Confusão entre a primeira e a segunda vinda do Messias
2ob “Eis
que estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo”.
Jesus em breve partiria para
junto do Pai. Antes, porém, faz a promessa de permanecer com os homens até a
consumação dos tempos. São João Crisóstomo ressalta que Ele aqui Se
refere a todos os membros da Igreja, pois “não disse que estaria somente com
eles, mas também com todos os que creriam depois deles. [...] 0 Senhor fala com
seus fiéis como a um só Corpo”.5
Além disso, comenta ainda o
Santo que Ele chama a atenção dos discípulos para “o fim do mundo, a firn de
atraí-los mais e para que não olhem apenas para as dificuldades presentes, senão
também para os bens vindouros, que não têm termo”.6
Os Apóstolos, evidentemente,
não podiam acompanhá-Lo na Ascensão, pois, quem tem forças para subir ao Céu,
“senão aquele que desceu do Céu” (Jo 3, 13)? Entretanto, quando Ele desapareceu
envolto em uma nuvem, aproximaram-se dois Anjos vestidos de branco e perguntaram:
“Homens da Galileia, por que ficais aqui, parados, olhando para o Céu? Esse
Jesus que vos foi levado para o Céu virá do mesmo modo como o vistes partir
para o Céu” (At 1, 11).
As palavras dos mensageiros celestes
são muito expressivas, pois vinham confirmar as promessas de Jesus, abrindo a
compreensão dos Onze para começarem a entender que a glória e o aparato
desejado para o Messias, e para a instauração do Reino de Deus na Terra, não
correspondiam aos planos divinos naquela circunstância, e estavam reservados
para o seu regresso. Na realidade, eles confundiam a segunda vinda de Nosso
Senhor Jesus Cristo com a primeira, julgando que esta deveria ser pomposa, tonitruante,
cheia de magnificência, brilho e esplendor. Não obstante, Ele nasce numa Gruta,
abraça a pobreza a ponto de não ter onde repousar a cabeça (cf. Mt 8, 20), e
até os milagres que opera têm um caráter muito sereno, sem grandes ribombos,
pois Ele não queria chamar demasiada atenção e até proibia, às vezes, que se fizesse
propaganda deles (cf. Mt 12, 15-16; Mc 1, 43-44). Só na segunda vinda — em que
“virá do mesmo modo como o vistes partir para o Céu” — Se manifestará com
imponência e majestade.
Com efeito, então o Rei dos
reis descerá seguido pelo cortejo dos exércitos celestes, montados em cavalos
brancos e vestidos de linho de brancura resplandecente (cf. Ap 19, 14). 0 Doutor
Angélico defende a tese de que, antes de chegar à Terra, a meia altura, o Salvador
será recebido por uma plêiade de cojuízes que irão a seu encontro, como costumam
fazer as autoridades de um lugar quando acolhem outra de maior dignidade. São
eles varões perfeitos, escolhidos para julgar a humanidade junto com Ele, pois
“neles estão contidos os decretos da divina justiça”.7 Só depois, em meio a uma
apoteose, será dado início ao Juízo Final, que separará o trigo do joio (cf. Mt
13, 30), os da direita dos da esquerda (cf. Mt 25, 33), e se concluirá com a subida
dos bons para o Céu, na companhia do Filho de Deus, enquanto os maus serão
precipitados nas trevas.
III - A ASCENSÃO DO SENHOR, PENHOR DA NOSSA
Aquele que hoje Se eleva aos
Céus é o mesmo que foi humilhado, açoitado, coroado de espinhos, crucificado entre
dois ladrões e depositado num sepulcro. Seu Corpo estava chagado da cabeça aos
pés, tal como a respeito d’Ele profetizara o salmista: “sou um verme, não sou
homem, [...] poderia contar todos os meus ossos” (Sl 21, 7.18); mas, antes de sua
carne começar a sofrer a corrupção (cf. Sl 15, 10), ressuscitou-Se a Si próprio
com seu poder divino,8 passou quarenta dias na Terra e voltou para o Pai.
São Tomás se pergunta que força
O teria feito subir, e explica que, sendo Ele a Segunda Pessoa da Santíssima
Trindade, nesse instante exerceu sua onipotência, pelo que a causa primeira foi
sua virtude divina. Baseando-se também em Santo Agostinho, acrescenta que, no
momento da Ressurreição, a glória da Alma de Cristo redundou na glorificação do
Corpo, com seus atributos próprios, dentre os quais a agilidade, que confere a
capacidade de se movimentar segundo o pensamento e o desejo, de maneira que onde
está o espírito, lá esteja também o corpo. Ora, não convinha que Ele
permanecesse na Terra, uma vez que ela é um local de decomposição, e era
preciso que seu Corpo imortal estivesse no lugar apropriado, isto é, o Céu
Empíreo. Assim, conclui o Santo Doutor, a segunda causa de sua Ascensão, foi
“pelo poder da Alma glorificada que movia o Corpo como queria”.9
Uma promessa feita a toda a humanidade
Nosso Senhor Jesus Cristo
alçou-Se por seu próprio poder, e teve a delicadeza de deslocar-Se lentamente,
ascendendo não à velocidade do pensamento, mas conforme a admiração dos que
presenciavam o milagre. Foi-Se distanciando com calma, sorrindo e abençoando, até
Se tornar um ponto cada vez menor e desaparecer. A vista da exaltação do
Mestre, todos os circunstantes transbordaram de alegria e “voltaram para Jerusalém
com grande júbilo” (Lc 24, 52).
Também para nós a Ascensão é
motivo de gozo, de esperança e de fé. Por quê? Usemos de um exemplo para
facilitar a compreensão deste mistério e sua implicação na espiritualidade dos
fiéis. Seria impossível, e até monstruoso, imaginar que no dia de Páscoa só a
Cabeça do Redentor voltasse à vida, enquanto seu Corpo sagrado jazesse chagado
no túmulo. Ressuscitando a Cabeça, também todo o Corpo tinha de o fazer! Pois
bem, a Igreja é o Corpo Místico de Cristo; e Ele, ressuscitando como Cabeça da
Igreja, dá aos batizados o penhor da ressurreição, pois “cada um, de sua parte,
é um dos seus membros” (I Cor 12, 27). O mesmo se pode dizer da Ascensão: subindo
aos Céus em Corpo e Alma, o Redentor concede a garantia de nos conduzir à
eternidade da mesma forma, pois “Ele é nossa Cabeça, mister se faz que os membros
vão para onde ela se dirigiu”.’0 A este respeito comenta São João Crisóstomo:
“Observe-se que o Senhor nos faz ver suas promessas. Havia prometido ressuscitar
os corpos; ressuscitou-Se a Si mesmo dos mortos e confirmou seus discípulos
nesta fé, durante quarenta dias. Prometeu que seremos arrebatados ao Céu, e
também o provou por meio das obras”.11
Quando o Filho de Deus assumiu
nossa carne, quis Ele viver entre nós para dar o exemplo da plenitude e da
perfeição em todas as virtudes, atos e gestos que devemos praticar, inclusive na
nossa futura partida para o Céu, como esperamos. A Ascensão do Senhor é, pois,
para nós, um ponto de imitação. Como será, então, a nossa?
Continua no próximo post
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