o amor levado às últimas consequências. Era ela uma alma de eleição, não conhecendo limites sua caridade, apesar das fraquezas da vida passada de que já havia sido perdoada. À medida que se firmou nesse amor, também se identificou mais com o Mestre, disposta a fazer tudo por Ele.
Com efeito, em poucos personagens do Evangelho encontramos uma reciprocidade tão perfeita em relação a Jesus como na irmã de Lázaro e Marta, e por este motivo ela é modelo de amor. Amor vigilante e solícito, que não faz economia e enfrenta qualquer situação; amor que a incita à preocupação pelo que advenha ao Amado; amor que não tem respeito humano, pois enquanto os Apóstolos estão escondidos, ela não mede esforços nem sacrifícios, decidida até a rolar a pedra do sepulcro com as mãos, discutir com os guardas, implorar e provocar um tumulto, se necessário fosse. Por quê? Ela deseja embalsamar o Corpo d’Aquele a quem adora: “O amor de Madalena a torna intrépida: nem o silêncio da noite, nem a solidão do lugar, nem a morada dos mortos, nem a aparição dos espíritos a apavoram; ela apenas teme por não ver o Corpo de seu Mestre para Lhe render as últimas homenagens”.4
Difícil é meditar a respeito desta passagem sem nos determos para um breve exame de consciência: será que temos em relação a Nosso Senhor esse grau de ardor em que nada é obstáculo para glorificá-Lo, e tudo é desconfiança face ao que possa ser feito contra Ele?

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